Capítulo V
PERCURSOS DE JUVENTUDE
Na amizade de
Cristo
150.
Por mais que vivas e experimentes, nunca chegarás às profundezas da juventude,
nem conhecerás a verdadeira plenitude de ser jovem, se não te encontrares cada
dia com o grande Amigo, se não viveres na amizade de Jesus.
151.
A amizade é um presente da vida e um dom de Deus.
Através
dos amigos, o Senhor purifica-nos e faz-nos amadurecer.
Ao
mesmo tempo, os amigos fiéis, que permanecem ao nosso lado nos momentos
difíceis, são um reflexo do carinho do Senhor, da sua consolação e da sua
amorosa presença.
Ter
amigos ensina-nos a abrir-nos, a compreender, a cuidar dos outros, a sair da
nossa comodidade e isolamento, a partilhar a vida. Por isso, «nada se pode
comparar a um amigo fiel, e nada se iguala ao seu valor» (Sir
6, 15).
152.
A amizade não é uma relação fugaz e passageira, mas estável, firme, fiel, que
amadurece com o passar do tempo.
É
uma relação de afecto que nos faz sentir unidos e, ao mesmo tempo, é um amor
generoso que nos leva a procurar o bem do amigo.
Embora
os amigos possam ser muito diferentes entre si, há sempre algumas coisas em
comum que os leva a sentir-se próximos, e há uma intimidade que se partilha com
sinceridade e confiança.
153.
A amizade é tão importante que o próprio Jesus Se apresenta como amigo:
«Já não vos chamo servos (…), a vós chamei-vos amigos» (Jo
15, 15).
Com
a graça que Ele nos dá, ficamos tão elevados que somos realmente seus amigos.
Com
o mesmo amor que Ele derrama em nós, podemos amá-l'O, estendendo o seu amor aos
outros com a esperança de que também estes tenham o seu lugar na comunidade de
amigos fundada por Jesus Cristo[1].
E,
embora já esteja ressuscitado e plenamente feliz, podemos ser generosos para
com Ele, ajudando-O a construir o seu Reino neste mundo, sendo seus
instrumentos para levar a sua mensagem, a sua luz e sobretudo o seu amor aos
outros (cf. Jo 15, 16).
Os
discípulos ouviram a chamada de Jesus à amizade com Ele; foi um convite que não
os forçou, propondo-se delicadamente à sua liberdade:
«Vinde e vereis - disse-lhes; e eles foram -,
viram onde morava e ficaram com Ele nesse dia» (Jo
1, 39).
Depois
daquele encontro, íntimo e inesperado, deixaram tudo e partiram com Ele.
154.
A amizade com Jesus é indissolúvel.
Nunca
nos deixa, embora às vezes pareça calado.
Quando
precisamos d’Ele, deixa-Se encontrar por nós (cf. Jr
29, 14), e está ao
nosso lado para onde quer que formos (cf. Js 1,
9).
Porque
Ele nunca quebra uma aliança.
A
nós, pede-nos para não O abandonarmos: «Permanecei
em Mim, que Eu permaneço em vós» (Jo 15, 4).
Mas,
se nos afastarmos, «Ele permanecerá fiel,
pois não pode negar-Se a Si mesmo» (2 Tim 2, 13).
155.
Com o amigo, conversamos, partilhamos as coisas mais secretas.
Com
Jesus, também conversamos.
A
oração é um desafio e uma aventura.
E
que aventura!
Permite
que O conheçamos cada vez melhor, entremos no seu mistério e cresçamos numa
união cada vez mais forte.
A
oração permite-nos contar-Lhe tudo o que nos acontece e permanecer confiantes
nos seus braços e, ao mesmo tempo, proporciona-nos momentos de preciosa intimidade
e afecto, onde Jesus derrama a sua própria vida em nós.
Rezando,
«abrimos o jogo» a Ele, damos-Lhe lugar «para que Ele possa agir, possa entrar
e possa vencer»[2].
156.
Assim, é possível chegar a experimentar uma unidade constante com Ele, que
supera tudo o que possamos viver com outras pessoas:
«Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim» (Gal
2, 20).
Não
prives a tua juventude desta amizade.
Poderás
senti-l'O a teu lado, e não só quando rezas.
Reconhecerás
que caminha contigo em todos os momentos.
Procura
descobri-l'O e viverás a experiência estupenda de saber que estás sempre
acompanhado.
Foi
o que viveram os discípulos de Emaús: enquanto caminhavam e conversavam
desiludidos, Jesus fez-Se presente e «pôs-Se
com eles a caminho» (Lc
24, 15).
Um
santo dizia que «o cristianismo não é um conjunto de verdades em que é preciso
acreditar, de leis que se devem observar, de proibições.
Apresentado
assim, repugna.
O
cristianismo é uma Pessoa que me amou tanto que reclama o meu amor.
157.
Jesus pode unir todos os jovens da Igreja num único sonho, «um sonho grande, um
sonho capaz de envolver a todos.
