Tempo comum XX Semana
Evangelho: Mt 23, 1-12
1 Então, Jesus falou às multidões e aos Seus
discípulos, 2 dizendo: «Sobre a cadeira de Moisés sentaram-se os
escribas e os fariseus. 3 Observai, pois, e fazei tudo o que eles
vos disserem, mas não imiteis as suas acções, porque dizem e não fazem. 4
Atam cargas pesadas e impossíveis de levar, e as põem sobre os ombros dos
outros homens, mas nem com um dedo as querem mover. 5 Fazem todas as
suas obras para serem vistos pelos homens. Trazem mais largas as filactérias, e
mais compridas as franjas dos seus mantos. 6 Gostam de ter os
primeiros lugares nos banquetes, e as primeiras cadeiras nas sinagogas, 7
das saudações na praça, e de serem chamados rabi pelos homens. 8 Mas
vós não vos façais chamar rabis, porque um só é o vosso Mestre, e vós sois
todos irmãos. 9 A ninguém chameis pai sobre a terra, porque um só é
o vosso Pai, O que está nos céus. 10 Nem façais que vos chamem
mestres, porque um só é o vosso Mestre, Cristo. 11 Quem entre vós
for o maior, seja vosso servo. 12 Aquele que se exaltar será
humilhado, e quem se humilhar será exaltado.
Comentário:
Se fosse necessário, este
trecho do Evangelho seria mais uma prova da actualidade das palavras de Cristo.
Os homens não mudaram
assim tanto como pode julgar-se desde o tempo em que as pronunciou até agora,
ao dia de hoje!
E, na verdade, continua a
verificar-se a humilhação dos que, sem qualquer razão válida se exaltam a si
mesmos, como que perseguindo a qualquer preço um estatuto de fama e glória
pessoais e o reconhecimento dos que não manifestam nem vaidade nem desejos de
protagonismo nas atitudes que tomam ou nas obras que levam a cabo.
(ama,
comentário sobre Mt 23, 1-12, 2014.03.18
Leitura espiritual
Magistério
cardeal joseph ratzinger
Algumas perguntas pessoais
NOVA EVANGELIZAÇÃO
…/15
OS CONTEÚDOS ESSENCIAIS DA
NOVA EVANGELIZAÇÃO
Conversão
No
que diz respeito aos conteúdos da nova evangelização, convém antes de tudo ter presente
que o Antigo e o Novo Testamentos são inseparáveis. O conteúdo fundamental do
Antigo Testamento está resumido na mensagem de São João Baptista:
Convertei-vos.
Não
se pode chegar a Jesus sem o Baptista; não é - possível chegar a Jesus sem corresponder
ao chamado do Precursor; mais ainda, Jesus inseriu a mensagem de João na
síntese da sua própria pregação: Convertei-vos e crede no Evangelho (Mc 1, 15).
A palavra grega para "converter-se" significa mudar de mentalidade,
pôr em confronto o modo comum de viver e o nosso próprio modo de viver, deixar
Deus entrar nos critérios da nossa vida, já não julgar apenas segundo as
opiniões correntes.
Por
conseguinte, converter-se, significa, deixar de viver como todos vivem, deixar
de agir como todos agem, deixar de sentir-se justificado em actos duvidosos,
ambíguos, maus, pelo facto de todos fazerem o mesmo: começar a ver a própria
vida com os olhos de Deus. Portanto, é começar a fazer o bem, mesmo que seja
incómodo; é não depender do juízo da maioria, dos outros, mas do juízo de Deus.
Em outras palavras, é buscar um novo estilo de vida, uma vida nova.
Isto
não significa moralismo. Quem reduz o cristianismo à moralidade perde de vista
a essência da mensagem de Cristo: o dom de uma nova amizade, o dom da comunhão com
Jesus e, portanto, com Deus. Quem se converte a Cristo não quer ter autonomia moral,
não pretende construir a sua bondade com as próprias forças.
"Conversão"
(metanoia) significa precisamente o contrário: sair da auto-suficiência, descobrir
e aceitar a própria indigência, a necessidade dos outros e a necessidade de Deus,
do seu perdão, da sua amizade. A vida sem conversão é auto-justificação
("eu não sou pior do que os outros"); a conversão é a humildade de
nos entregarmos ao amor do Outro, amor que se transforma em medida e critério
da nossa própria vida.
