Tempo comum XXIV Semana
São Roberto Belarmino – Doutor da Igreja
Evangelho:
Lc 7, 31-35
«A quem, pois, compararei os homens
desta geração? A quem são semelhantes? Assemelham-se a crianças que, sentadas
na praça, se interpelam umas às outras, dizendo: 'Tocámos flauta para vós, e
não dançastes! Entoámos lamentações, e não chorastes!' Veio João Baptista, que
não come pão nem bebe vinho, e dizeis: 'Está possesso do demónio!' Veio o Filho
do Homem, que come e bebe, e dizeis: 'Aí está um glutão e bebedor de vinho,
amigo de cobradores de impostos e de pecadores!' Mas a sabedoria foi
justificada por todos os seus filhos.»
Comentário:
As palavras de Jesus Cristo são duras
e muito directas. Refere a geração dos judeus que é a Sua, do Seu tempo.
Não pode haver duas interpretações e,
de facto, a história parece confirmar esse comportamento dos judeus em relação
a Jesus Cristo.
Todos? Não, evidentemente. Durante
séculos o povo judaico carregou esse ónus e sofreu horrivelmente por causa
disso mesmo, mas, no Século Vinte, São
João Paulo II pôs as coisas no seu devido lugar.
Mas, mais que isso, temos de
considerar o que muitos fizeram em nome da Fé Cristã: exactamente o mesmo ou,
talvez, pior!
Aliás, o que continuamos a fazer,
diariamente, nos tempos que correm, quando julgamos, sem critério que não temos
ou sequer direito que não possuímos, que os outros – sejam quem forem – é que
são os culpados das nossas próprias faltas e erros.
(ama, comentário sobre Lc 7, 31-35, V.
Moura, 2013.09.13)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A
DOUTRINA DA FÉ
DECLARAÇÃO PARA
SALVAGUARDAR DE ALGUNS ERROS RECENTES
A FÉ NOS MISTÉRIOS DA
ENCARNAÇÃO E DA SANTÍSSIMA TRINDADE *
1. É
necessário que o mistério do Filho de Deus feito homem e o mistério da
Santíssima Trindade, que fazem parte das verdades principais da Revelação,
iluminem, com a pureza da sua verdade, a vida dos cristãos. Mas, como estes
mistérios foram impugnados por alguns erros recentes, a Sagrada Congregação
para a Doutrina da Fé tomou a decisão de recordar e salvaguardar a fé,
transmitida sobre estes mesmos mistérios.
2. A fé católica no Filho de Deus feito homem.
Jesus Cristo, durante a Sua vida terrestre, manifestou, de diversos modos, com
as palavras e com as obras, o mistério adorável da Sua pessoa. Depois de se ter
tornado «obediente até à morte» [1], foi exaltado pelo poder de Deus, na
ressurreição gloriosa, como convinha ao Filho «por meio do qual tudo» [2] foi
criado pelo Pai. São João afirmou solenemente a seu respeito: «No princípio já
existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... E o Verbo
fez-se homem» [3].
A Igreja conservou sempre, santamente, a fé no
mistério do Filho de Deus feito homem, transmitindo-a «no decurso dos anos e
dos séculos» [4], com uma linguagem cada vez mais explícita. Com efeito, no
Sínodo de Constantinopla, que até hoje é recitado na celebração eucarística,
ela professa a sua fé «em Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai
antes de todos os séculos... Deus verdadeiro de Deus verdadeiro... da mesma
substância do Pai... que por nós, homens, e pela nossa salvação... se fez
homem» [5]. O Concílio de Calcedónia decretou que se devia crer que o Filho de Deus
foi gerado pelo Pai, segundo a Sua divindade, antes de todos os séculos e nasceu,
no tempo, de Maria Virgem, segundo a Sua humanidade [6]. Além disso, este mesmo
Concílio atribuiu o termo pessoa ou hypostasis ao único e mesmo Cristo, Filho
de Deus, usando, porém, o termo natureza para designar a Sua divindade e a Sua
humanidade. Com estas palavras, ensinou que estão unidas, na única pessoa do
nosso Redentor, as duas naturezas, divina e humana, sem confusão e sem mudança,
sem divisão e sem separação [7]. Do mesmo modo, o IV Concílio de Latrão ensinou
que se deve crer e professar que o Filho Unigénito de Deus, eterno como o Pai,
se tornou verdadeiro homem e é uma só pessoa em duas naturezas [8]. Esta é a fé
católica que o II Concílio do Vaticano, de acordo com a Tradição constante de
toda a Igreja, ensinou, recentemente, com muita clareza, em numerosas passagens
dos seus documentos [9].
