Tempo Comum
Semana II
Evangelho:
Mc 3, 20-21
20 Depois, foi para casa e de novo acorreu tanta gente,
que nem sequer podiam tomar alimento. 21 Quando os Seus
parentes ouviram isto, foram para tomar conta d'Ele; porque diziam: «Está
louco».
Comentário:
Tinham razão os parentes de Jesus ao dizerem que estava
louco.
Esta loucura do Senhor é uma loucura de amor que,
primeiro O trouxe até ao meio de nós, assumindo identidade humana em tudo igual
a nós excepto no pecado.
Sujeita-se a ser tratado como louco, facínora,
beberrão, insultado na Sua honra, cuspido, violentado da forma mais cruel e
desumana e, finalmente, pregado numa cruz!
Por amor?
Sim pela loucura do amor divino pelos homens – todos os
homens – que veio para redimir e salvar.
Não nos é possível a nós, pobres humanos, retribuir
este amor com a mesma dimensão, a mesma “loucura”, mas podemos – e devemos –
dar-lhe o amor que Ele nos pede e, Ele, só nos pede o que somos capazes de dar.
(ama, comentário sobre Mc 3, 20-21, 2011.12.20)
Leitura espiritual
Vida cristã
A força do fermento
A sociedade é como um
tecido de relações entre os homens.
O trabalho, a família e as
outras circunstâncias da vida criam uma rede de vínculos, em que a nossa
existência se encontra como que tecida [i],
de modo que quando procuramos santificar a profissão concreta, a situação
familiar particular ou o resto dos deveres correntes, não estamos a santificar
uma fibra isolada, mas todo o tecido social.
Este trabalho santificador
converte os cristãos em poderoso fermento de ordenação do mundo, de modo que
este reflete melhor o amor com que foi criado.
Quando a caridade está
presente em qualquer atividade humana, reduzem-se os espaços de egoísmo,
principal fator de desordem no homem, nas suas relações com os outros e com as
coisas.
Assim, portadores do Amor
do Pai no meio da sociedade, os fiéis leigos «estão aí chamados por Deus a
cumprir a seu próprio encargo, guiando-se pelo espírito evangélico, de modo
que, como a levedura, contribuam, a partir de dentro, para santificação do
mundo» [ii]
A eficácia transformadora
dessa levedura cristã no trabalho depende, em grande medida, de que cada um
procure alcançar uma preparação adequada.
Esta não deve limitar-se à
instrução específica – técnica ou intelectual – que cada profissão requer.
Há outros aspetos que, por
serem imprescindíveis para alcançar uma verdadeira "competência"
humana e cristã, influem directíssimamente nas relações laborais e sociais que
se originam à volta do trabalho e que são fundamentais para ordenar a Deus o
tecido social.
Ser
do mundo sem ser mundanos
O cristão que está chamado
a santificar-se na sua profissão deve ser do mundo, mas não ser mundano.
Procura o bem-estar
temporal, mas não o considera como o bem supremo.
Reconhece com realismo a
presença do mal, mas não desanima quando o encontra, procura antes reparar e
lutar com mais empenho para o purificar do pecado.
Nunca deve faltar o
entusiasmo, nem no vosso trabalho nem no vosso empenho por construir a cidade
temporal.
Ainda que, ao mesmo tempo,
como discípulos de Cristo que crucificaram a carne com as suas paixões e
concupiscências [iii],
procureis manter vivo o sentido do pecado e da reparação generosa, frente aos
falsos otimismos dos que, inimigos da cruz de Cristo [iv],
baseiam tudo no progresso e nas energias humanas [v].
"Ser do mundo",
em sentido positivo, leva a ter espírito contemplativo no meio de todas as
atividades humanas (...), tornando realidade este programa: quanto mais dentro
do mundo estejamos, tanto mais temos que ser de Deus [vi].
Esta aspiração, longe de
produzir retraimento diante das dificuldades do ambiente, impulsiona para uma
maior audácia, fruto de uma presença de Deus mais intensa e constante.
Porque somos do mundo e
somos de Deus, não nos podemos fechar: «não é lícito aos cristãos abandonar a
sua missão no mundo, como a alma não pode separar-se voluntariamente do corpo» [vii].
S. Josemaria concretiza
essa tarefa de cidadãos cristãos em contribuir para que o amor e a liberdade de
Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna, a cultura e a
economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e a convivência social [viii].
