Há
um rasto de mal nas pessoas, nas estruturas sociais, inclusive na natureza
quando se torna inóspita para o homem. A questão do mal é um escândalo que a
todos interpela. E tem um aspecto teológico: se Deus é bom, como é que permite
o mal no mundo? A questão colocou-se na história de muitas formas. Com o motivo
do terramoto de Lisboa, seguido de um incêndio com mais de quinze mil mortos,
os pensadores ilustrados colocaram-se com dramatismo singular (Voltaire,
Defoe), ainda que com profundidade insuficiente.
Ninguém
prometeu que este mundo tenha que funcionar na perfeição. E a felicidade é um
desejo espontâneo, mas só com tal não se adquire o direito de a ter. Também há
que dizer que se o bem não existisse, não haveria problema com o mal. Todas as
situações seriam teoricamente iguais, nem melhores nem piores. Na realidade, a
dor ante o mal é uma reprovação do bem, que não é tão perfeito como se
esperava. Tomar o mal a sério é afirmar a existência do bem, e a ilusão de que
seja perfeito. Dar por garantida a primazia do bem sobre o mal é, de certo
modo, afirmar a existência de Deus e uma dolorosa queixa, ao não poder
compreender porque permite o mal e que sentido pode ter.
O
problema é mais dramático quando se afirma que existe um Deus bom, criador e
todo-poderoso. Então sim o mal torna-se doloroso. Não se entende o silêncio de
Deus ante uma injustiça que, como dissemos, clama ao céu. Só no ambiente
cristão (também, parcialmente no judeu e no muçulmano), a questão do mal se torna
poderosa e chega verdadeiramente a ser um escândalo.
O
problema não é tão forte noutras religiões. A religião greco-romana, por
exemplo, acreditava numa mitologia complexa, onde os deuses se enfrentavam
caprichosamente uns com os outros. E, com o mesmo capricho, faziam sofrer os
mortais. Perante uns deuses tão frívolos, não se podia levar muito a sério a
questão do mal.
Mas
a religião cristã baseia-se no paradoxo surpreendente de um Deus morto na cruz,
que participa das dores dos homens. O mal da dor tem de ter algum sentido. E
quando se sente o silêncio de Deus, parece ouvir-se as palavras de Cristo: “Meu Deus, porque me abandonaste?” É como
se todas as dores aí estivessem incluídas. È curioso. Cristo não venceu
directamente a dor. Primeiro padeceu-a; depois ressuscitou. Na ressurreição de
Cristo há uma promessa de derrota do mal, mas o seu cumprimento só chegará no
final dos tempos. Entretanto, toda a dor encontra essa relação inesperada de
relação com a cruz de Cristo. Todo o sofrimento tem o seu ponto de referência,
que lhe dá um sentido salvador, ainda que todavia envolto no mistério.
Perante
o mal, não faz sentido um farisaísmo reivindicativo de deite sempre a culpa aos
outros. Qualquer um também forma parte do mal no mundo. Ninguém está limpo de
pecado. É maniqueísmo pensar que a culpa de tudo é dos “maus”. E torna-se uma
desculpa demasiado fácil. Alexander Solzhenitzin, ao recordar a situação
terrível da sociedade comunista russa, reconhecia: em alguma medida “todos somos cúmplices”. Por isso não é
válida nenhuma resposta perante o mal se não começa por si mesmo, se não se
assume a sentença de Sócrates: é melhor
padecer a injustiça que causá-la”.
O
encontro com o mal é, além disso, uma experiência importante para a maturidade
do ser humano, Com a consciência da quebras e debilidades morais próprias
aprendemos a arrepender-nos, e tornamo-nos mais humildes e compreensivos para
com os outros. Por outro lado, os males do mundo fazem parte forma parte de uma
pessoa responsável. É próprio de pessoas maduras escutar a chamada dos bens,
para os realizar; mas também dos males, para os combater. Assim se intervém na
história do mundo, que tem, no fundo, um argumento moral. Enquanto se vive
dependente dos gostos próprios ou da felicidade própria, se vive fora da
história real da humanidade. Só quando se sente a responsabilidade do bem e do
mal, se entra a fazer parte na história da humanidade, na sua épica.
(juan luis
lorda, Professor de Teologia sistemática e
Antropologia da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, in PALABRA,
Abril 2014, trad ama)
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