3. Alguns erros recentes sobre a fé no Filho de
Deus feito homem.
São claramente opostas a esta fé as opiniões
segundo as quais não nos foi revelado e nem se sabe que o Filho de Deus
subsiste ab aeterno, no mistério de Deus, distinto do Pai e do Espírito Santo;
e também as opiniões segundo as quais não tem sentido a afirmação de que Jesus
Cristo tem uma só pessoa, gerada, antes dos séculos, pelo Pai, segundo a
natureza divina, e, no tempo, de Maria Virgem, segundo a natureza humana; e,
por fim, a asserção segundo a qual a humanidade de Jesus Cristo existe não como
assumida na pessoa eterna do Filho de Deus, mas em si mesma, como pessoa
humana, e, por conseguinte, o mistério de Jesus Cristo consiste no facto de
Deus se revelar presente de um modo supremo na pessoa humana de Jesus.
Aqueles que pensam assim estão longe da
verdadeira fé em Cristo, mesmo quando asserem que a singular presença de Deus
em Jesus faz com que Ele seja a expressão suprema e definitiva da revelação
divina, e não recuperam a verdadeira fé na divindade de Cristo, quando
acrescentam que Jesus pode ser chamado Deus, porque Deus está sumamente
presente naquela pessoa a que eles chamam a Sua pessoa humana.
4. A fé católica na Santíssima Trindade e no
Espírito Santo.
Quando se nega o mistério da pessoa divina e
eterna de Cristo, Filho de Deus, também se negam a verdade da Santíssima
Trindade e, com ela, a verdade do Espírito Santo, que procede ab aeterno do Pai
e do Filho, ou, por outras palavras, do Pai pelo Filho [10]. Por isso,
considerando os erros recentes sobre esta doutrina, devem ser recordadas
algumas verdades de fé na Santíssima Trindade e, particularmente, no Espírito
Santo.
A segunda Carta aos Coríntios termina com esta
admirável fórmula: «A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a
comunicação do Espírito Santo sejam com todos vós» [11]. No mandato de
baptizar, referido pelo Evangelho de São Mateus, são nomeados o Pai, o Filho e
o Espírito Santo, como três que fazem parte do mistério de Deus e em cujo nome
os novos fiéis devem ser regenerados [12]. Por fim, no Evangelho de São João,
Jesus fala da vinda do Espírito Santo, deste modo: «Mas, quando vier o
Consolador, que hei-de enviar-vos da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que
procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim» [13].
Baseando-se nos dados da divina revelação, o
Magistério da Igreja, o único que recebeu «a missão de interpretar autenticamente
a palavra de Deus escrita ou transmitida» [14], professou, no Símbolo de Constantinopla,
a sua fé «no Espírito Santo que é Senhor e dá a vida... e com o Pai e o Filho é
adorado e glorificado» [15]. Igualmente, o IV Concílio de Latrão ensinou a crer
e a professar «que um só é o verdadeiro Deus,... Pai e Filho e Espírito Santo:
três pessoas, mas uma única essência...: o Pai que não procede de ninguém, o
Filho que procede sòmente do Pai, e o Espírito Santo que procede igualmente de
ambos, sempre sem início e sem fim» [16].