O
sonho, pelo qual Jesus deu a vida na cruz, e o Espírito Santo no dia de
Pentecostes foi derramado e gravado a fogo no coração de cada homem e mulher,
no coração de cada um. (…)
Gravou-o
com a esperança de aí encontrar espaço para crescer e desenvolver-Se.
Um
sonho, um sonho chamado Jesus, semeado pelo Pai: Deus como Ele, como o Pai,
enviado pelo Pai com a confiança que crescerá e viverá em todo o coração.
Um
sonho concreto, que é uma Pessoa, que corre nas nossas veias, faz exultar e
dançar de alegria o coração»[4].
O crescimento e a
maturidade
158.
Muitos jovens vivem preocupados com o seu corpo, procurando desenvolver a força
física ou melhorar o aspecto exterior.
Outros
preocupam-se por desenvolver as suas capacidades e conhecimentos, e assim
sentem-se mais seguros.
Alguns
apostam mais alto, comprometendo-se mais e procurando progredir
espiritualmente.
Dizia
São João:
«Eu vo-lo escrevi, jovens, [porque] vós sois fortes, a palavra de Deus permanece
em vós» (1 Jo 2, 14).
Buscar
o Senhor, guardar a sua Palavra, procurar corresponder-lhe com a própria vida,
crescer nas virtudes: isto torna fortes os corações dos jovens.
Para
isso, é preciso manter a união com Jesus, estar em sintonia com Ele, uma vez
que não crescerás na felicidade e santidade só com as tuas forças e a tua
mente.
Assim
como te preocupas por não perder a conexão com a internet, assegura-te de igual
modo que esteja activa a tua ligação com o Senhor, o que significa não
interromper o diálogo, escutá-l'O, contar-Lhe as tuas coisas e, quando não
souberes claramente o que deves fazer, pergunta-Lhe: «Jesus, que farias Tu no
meu lugar?»[5]
159.
Espero que possas manter a auto-estima e levar-te tão a sério que procures o
teu crescimento espiritual.
Além
do entusiasmo próprio da juventude, há também o encanto de buscar «a justiça, a
fé, o amor e a paz» (2 Tim 2, 22).
Isto
não significa perder a espontaneidade, o frescor, o entusiasmo, a ternura.
Com
efeito, tornar-se adulto não significa abandonar os valores melhores desta fase
da vida; caso contrário, o Senhor poderia um dia censurar-te: «Recordo-Me da
tua fidelidade no tempo da tua juventude, dos amores do tempo do teu noivado,
quando Me seguias no deserto» (Jr 2, 2).
160.
Aliás o próprio adulto deve amadurecer, sem perder os valores da juventude.
Na
realidade, cada fase da vida é uma graça permanente, contém um valor que não
deve passar.
Uma
juventude bem vivida permanece como experiência interior e, na vida adulta, é
assimilada, aprofundada e continua a dar os seus frutos.
Se
é próprio do jovem sentir-se atraído pelo infinito que se abre e começa[6],
um risco da vida adulta - com as suas seguranças e comodidades - consiste em ir
transcurando progressivamente tal horizonte e perder aquele valor próprio dos
anos da juventude; quando deveria suceder o contrário: amadurecer, crescer e
organizar a própria vida sem perder aquela atracção, aquela abertura ampla,
aquele fascínio por uma realidade que cresce sem cessar. Em cada momento da
vida, podemos renovar e fazer crescer a nossa juventude.
Quando
comecei o meu ministério como Papa, o Senhor alargou os meus horizontes e
deu-me uma renovada juventude.
O
mesmo pode acontecer com um casal já com muitos anos de matrimónio, ou com um
monge no seu mosteiro.
Há
coisas que precisam dos anos para se consolidar, mas este amadurecimento pode
coexistir com um fogo que se renova, com um coração sempre jovem.
161.
Crescer quer dizer conservar e alimentar as coisas mais preciosas que te
oferece a juventude, mas ao mesmo tempo significa estar disponível para
purificar o que não é bom e receber novos dons de Deus, que te chama a
desenvolver o que tem valor.
Às
vezes, os complexos de inferioridade podem levar-te a não querer ver os teus
defeitos e fragilidades, fechando-te assim ao crescimento e ao amadurecimento.
É
melhor deixares-te amar por Deus, que te ama como és, aprecia-te e respeita-te,
não cessando, porém, de te cumular cada vez mais da sua amizade, fervor na
oração, fome da sua Palavra, anseio de receber Cristo na Eucaristia, vontade de
viver o seu Evangelho, força interior, paz e alegria espiritual.
162.
Lembro-te, porém, que não serás santo nem te realizarás copiando os outros.
Quando
se fala em imitar os santos, não significa copiar o seu modo de ser e de viver
a santidade:
«Há
testemunhos que são úteis para nos estimular e motivar, mas não para
procurarmos copiá-los, porque isso poderia até afastar-nos do caminho, único e
específico, que o Senhor predispôs para nós»[7].
Tens
de descobrir quem és e desenvolver o teu modo pessoal de seres santo,
independentemente daquilo que digam e pensem os outros.
Fazeres-te
santo é tornar-te mais plenamente tu próprio, aquele que Deus quis sonhar e
criar, não uma fotocópia.