Aqui
também devemos ter presente o aspecto social da conversão. Certamente, a conversão
é sobretudo um acto personalíssimo, é personalização. Eu renuncio a "viver
como todos"; já não me sinto justificado pelo facto de todos fazerem o
mesmo que eu, e encontro diante de Deus o meu próprio eu, a minha
responsabilidade pessoal. Mas a verdadeira personalização é sempre também uma
socialização nova e mais profunda. O eu abre-se de novo ao tu, em toda a sua
profundidade, nascendo assim um novo nós. Se o modo de vida comum no mundo
implica o risco da despersonalização, de viver não a minha vida mas a dos
outros, na conversão deve surgir um novo nós no caminhar comum com Deus.
Junto
com o anúncio da conversão, devemos oferecer também uma comunidade de vida, um
espaço comum para o novo estilo de vida. Não se pode evangelizar apenas com palavras.
O Evangelho cria vida, cria comunidade de caminho. Uma conversão puramente
individual não tem consistência.
O reino de Deus
Está
implícito na chamada à conversão, como sua condição fundamental, o anúncio do Deus
vivo. O teocentrismo é fundamental na mensagem de Jesus e deve ser também o núcleo
da nova evangelização. A palavra-chave do anúncio de Jesus é: reino de Deus.
Mas
reino de Deus não é uma coisa, uma estrutura social ou política, uma utopia. O reino
de Deus é Deus.
Reino
de Deus quer dizer: Deus existe. Deus vive. Deus está presente e actua no
mundo, na nossa vida, na minha vida. Deus não é uma longínqua "causa
última". Deus não é o "grande arquitecto" do deísmo, que montou
a máquina do mundo e depois a abandonou.
Pelo
contrário. Deus é a realidade mais presente e decisiva em cada acto da minha
vida, em cada momento da História.
Na
conferência de despedida da sua cátedra na Universidade de Munster, o teólogo Johann
Baptist Metz disse coisas que ninguém imaginaria ouvir dos seus lábios. Antes, ensinara
o antropocentrismo: o verdadeiro feito do cristianismo teria sido o "giro antropológico",
a secularização, a descoberta da secularidade do mundo. Depois passara a
ensinar teologia política, a índole política da fé; a "memória perigosa";
e, finalmente, a teologia narrativa. Mas após percorrer esse caminho árduo e
difícil, ele nos diz: o verdadeiro problema do nosso tempo é "a crise de
Deus", a ausência de Deus, disfarçada de religiosidade vazia. A teologia
deve voltar a ser realmente teologia, falar de Deus e com Deus.
Metz
tem razão. O "único necessário" (unum necessarium) para o homem é
Deus. Tudo muda dependendo da existência ou não de Deus. Por desgraça, também
nós, cristãos, muitas vezes vivemos como se Deus não existisse (51 Deus non
dare-tur). Vivemos segundo o slogan: Deus não existe e, se existe, não conta
para nada. Por isso, a evangelização deve falar de Deus antes de qualquer
coisa, anunciar o único Deus verdadeiro: o Criador, o Santificador, o Juiz
(cfr. Catecismo da Igreja Católica).
Também
aqui é preciso ter presente o aspecto prático. Não se pode dar a conhecer Deus unicamente
com palavras. Não se conhece uma pessoa quando as únicas referências que se têm
a seu respeito são de segunda mão. Anunciar Deus é introduzir na relação com Deus:
ensinar a orar. A oração é fé em acto. E é apenas através dessa experiência
vivida que encontramos, de maneira evidente, as garantias de que Deus existe.
Por isso são tão importantes as escolas de oração, as comunidades de oração. A
oração pessoal (no teu quarto, a sós na presença de Deus), a oração comum
"para-litúrgica" ("religiosidade popular") e a oração
litúrgica são complementares entre si. Sim, a liturgia é principalmente oração:
o seu elemento específico consiste em que o seu sujeito primário não somos nós
(como na oração privada e na religiosidade popular), mas o próprio Deus. A liturgia
é actio divina. Deus age e nós correspondemos à ação divina.
