Tempo de Natal
Santa Maria Mãe de Deus
Evangelho:
Lc 2, 16-21
16 Foram a toda a
pressa, e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. 17
Vendo isto, conheceram o que lhes tinha sido dito acerca deste Menino. 18
E todos os que ouviram, se admiraram das coisas que os pastores lhes diziam.19
Maria conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração. 20
Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham
ouvido e visto, conforme lhes tinha sido dito. 21 Depois que se
completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, deram-Lhe o nome de
Jesus, como Lhe tinha chamado o anjo, antes que fosse concebido no ventre
materno.
Comentários:
O Rei dos reis recebe a primeira homenagem da
humanidade que vem salvar: uns simples pastores!
Na história da redenção humana nada acontece por acaso;
O que vem para ser o
Pastor por excelência é saudado pelos que têm a mesma missão: conduzir com
segurança as ovelhas cuidando que tenham as melhores pastagens e, sobretudo,
que nenhuma se perca.
(ama,
comentário sobre LC 2 16-21, 2015.01.01)
Leitura espiritual
CARTA
ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO
SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE
O CUIDADO DA CASA COMUM
CAPÍTULO II
O
EVANGELHO DA CRIAÇÃO
2. A sabedoria das narrações bíblicas - 2
69. Ao mesmo tempo que podemos fazer um
uso responsável das coisas, somos chamados a reconhecer que os outros seres
vivos têm um valor próprio diante de Deus e, «pelo simples facto de existirem,
eles O bendizem e Lhe dão glória»[i],
porque «o Senhor Se alegra em suas obras» [ii].
Precisamente pela sua dignidade única e
por ser dotado de inteligência, o ser humano é chamado a respeitar a criação
com as suas leis internas, já que «o Senhor fundou a terra com sabedoria» [iii].
Hoje, a Igreja não diz, de forma
simplicista, que as outras criaturas estão totalmente subordinadas ao bem do
ser humano, como se não tivessem um valor em si mesmas e fosse possível dispor
delas à nossa vontade; mas ensina – como fizeram os bispos da Alemanha – que,
nas outras criaturas, «se poderia falar da prioridade do ser sobre o ser
úteis».[iv]
O Catecismo põe em questão, de forma muito
directa e insistente, um antropocentrismo desordenado:
«Cada criatura possui a sua bondade e
perfeição próprias. (...) As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio
ser, reflectem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade
infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de
cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas».[v]
70. Na narração de Caim e Abel, vemos que
a inveja levou Caim a cometer a injustiça extrema contra o seu irmão.
Isto, por sua vez, provocou uma ruptura da
relação entre Caim e Deus e entre Caim e a terra, da qual foi exilado.
Esta passagem aparece sintetizada no
dramático colóquio de Deus com Caim.
Deus pergunta:
«Onde
está o teu irmão Abel?»
Caim responde que não sabe, e Deus insiste
com ele:
«Que
fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim. De futuro, serás
amaldiçoado pela terra (…). Serás
vagabundo e fugitivo sobre a terra» [vi].
O descuido no compromisso de cultivar e
manter um correcto relacionamento com o próximo, relativamente a quem sou
devedor da minha solicitude e custódia, destrói o relacionamento interior
comigo mesmo, com os outros, com Deus e com a terra.
Quando todas estas relações são
negligenciadas, quando a justiça deixa de habitar na terra, a Bíblia diz-nos
que toda a vida está em perigo.
Assim no-lo ensina a narração de Noé,
quando Deus ameaça acabar com a humanidade pela sua persistente incapacidade de
viver à altura das exigências da justiça e da paz:
«O fim de toda a humanidade chegou diante
de Mim, pois ela encheu a terra de violência» [vii].
Nestas narrações tão antigas, ricas de
profundo simbolismo, já estava contida a convicção actual de que tudo está
inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas
relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da
fidelidade aos outros.
71. Embora Deus reconhecesse que «a maldade
dos homens era grande na terra» [viii],
«arrependendo-Se de ter criado o homem sobre a terra» [ix],
Ele decidiu abrir um caminho de salvação através de Noé, que ainda se mantinha
íntegro e justo.
Assim deu à humanidade a possibilidade de
um novo início. Basta um homem bom para haver esperança!
A tradição bíblica estabelece claramente
que esta reabilitação implica a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos
na natureza pela mão do Criador. Isto está patente, por exemplo, na lei do
Shabbath.
No sétimo dia, Deus descansou de todas as
suas obras. Deus ordenou a Israel que cada sétimo dia devia ser celebrado como
um dia de descanso, um Shabbath [x].
Além disso, de sete em sete anos,
instaurou-se também um ano sabático para Israel e a sua terra [xi],
durante o qual se dava descanso completo à terra, não se semeava e só se colhia
o indispensável para sobreviver e oferecer hospitalidade [xii].
Por fim, passadas sete semanas de anos, ou
seja quarenta e nove anos, celebrava-se o jubileu, um ano de perdão universal,
«proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam» [xiii].
O desenvolvimento desta legislação
procurou assegurar o equilíbrio e a equidade nas relações do ser humano com os
outros e com a terra onde vivia e trabalhava.