Manifestação capital do
espírito cristão – e mesmo simplesmente humano – é reconhecer que a plena
felicidade humana se encontra na união com Deus, não na posse de bens terrenos.
É justamente o contrário
de ser mundano.
O mundano põe todo o
coração nos bens deste mundo, sem se lembrar de que estão feitos para o
conduzir ao Criador.
Pode suceder alguma vez,
que diante da experiência de pessoas que, afastadas de Deus, parecem encontrar
felicidade ao dispor dos bens que desejam, surja o pensamento de que a união
com Deus não é a única fonte de alegria plena. Mas não nos devemos enganar.
Trata-se de uma felicidade
inconsistente, superficial e não isenta de inquietações.
Essas mesmas pessoas
seriam incomparavelmente mais felizes, já nesta terra e depois plenamente no
Céu, se tratassem a Deus e ordenassem para a Sua glória o uso desses bens.
A sua felicidade deixaria
de ser uma felicidade frágil, exposta a muitas eventualidades e não temeriam –
com esse temor que lhes tira a paz – que viessem a faltar-lhes uns ou outros
bens, nem os assustaria a realidade da dor e da morte.
As bem-aventuranças do
Sermão da montanha –– bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o
Reino dos Céus.
Bem-aventurados os que
choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos..., os que têm fome
e sede de justiça..., os que sofrem perseguição por causa da justiça... [ix]
mostram que a plena felicidade a bem-aventurança não se encontra nos bens deste
mundo.
S. Josemaria ficava
magoado porque, às vezes, se enganam as almas.
Fala-se-lhes de uma
libertação que não é a de Cristo.
Os ensinamentos de Jesus,
o Seu Sermão da Montanha, essas bem-aventuranças que são um poema do amor
divino, ignoram-se. Só se procura uma felicidade terrena, que não é possível
alcançar neste mundo [x].
As palavras do Senhor não
justificam, no entanto, uma visão negativa dos bens terrenos, como se fossem
maus ou impedimento para alcançar o Céu.
Não são obstáculo, mas
matéria de santificação e o Senhor não convida a recusá-los.
Ensina, antes, que o único
necessário [xi]
para a santidade e a felicidade é amar a Deus.
Quem não dispõe desses
bens ou quem sofre, deve saber não só que a alegria plena pertence ao Céu, mas
que já nesta terra é "bem-aventurado" – pode ter uma antecipação da
felicidade do Céu – porque a dor e, em geral, a carência de um bem, tem valor
redentor se se acolhe por amor à Vontade do nosso Pai Deus, que tudo ordena
para o nosso bem [xii].
Procurar o bem-estar
material para os que nos rodeiam é muito agradável a Deus, é uma forma
maravilhosa de embeber de caridade as realidades temporais e é perfeitamente
compatível com a atitude pessoal de desprendimento que o Senhor nos ensinou.
Mentalidade
laical, com alma sacerdotal
Um filho de Deus há-de ter
alma sacerdotal, porque foi feito participante do sacerdócio de Cristo para
co-redimir com Ele.
Nos fiéis do Opus Dei, por
estarem chamados a santificar-se no meio do mundo, esta caraterística
encontra-se intrinsecamente unida à mentalidade laical, que leva a realizar o
trabalho e os diversos afazeres com competência, de acordo com as suas leis
próprias, queridas por Deus [xiii].
No âmbito básico das
normas de moral profissional, que interessa cuidar delicadamente como
pressuposto necessário para santificar o trabalho, há muitos modos de levar a
cabo as tarefas humanas de acordo com o querer de Deus.
Dentro das leis próprias
de cada atividade, e na ampla perspectiva que abre a moral cristã, há muitas
opções, todas elas santificáveis, entre as quais cada um pode escolher com
responsabilidade e liberdade pessoais, respeitando a liberdade dos outros.
Essa liberdade
intransferível faz com que a participação de cada um na vida social – no lar,
no trabalho, na convivência – seja única, original e irrepetível, como é
irrepetível a resposta ao amor a Deus de cada alma.
Não devemos privar a
família humana do bom exercício da nossa liberdade, fonte de iniciativas de
serviço aos outros para a glória de Deus.
O Fundador do Opus Dei
ensinou que assumir profundamente este facto é caraterística essencial do
espírito da Obra.
Liberdade, meus filhos,
liberdade, que é a chave dessa mentalidade laical que todos temos no Opus Dei [xiv].