Falar
de Deus e falar com Deus devem estar sempre juntos. O anúncio de Deus leva à comunhão
com Deus na comunhão fraterna, fundada e vivificada por Cristo. Por isso a liturgia
(os sacramentos) não é um tema anexado ao da pregação do Deus vivo, mas a concretização
da nossa relação com Deus.
Neste
sentido, gostaria de fazer uma observação geral sobre a questão litúrgica. Com frequência,
o nosso modo de celebrar a liturgia é racionalista demais. A liturgia converte-se
num ensinamento submetido ao critério da compreensibilidade. Isso muitas vezes
tem como consequência a banalização do mistério, o predomínio das nossas palavras,
a repetição de uma série de palavras que parecem mais inteligíveis e mais gratas
às pessoas. Acontece que isso não é apenas um erro teológico, mas também psicológico
e pastoral. A onda de esoterismo, a difusão das técnicas asiáticas de relaxamento
e de auto-esvaziamento mostram que falta algo nas nossas liturgias.
Precisamos
especialmente do silêncio, do mistério supra--individual e da beleza no mundo
actual. A liturgia não é uma invenção do sacerdote celebrante ou de um grupo de
especialistas. A liturgia - o rito - desenvolveu-se num processo orgânico ao
longo dos séculos; encerra o fruto da experiência de fé de todas as gerações.
Embora os participantes talvez não compreendam todas as suas fórmulas, percebem
o seu significado profundo, a presença do mistério, que transcende todas as
palavras. O celebrante não é o centro da acção litúrgica; não está diante do
povo em seu próprio nome, não fala de si e por si, mas in persona Christi. O
que importa não são as qualidades pessoais do celebrante, mas apenas a sua fé,
que deve refletir Cristo. Convém que ele cresça e eu diminua (Jo 3, 30).
Jesus Cristo
Com
essa reflexão, o tema de Deus já se ampliou e concretizou no tema de Jesus
Cristo.
Apenas
em Cristo e por Cristo o tema de Deus se faz realmente concreto: Cristo é o Emmanuel,
o Deus connosco, a concretização do Eu sou, a resposta ao deísmo. Hoje é muito
forte a tentação de reduzir Jesus Cristo, o Filho de Deus, unicamente a um
Jesus histórico, a um mero homem. Não é que se negue a sua divindade, mas
usam-se certos métodos para destilar da Bíblia um Jesus à nossa medida, um
Jesus possível e compreensível segundo os parâmetros da nossa historiografia.
Mas esse "Jesus histórico" é uma invenção, a imagem dos seus autores,
e não a imagem de Deus vivo (cfr. 2 Cor 4, 4 e segs.; Col 1, 15). O Cristo da
fé não é um mito; o assim chamado "Jesus histórico" é que é uma
figura mitológica, inventada por diversos intérpretes. Os duzentos anos de
história do "Jesus histórico" refletem fielmente a história das
filosofias e ideologias desse período.
Seria
impossível tratar nesta conferência de todos os conteúdos do anúncio do
Salvador.
Gostaria
de mencionar apenas dois aspectos importantes. O primeiro é o seguimento de Cristo.
Cristo apresenta-se como caminho da minha vida.
O
seguimento de Cristo não significa imitar o homem Jesus. Essa tentativa
fracassaria necessariamente; seria um anacronismo. O seguimento de Cristo tem
uma meta muito mais elevada: identificar-se com Cristo, isto é, chegar à união
com Deus. Esta palavra talvez choque os ouvidos do homem moderno. Mas, na
realidade, todos temos sede de infinito, de uma liberdade infinita, de uma
felicidade ilimitada. Só assim se explica toda a história das Revoluções dos
últimos dois séculos. Só assim se explica a droga. O homem não se contenta com
soluções que não cheguem à divinização. Mas todos os caminhos oferecidos pela
"serpente" (cfr. Gên 3, 5), isto é, a sabedoria mundana, fracassam. O
único caminho é a identificação com Cristo, realizável na vida sacramental.
Seguir Cristo não é um assunto de moralidade, mas um tema
"mistérico", um conjunto em que intervêm a acção divina e a nossa
resposta.