Mas, ao mesmo tempo, era um reconhecimento
de que a dádiva da terra com os seus frutos pertence a todo o povo.
Aqueles que cultivavam e guardavam o
território deviam partilhar os seus frutos, especialmente com os pobres, as
viúvas, os órfãos e os estrangeiros:
«Quando procederes à ceifa das vossas
terras, não ceifarás as espigas até à extremidade do campo, e não apanharás as
espigas caídas. Não rebuscarás também a tua vinha, e não apanharás os bagos caídos.
Deixá-los-ás para o pobre e para o estrangeiro» [xiv].
72. Os Salmos convidam, frequentemente, o
ser humano a louvar a Deus criador:
«Estendeu a terra sobre as águas, porque o
seu amor é eterno» [xv].
E convidam também as outras criaturas a louvá-Lo:
«Louvai-O, sol e lua; louvai-O, estrelas
luminosas! Louvai-O, alturas dos céus e águas que estais acima dos céus! Louvem
todos o nome do Senhor, porque Ele deu uma ordem e tudo foi criado» [xvi].
Existimos não só pelo poder de Deus, mas
também na sua presença e companhia.
Por isso O adoramos.
73. Os escritos dos profetas convidam a
recuperar forças, nos momentos difíceis, contemplando a Deus poderoso que criou
o universo.
O poder infinito de Deus não nos leva a
escapar da sua ternura paterna, porque n’Ele se conjugam o carinho e a força.
Na verdade, toda a sã espiritualidade
implica simultaneamente acolher o amor divino e adorar, com confiança, o Senhor
pelo seu poder infinito.
Na Bíblia, o Deus que liberta e salva é o
mesmo que criou o universo, e estes dois modos de agir divino estão íntima e
inseparavelmente ligados:
«Ah! Senhor Deus, foste Tu que fizeste o
céu e a terra com o teu grande poder e o teu braço estendido! Para Ti, nada é
impossível! (...) Tu fizeste sair do Egipto o teu povo, Israel, com prodígios e
milagres» [xvii]. «O Senhor é um Deus
eterno, que criou os confins da terra. Não se cansa nem perde as forças. É
insondável a sua sabedoria. Ele dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco» [xviii].
74. A experiência do cativeiro em
Babilónia gerou uma crise espiritual que levou a um aprofundamento da fé em
Deus, explicitando a sua omnipotência criadora, para animar o povo a recuperar
a esperança no meio da sua situação infeliz.
Séculos mais tarde, noutro momento de
prova e perseguição, quando o Império Romano procurou impor um domínio
absoluto, os fiéis voltaram a encontrar consolação e esperança aumentando a sua
confiança em Deus omnipotente, e cantavam:
«Grandes e admiráveis são as tuas obras,
Senhor Deus todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos!» [xix].
Se Deus pôde criar o universo a partir do
nada, também pode intervir neste mundo e vencer qualquer forma de mal.
Por isso, a injustiça não é invencível.
75. Não podemos defender uma
espiritualidade que esqueça Deus todo-poderoso e criador.
Neste caso, acabaríamos por adorar outros
poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do Senhor chegando à pretensão
de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele.
A melhor maneira de colocar o ser humano
no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é
voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário,
o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e
interesses.
3.
O mistério do universo
76. Na tradição judaico-cristã dizer
«criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projecto do
amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado.
A natureza entende-se habitualmente como
um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber
como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade
iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal.
77. «A palavra do Senhor criou os céus» [xx].
Deste modo indica-se que o mundo procede,
não do caos nem do acaso, mas duma decisão, o que o exalta ainda mais.
Há uma opção livre, expressa na palavra
criadora.
O universo não apareceu como resultado
duma omnipotência arbitrária, duma demonstração de força ou dum desejo de
auto-afirmação. A criação pertence à ordem do amor.
O amor de Deus é a razão fundamental de
toda a criação:
«Tu amas tudo quanto existe e não detestas
nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado» [xxi].
Então cada criatura é objecto da ternura
do Pai que lhe atribui um lugar no mundo.
Até a vida efémera do ser mais
insignificante é objecto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência,
Ele envolve-o com o seu carinho.
Dizia São Basílio Magno que o Criador é
também «a bondade sem cálculos»,[xxii]
e Dante Alighieri falava do «amor que move o sol e as outras estrelas».[xxiii]
Por isso, das obras criadas pode-se subir «à sua amorosa misericórdia».[xxiv]
(cont)
[i] Catecismo da Igreja Católica, 2416.
[iv] Conferência Episcopal Alemã, Zukunft der Schöpfung –
Zukunft der Menschheit. Erklärung der Deutschen Bischofskonferenz zu Fragen der
Umwelt und der Energieversorgung (1980), II, 2.
[v] Catecismo da Igreja Católica, 339.
[x] cf. Gn 2, 2-3; Ex 16, 23; 20, 10
[xxii] Hom. in Hexaemeron, 1, 2, 10: PG 29, 9.
[xxiii] Divina Commedia. Paradiso, Canto XXXIII, 145.