Art.
3 — Se o homem pode amar a Deus sobre todas as coisas, só pelas suas faculdades
naturais, sem o auxílio da graça.
(I,
q. 60, a. 5, IIª-IIªe, q.26, a. 3, II Sent., dist. XXXIX, a. 3, De Virtut., q.
2, a. 2, as 16, q. 4, a. 1, ad 9, Quodl.
I, q. 4, a. 3).
O terceiro discute-se assim. — Parece
que o homem não pode amar a Deus sobre todas as coisas, só pelas suas
faculdades naturais, sem o auxílio da graça.
1. — Pois, amar a Deus sobre todas as
coisas é no que consiste própria e principalmente o acto de caridade. Ora, o
homem não pode ter a caridade por si mesmo, porque, como diz o Apóstolo (Rm 5,
5), a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo,
que nos foi dado. Logo, só pelas suas faculdades naturais, o homem não pode
amar a Deus sobre todas as coisas.
2. Demais. — Nenhuma natureza pode
pretender o que lhe é superior. Ora, amar a Deus mais que a si mesmo é
pretender o que é superior à natureza criada, logo, não pode amar a Deus mais
que a si mesma, sem o auxílio da graça.
3. Demais. — A Deus, que é o sumo bem
é devido o sumo amor, e este consiste em amá-lo sobre todas as coisas. Ora, não
podemos amar a Deus com o sumo amor, que lhe devemos, sem a graça, de
contrário, esta seria dada inutilmente. Logo, o homem não pode, sem a graça, e
só com as suas faculdades naturais, amar a Deus sobre todas as coisas.
Mas, em contrário. — Como certos
ensinam, o primeiro homem foi constituído só com as suas faculdades naturais,
em cujo estado manifestamente amou de algum modo a Deus. Ora, não O amou tanto
quanto a si, ou menos que a si, porque então pecaria. Logo, amou-O mais que a
si. Donde, só pelas suas faculdades naturais o homem pode amar a Deus mais que
a si e sobre todas as coisas.
Como já dissemos na
Primeira Parte (q. 60, a. 5), onde também expusemos as diversas opiniões sobre
o amor natural dos anjos, o homem, no estado da natureza íntegra, podia obrar,
em virtude da sua natureza, o bem que lhe é conatural, sem o acréscimo do dom
da graça, embora, não sem o auxilio da moção divina. Ora, amar a Deus sobre
todas as coisas é conatural ao homem e mesmo a qualquer criatura, não só
racional, mas também irracional e mesmo inanimada, conforme o modo do amor que
convém a cada uma delas. E a razão está em ser natural a todos os seres
desejarem e amarem o que lhes corresponda a natureza, pois, todo ser age conforme
a sua capacidade natural, segundo Aristóteles. Ora, é manifesto que o bem da
parte é para o bem do todo. Donde, por desejo ou amor natural, cada ser ama o
seu bem próprio, por causa do bem comum de todo o universo, que é Deus. Por
isso, Dionísio diz, que Deus atrai todas as coisas ao seu amor. Donde, o homem,
no estado da natureza íntegra, referia não só o amor de si mesmo ao amor de
Deus, como fim, mas também o de tudo o mais. E assim, amava a Deus mais que a
si mesmo e sobre todas as coisas. Mas no estado da natureza corrupta, já não
procede do mesmo modo por causa do apetite da vontade racional, que, por causa
da corrupção da natureza procura o seu bem particular, salvo sendo restaurada
pela graça de Deus. E portanto, devemos dizer, que o homem, no estado de
natureza íntegra, não precisa do dom da graça, acrescentada aos seus dotes
naturais, para amar a Deus naturalmente sobre todas as coisas, embora,
precisasse do auxílio de Deus, para mover-se para esse fim. Mas no estado da
natureza corrupta, precisa, mesmo para isso, do auxílio da graça, que restaura
a natureza.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A caridade ama a Deus sobre todas as coisas de modo mais eminente que a
natureza. Pois, esta ama a Deus sobre todas as coisas enquanto princípio e fim
do bem natural. A caridade porém, enquanto objecto da felicidade, e enquanto o
homem tem uma certa sociedade espiritual com Deus. E também a caridade
acrescenta ao amor natural de Deus uma certa presteza e prazer, assim como
qualquer hábito virtuoso o acrescenta ao acto bom, feito só pela razão natural
do homem, sem o hábito da virtude.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Quando se diz
que nenhuma natureza pode nada do que lhe é superior, não se deve por aí
entender que não possa buscar um objecto que lhe seja superior. Pois, é
manifesto que o nosso intelecto, por conhecimento natural, pode conhecer algumas
coisas que lhe são superiores, como o demonstra o conhecimento natural de Deus.
Mas devemos entendê-lo no sentido de a natureza não poder praticar um acto que
lhe exceda a capacidade das forças. Ora, tal não é o acto de amar a Deus sobre
todas as coisas, natural a toda natureza criada, como já se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Chama-se sumo o
amor, não só quanto ao grau da dilecção, mas também quanto à razão e ao modo de
amar. E sendo assim, o sumo grau do amor é o pelo qual a caridade ama a Deus
como beatificante, conforme já dissemos.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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