5. Alguns erros recentes sobre a Santíssima
Trindade e, particularmente, sobre o Espírito Santo.
É contrária à fé a opinião segundo a qual a
revelação nos deixa em dúvida sobre a eternidade da Santíssima Trindade e,
particularmente, sobre a existência eterna do Espírito Santo, como pessoa
distinta, em Deus, do Pai e do Filho. É verdade que o mistério da Santíssima
Trindade nos foi revelado na economia da salvação, principalmente em Cristo,
que foi enviado ao mundo pelo Pai e que, juntamente com o Pai, envia ao Povo de
Deus o Espírito que vivifica. Mas, por meio desta revelação, foi dada aos fiéis
também a possibilidade de conhecer de algum modo a vida íntima de Deus, na qual
«o Pai que gera, o Filho que é gerado e o Espírito Santo que procede» são «da
mesma substância, iguais, do mesmo modo omnipotentes e eternos» [17].
6. Os mistérios da Encarnação e da Santíssima
Trindade devem ser fielmente conservados e explicados.
O que é expresso nos documentos conciliares acima
citados, sobre o único e mesmo Cristo Filho de Deus, gerado, antes dos séculos,
segundo a natureza divina, e, no tempo, segundo a natureza humana, e sobre as
pessoas eternas da Santíssima Trindade, pertence à verdade imutável da fé
católica.
Isto não impede, certamente, que a Igreja
considere como seu dever, levando também em consideração os novos modos de
pensar dos homens, não deixar de envidar os seus esforços, a fim de que os
mencionados mistérios sejam aprofundados, por meio da contemplação da fé e da
investigação dos teólogos, e mais amplamente explicados, de um modo adequado.
Mas, quando se cumpre a necessária tarefa de investigar, é preciso evitar
diligentemente que estes mistérios arcanos sejam considerados num sentido
diverso daquele segundo o qual «a Igreja os entendeu e entende» [18].
A verdade intacta destes mistérios é de suma
importância para toda a revelação de Cristo, porque eles de tal modo fazem
parte do seu núcleo, que, se forem alterados, também será falsificado o resto
do tesouro da fé. A verdade destes mesmos mistérios é igualmente importante
para a vida cristã, porque nada manifesta tão bem a caridade de Deus, da qual
toda a vida dos cristãos deve ser uma resposta, como a Encarnação do Filho de
Deus, nosso Redentor [19], e também porque «(aprouve a Deus, na Sua bondade e
sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério da Sua vontade),
por meio do qual os homens, através de Cristo, Verbo Encarnado, têm acesso ao
Pai no Espírito Santo e n’Ele se tornam participantes da natureza divina» [20].
7. Portanto, com respeito às verdades que a
presente Declaração defende, é dever dos Pastores da Igreja exigir a unidade na
profissão de fé, do seu povo e, principalmente, daqueles que, em virtude do
mandato que lhes foi confiado pelo Magistério, ensinam as ciências sagradas ou
pregam a palavra de Deus.
Este dever dos Bispos faz parte do múnus que,
divinamente, lhes foi confiado: de «conservar puro e íntegro o depósito da fé»,
em comunhão com o sucessor de Pedro, e de «anunciar incessantemente o
Evangelho» [21]. Por causa do mencionado múnus, são obrigados a não permitir
que os ministros da palavra de Deus se afastem da sã doutrina e a transmitam
corrompida ou incompleta [22]. Com efeito, o povo confiado aos cuidados dos
Bispos, e «do qual» eles «são responsáveis diante de Deus» [23], goza do
«direito irrevogável e sagrado» de «receber a palavra de Deus, toda a palavra
de Deus, da qual a Igreja nunca deixou de adquirir uma compreensão cada vez
mais profunda» [24].