A alma sacerdotal e a
mentalidade laical são dois aspetos inseparáveis no caminho de santidade que S.
Josemaria ensina.
Em tudo e sempre temos que
ter – tanto os sacerdotes como os leigos – alma verdadeiramente sacerdotal e
mentalidade plenamente laical, para que possamos entender e exercitar na nossa
vida pessoal aquela liberdade de que gozamos na esfera da Igreja e nas coisas
temporais, considerando-nos ao mesmo tempo cidadãos da cidade de Deus [xv]
e da cidade dos homens [xvi].
Para ser fermento de
espírito cristão na sociedade é preciso que na nossa vida se cumpra esta união,
de modo que todos os nossos afazeres profissionais, realizados com mentalidade
laical, estejam empapados de alma sacerdotal.
Sinal claro desta união é
pôr em primeiro lugar o trato com Deus, a piedade, que para um filho de Deus se
pode concretizar no cumprimento de um plano de vida espiritual. Necessitamos de
alimentar o Amor como impulso vital da nossa vida, porque não é possível trabalhar
realmente para Deus sem uma vida interior cada vez mais profunda.
Como recordava S. Josemaria:
Se não tiverdes vida
interior, ao dedicar-vos ao vosso trabalho, em lugar de o divinizar, poderia
suceder-vos o que sucede ao ferro, quando está vermelho e se mete em água fria:
destempera-se e apaga-se. Deveis ter um fogo que venha de dentro, que não se
apague, que incendeie tudo aquilo em que toque. Por isso pude dizer que não
quero nenhuma obra, nenhum trabalho, se os meus filhos não melhoram nele. Meço
a eficácia e o valor das obras, pelo grau de santidade que adquirem os
instrumentos que as realizam.
Com o mesmo vigor com que
antes vos convidava a trabalhar e a trabalhar bem, sem medo ao cansaço; com
essa mesma insistência, vos convido agora a ter vida interior.
Nunca me cansarei de o
repetir: as nossas Normas de piedade, a nossa oração, são o primeiro.
Sem a luta ascética, a
nossa vida não valeria nada, seríamos ineficazes, ovelhas sem pastor, cegos que
guiam outros cegos [xvii],
[xviii].
Para que o fermento não se
desvirtue, tem de ter a força de Deus. Deus é que transforma.
Só quando permanecemos unidos
a Ele somos verdadeiramente fermento de santidade.
De outro modo estaremos na
massa como simples massa, sem contribuir com o que se espera da levedura.
O empenho por cuidar de um
plano de vida espiritual acabará por produzir o milagre da acção transformadora
de Deus: primeiro em nós mesmos, por ser esse plano um caminho de união com Ele
e, como consequência, nos outros, na sociedade inteira.
j. lópez díaz
(Revisão
da versão portuguesa por ama)
[i] Concílio
Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium,
n. 31. Cfr. João Paulo II, Exhort. apost.
Christifideles laici, 30-XII-1988, n. 15.
[ii] Concílio
Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium,
n. 31. Cfr. João Paulo II, Exhort. apost.
Christifideles laici, 30-XII-1988, n. 15.
[v] S.
Josemaria, Carta 9-I-1959, n. 19, em
E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y
santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010, p. 439.
Cfr. Cristo que passa, nn. 95-101.
[vi] S.
Josemaria, Forja, n. 740.
[vii] Epistola
ad Diognetum, 6.
[viii] S.
Josemaria, Sulco, n. 302.
[x] S.
Josemaria, Apontamentos de uma meditação,
25-XII-1972, em E. Burkhart, J. López, Vida
cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, III, Rialp, Madrid
2013, p. 125.
[xiii] Cfr.
Conc. Vaticano II, Const. past. Gaudium
et spes, n. 36.
[xiv] S.
Josemaria, Carta 29-IX-1957, citado
por A. Cataneo,. Tracce per una
spiritualità laicale offerte dall'omelia Amare il mondo appassionatamente,
em revista "Annales Theologici" 16 (2002) 128.
[xvi] S.
Josemaria, Carta 2-II-1945, n. 1, em
A. Vázquez de Prada, El Fundador del Opus
Dei, II, Rialp, Madrid 2002, p. 670.
[xviii] S.
Josemaria, Carta 15-X-1948, n. 20, em
E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y
santidad en la enseñanza de San Josemaría, III, Rialp, Madrid 2013, p. 210.