A
tua vida deve ser um estímulo profético que sirva de inspiração para os outros,
que deixe uma marca neste mundo, aquela marca única que só tu poderás deixar.
Ao
passo que, se copiares, privarás esta terra e também o Céu daquilo que mais
ninguém poderá oferecer no teu lugar.
Lembro-me
que São João da Cruz deixou escrito, no seu Cântico Espiritual, que cada um
devia servir-se dos seus conselhos espirituais, «a seu modo»[8],
porque o próprio Deus quis manifestar a sua graça «a uns duma maneira e a
outros de outra»[9].
Percursos de
fraternidade
163.
O teu crescimento espiritual manifesta-se sobretudo no amor fraterno, generoso,
misericordioso.
Assim
no-lo diz São Paulo: «O Senhor vos faça
crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos»
(1
Ts 3, 12).
Possas
tu viver cada vez mais aquele «êxtase» que consiste em sair de ti mesmo para
buscares o bem dos outros, até dar a vida.
164.
Quando um encontro com Deus se chama «êxtase» é porque nos tira fora de nós
mesmos e nos eleva, cativados pelo amor e a beleza de Deus.
Mas
podemos também ser levados a sair de nós mesmos para reconhecer a beleza
escondida em cada ser humano, a sua dignidade, a sua grandeza como imagem de
Deus e filho do Pai.
O
Espírito Santo quer impelir-nos a sair de nós mesmos, para abraçar os outros com
o amor e procurar o seu bem.
Por
isso, é sempre melhor vivermos a fé juntos e expressar o nosso amor numa vida
comunitária, partilhando com outros jovens o nosso afecto, o nosso tempo, a
nossa fé e as nossas preocupações.
A
Igreja oferece muitos e variados espaços para viver a fé em comunidade, porque,
juntos, tudo é mais fácil.
165.
As feridas recebidas podem levar-te à tentação do isolamento, a retrair-te
dentro de ti mesmo, a acumular ressentimentos, mas nunca deixes de ouvir a
chamada de Deus ao perdão.
Como
justamente ensinaram os bispos de Ruanda, «a reconciliação com o outro requer,
em primeiro lugar, que se descubra nele o esplendor da imagem de Deus. (...)
Nesta perspectiva, é vital distinguir o pecador do seu pecado e da sua ofensa,
para chegar à verdadeira reconciliação. Isto significa que odeias o mal que o
outro te inflige, mas continuas a amá-lo porque reconheces a sua fraqueza e,
nele, vês a imagem de Deus»[10].
166.
Às vezes toda a energia, os sonhos e o entusiasmo da juventude se atenuam pela
tentação de nos fecharmos em nós mesmos, nos nossos problemas, sentimentos
feridos, lamentações e comodidades. Não deixes que isto te aconteça, porque
ficarás velho por dentro e antes do tempo.
Cada
idade tem a sua beleza, e à juventude não pode faltar a utopia comunitária, a
capacidade de sonhar juntos, os grandes horizontes que contemplamos juntos.
167.
Deus ama a alegria dos jovens e convida-os sobretudo à alegria que se vive na
comunhão fraterna, ao júbilo superior de quem sabe partilhar, pois «a felicidade está mais em dar do que em
receber» (At 20, 35) e «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9,
7).
O
amor fraterno multiplica a nossa capacidade de nos alegrarmos, porque nos torna
capazes de rejubilar com o bem dos outros: «Alegrai-vos
com os que se alegram» (Rm 12, 15).
Que
a espontaneidade e o impulso da tua juventude se transformem sempre mais na
espontaneidade do amor fraterno, no frescor que nos faz reagir sempre com o
perdão, a generosidade, o desejo de construir comunidade!
Diz
um provérbio africano: «Se queres andar rápido, caminha sozinho. Se queres
chegar longe, caminha com os outros».
Não
deixemos roubar-nos a fraternidade.
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1] Cf. São Tomás de
Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 23, art. 1.
[2] Francisco, Discurso
aos voluntários da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 27 de
Janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
05/II/2019), 13.
[3] São Óscar A.
Romero, «Homilia» (6 de Novembro de 1977): Su pensamiento, I-II
(São Salvador 2000), 312.
[4] Francisco, Discurso
na Cerimonia de Acolhimento e Aberturada XXXIV Jornada Mundial da Juventude
(Panamá 24 de Janeiro de 2019): L’Osservatore romano (ed.
portuguesa de 29/I/2019), 10.
[5] Cf.
Francisco, Encontro com os jovens (Santuário Nacional de Maipú
– Santiago do Chile 17 de Janeiro de 2018):L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 25/I/2018), 3-4.
[6] Cf. Romano Guardini, As
idades da vida: Opera omnia, IV (Brescia 2015), 209.
[8] Cântico
Espiritual B, Prólogo, 2.
[9] Ibid.,
XIV-XV, 2.
[10] Conferência
Episcopal do Ruanda, Carta dos bispos católicos aos fiéis durante o ano
especial da reconciliação no Ruanda (Kigali 18 de Janeiro de 2018),
17.