Além disso, os cristãos, e, principalmente, os
teólogos, por causa do seu importante ofício e do seu necessário serviço na
Igreja, devem professar fielmente os mistérios que são recordados na presente
Declaração. Igualmente, sob a acção e a luz do Espírito Santo, os filhos da Igreja
devem aceitar toda a doutrina da Igreja, sob a guia dos seus Pastores e do
Pastor da Igreja universal [25], de modo que haja «uma singular colaboração de
Pastores e fiéis, na conservação, no exercício e na profissão da fé recebida»
[26].
O Sumo Pontífice, por divina Providência Papa
Paulo VI, na Audiência concedida, no dia 21 de Fevereiro de 1972, ao subscrito
Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, ratificou e confirmou
esta Declaração, que visa a salvaguardar a fé nos mistérios da Encarnação e da
Santíssima Trindade, e ordenou que fosse publicada.
Roma, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé,
21 de Fevereiro de 1972, festa de São Pedro Damião.
Franjo Cardeal Šeper
Prefeito
Paul PHILIPPE
Arcebispo titular de Heracleopolis magna
Secretário
* L’Osservatore Romano, Edição semanal, 19 de Março de 1972, pág. 3. 9
(AAS 64 [1972], 237-241).
_____________________________________
Notas:
[1] Flp. 2, 8.
[2] 1 Cor. 8, 6.
[3] Jo. 1, 1 e 14 (cfr. 1, 18).
[4] I Concílio do Vaticano, Dei Filius, c. 4; DS 3020.
[5] Missal Romano; DS 150.
[6] Cfr. Concílio de Calcedónia, Definição; DS 301.
[7] Cfr. Ibid., 302.
[8] Cfr. IV Concílio de Latrão, Firmiter Credimus; DS 800 s.
[9] Cfr. II Concílio do Vaticano, Lumen Gentium, nn. 3, 7, 52, 53; Dei
Verbum, nn. 2, 3; Gaudium et Spes, n. 22; Unitatis Redintegratio, n. 12;
Christus Dominus, n. 1; Ad Gentes, n. 3; Paulo VI, Solene profissão de fé, em:
AAS 60 (1968) 437.
[10]) Cfr. Concílio de Florenja, Laetentur Coeli; DS 1300.
[11] 2 Cor. 13, 13.
[12] Cfr. Mt. 28, 19.
[13] Jo. 15, 26.
[14] II Concílio do Vaticano, Dei Verbum, n. 10.
[15] Missal Romano; DS 150.
[16] IV Concílio de Latrão, Firmiter Credimus; DS 800.
[17] Ibid.
[18] I Concílio do Vaticano, Dei Filius, c. 4, can. 3; DS 3043; João
XXIII, Alocução na abertura do II Concílio do Vaticano, em: AAS 54 (1962) 792;
II Concílio do Vaticano, Gaudium et Spes, n. 62; Paulo VI, Solene profissão de
fé, 4, em: AAS 60 (1968) 434.
[19] Cfr. 1 Jo. 4, 9s.
[20] II Concílio do Vaticano, Dei Verbum, n. 2; cfr. Ef. 2, 18; 2 Ped.
1, 4.
[21] PAULO VI, Exortação Apostólica Quinque iam anni, em: AAS 68
(1971) 99, e em: O.R. ed. port., 10 de Janeiro de 1971, p. 9.
[22] Cfr. 2 Tim., 4, 1-5; Paulo VI, ibid.; Sínodo dos Bispos,
Assembleia de 1967, Relatório da Comissão Sinodal constituída para o exame das
opiniões perigosas e do ateísmo, II, 3, e em: O.R. 30-31 de Outubro de 1967, p.
3.
[23] Paulo VI, ibid.
[24] Ibid.
[25] Cfr. II Concílio do Vaticano, Lumen Gentium, nn. 12 e 25; Sínodo
dos Bispos, Assembleia de 1967, ibid., II, 4.
[1] II Concílio do Vaticano, Dei Verbum, n. 10.