Neste
tema do seguimento de Cristo, encontra-se o outro centro da cristologia, ao
qual gostaria de aludir: o mistério pascal, a Cruz e a Ressurreição.
Ordinariamente, o tema da Cruz carece de significado nas reconstruções do
"Jesus histórico". Numa interpretação "burguesa",
transforma-se num acidente de per si evitável, sem valor teológico; numa interpretação
revolucionária, converte-se na morte heróica de um rebelde. Mas a verdade é
muito diferente. A Cruz pertence ao mistério divino; é a expressão do seu amor
até o extremo (cfr. Jo 13,1). O seguimento de Cristo é a participação na sua
Cruz, a união com o seu amor, a transformação da nossa vida, que se converte no
nascimento do homem novo, criado segundo Deus (cfr. Ef 4, 24). Quem omite a
Cruz, omite a essência do cristianismo (cfr. 1 Cor 2, 2).
A vida eterna
Um
último elemento central de toda a evangelização verdadeira é a vida eterna.
Hoje, devemos anunciar a nossa fé com nova força na vida diária. Gostaria de
aludir aqui a apenas um aspecto frequentemente esquecido na actual pregação de
Cristo: o anúncio do reino de Deus é o anúncio de Deus presente, de Deus que
nos conhece, que nos ouve; de Deus que entra na História para fazer justiça.
Por isso, essa pregação é anúncio do Juízo, anúncio da nossa responsabilidade.
O homem não pode fazer ou não fazer só o que lhe apetece. Será julgado. Tem de
prestar contas. Essa certeza vale tanto para os poderosos como para os
humildes. Quando é respeitada, traçam-se os limites de todo o poder deste
mundo. Deus faz justiça e, em última análise, apenas Ele pode fazê-la.
Conseguiremos
fazer justiça na medida em que formos capazes de viver na presença de Deus e de
comunicar ao mundo a verdade do Juízo.
Assim
o artigo de fé do Juízo, a sua força para formar as consciências, é um conteúdo
central do Evangelho e é realmente uma boa nova. Uma boa nova para todos os que
sofrem pela injustiça do mundo e pedem justiça. Assim, compreende-se também a conexão
entre o reino de Deus e os pobres, os que sofrem e todos os que vivem as
bem-aventuranças do Sermão da Montanha. Estão protegidos pela certeza do Juízo,
pela certeza de que há justiça.
Este
é o verdadeiro conteúdo do artigo do Credo sobre o Juízo, sobre Deus juiz: há justiça.
As injustiças do mundo não são a última palavra da História. Há justiça. Só quem
não deseja que haja justiça pode opor-se a essa verdade. Se levarmos a sério o Juízo
e a grave responsabilidade que dele brota para nós, compreenderemos bem o outro
aspecto desse anúncio que é a redenção, o feito de que Jesus na cruz assume os
nossos pecados, de que o próprio Deus, na paixão do seu Filho, se torna um
advogado para nós, pecadores, e assim torna possível a penitência, a esperança
ao pecador arrependido, uma esperança expressa de modo admirável nas palavras
de São João: Deus é maior que a nossa consciência e conhece tudo (1 Jo 3, 20).
Diante de Deus, a nossa consciência ficará tranquila, independentemente das
nossas manchas.
A
bondade de Deus é infinita, mas não a devemos reduzir a uma complacência sem verdade.
Apenas acreditando no justo juízo de Deus, apenas tendo fome e sede de justiça
(cfr. Mt 5, 6), abrimos o nosso coração, a nossa vida, à misericórdia divina.
Não é verdade que a fé na vida eterna tira a importância da vida terrena. Pelo
contrário, é só quando a medida da nossa vida é a eternidade que esta nossa
vida na terra se torna grande e de imenso valor. Deus não é um inimigo da nossa
vida, mas a garantia da nossa grandeza.
Voltamos
assim ao ponto de partida: Deus. Se considerarmos bem a mensagem cristã, veremos
que ela não fala de um monte de coisas.
A
mensagem cristã é na verdade muito simples: falamos de Deus e do homem, e assim
dizemos tudo.
(Revisão
da versão portuguesa por ama)