Caríssimos irmãos!
“São rosas, Senhor!”
Expressão carinhosa, saída dos lábios de um povo devoto, que encerra em si os
traços da vida da Rainha Santa Isabel. “Levava pão aos pobres!”, continua a
piedosa tradição que atravessou as gerações e chegou até nós, devotos, conimbricenses
e portugueses.
Três palavras bastam para
falar de uma pessoa: pobres, pão e rosas.
Em primeiro lugar, os
pobres, que são a pessoa humana com quem nos cruzamos na vida, nas reais e
concretas situações de interlocutoras de um diálogo que faz parte intrínseca da
nossa condição. O Evangelho chamou-lhe o “próximo”, sem qualquer outra
classificação, como todo aquele que está ao nosso lado, diante de nós, e é
pessoa humana como nós. Pelo simples facto de existir connosco, na fragilidade
que nos caracteriza, é nosso interlocutor no diálogo e na relação.
Não podemos viver sem este
sentido da presença dos outros ao nosso lado, na sua condição de
pobres/próximo, de pessoas abertas ao diálogo e à relação. Também não podemos
viver se não nos assumimos nós mesmos como pobres/próximo, numa atitude de
abertura aos outros, que se transforma em solidariedade, cooperação, amizade,
partilha e amor.
Os pobres foram os
prediletos da Rainha Santa Isabel, ciente do valor de cada pessoa humana por si
mesma, independentemente da sua condição. Deixou-nos aberto o caminho para o
respeito pela dignidade de toda a pessoa em todas as circunstâncias ou fases da
sua vida.
Em segundo lugar, o pão. Na
relação entre as pessoas dá-se sempre a circulação de bens. E os mais
definitivos e importantes não são os bens materiais, que se recebem e se dão. A
circulação da vida, que é dom que se dá e se recebe, dos sentimentos, condição
de existência e equilíbrio, a companhia, que afasta a solidão dos momentos
negativos e dá outro sabor aos momentos de alegria e de felicidade, são também
pão o espírito.
O pão é a expressão real e
prática da realidade da vida, que inclui o trabalho, a economia, os direitos e
deveres, os meios necessários ao sustento material. A circulação dos bens, numa
economia de comunhão, num mundo onde os recursos existentes são para todos,
onde os mais pobres têm a sua parte, por direito e por justiça, é um valor dos
mais elementares, no respeito pela vontade do Criador, que deu a terra a todos
os homens.
É urgente contrariar um
espírito de egoísmo que se instalou em nós, nas nossas famílias, na sociedade,
onde se prescinde dos outros, por vezes, se foge dos outros, em nome da
preservação de uma privacidade, que se torna um doentio individualismo.
Quando se não partilha o que
se tem, também se não partilha o que se é e constroem-se castelos de egoísmo,
que se tornam castelos de solidão. Fica-se privado de humanidade.
A Rainha Santa Isabel não
fugiu a nada do que ocupa e preocupa a sociedade: da economia à política, das
relações familiares às relações entre os povos, da guerra à paz. Deixou-nos
aberta a porta para a inserção nas realidades seculares, onde se joga o
desenvolvimento, o progresso e a paz. Introduziu-nos na procura dos critérios
da justiça e da caridade como caminho.
Em terceiro lugar, as rosas.
São expressão da beleza do Criador e da beleza da criação. Na tradição relativa
à Rainha Santa, são a expressão de um coração grande e bom, que abraça a todos
e tem em conta todos os seus problemas e anseios, sobretudo de amor e de paz.
Faz-nos muita falta a
capacidade de ter tempo para contemplar a grandeza da vida, o coração dos
outros visto como positivo e bom, faz-nos falta respirar o perfume das rosas
exalado das ações das pessoas, faz-nos falta ver o lado bom do mundo e da vida.
A Rainha Santa Isabel
ensina-nos ainda hoje a elevar os olhos para os ideais mais sublimes, para os
valores ternos, no meio da agitação, do relativismo e do ativismo desenfreado
em que nos movemos. A retirada para o “convento”, para o “templo”, no silêncio
da vida é caminho para a paz do coração e a paz de Deus.
A palavra de Deus, que
escutámos, centrava-nos na realidade da vida aberta aos outros enquanto
condição de realização pessoal e, ao mesmo tempo, de construção da felicidade
humana. O Evangelho traçava uma linha divisória entre os que vêm nos outros um
próximo a amar em todas as circunstâncias e os que os ignoram, esquecem e
desprezam.
Há quem continue a pensar
que o cristianismo é uma religião centrada no além, na vida eterna e na
salvação da alma depois da morte. Poderão ter lido muitas páginas da Escritura,
mas não leram, com certeza, este texto do Evangelho de São Mateus. Este diz-nos
com clareza, que é sobre esta terra, num empenhamento muito direto em todas as
estruturas humanas, que se decide o que somos, o nosso presente e o nosso
futuro.
É na atenção aos pobres/ao
próximo, na capacidade de relação, que inclui tudo, desde os aspetos mais
elevados e espirituais aos mais quotidianos e materiais, que se constrói e se
define a qualidade humana de uma pessoa e a autenticidade da sua fé –
realidades intrinsecamente ligadas entre si.
A grande novidade moral do
Evangelho de Jesus Cristo encontra-se precisamente nesta identificação do amor
a Deus e do amor ao homem, que são um único amor: “Quantas vezes o fizestes a
um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes”. Não há uma dicotomia
perniciosa entre o amor a Deus e o amor ao próximo, como se fossem concorrentes
um do outro, nem uma leitura espiritualista e desencarnada da salvação – seria
uma negação da fé na encarnação do Verbo de Deus. O Evangelho proclama a
certeza de que a fé cristã é portadora de um dinamismo extraordinário em ordem
à edificação da cidade dos homens, da cidade terrena, aberta à plenitude da cidade
celeste.
A Leitura da Primeira
Epístola de São João fundamentava a origem do amor em Deus. Para os cristãos, a
manifestação do amor é Jesus Cristo, Deus e Homem, modelo e fonte donde brota a
nossa capacidade e forma de amar.
“Nisto conhecemos o amor:
Ele deu a sua vida por nós e nós devemos também dar a vida pelos nossos
irmãos”. Os milénios de progresso não puderam fornecer-nos outro modelo nem
outra forma de amar mais válidos. Compreenderam-no os santos, Isabel de
Portugal e muitos outros que ficaram na nossa história como memória viva da
possibilidade acessível a todos de empreender caminhos novos, pautados por
critérios e valores que não morrem.
A Rainha Santa Isabel
constitui um grande emblema de Coimbra e de Portugal. Figura de mulher, esposa
e mãe de família, cristã com “obras e em verdade”, qual “mulher que teme o
Senhor” e entre nós é louvada. “Abre as mãos aos pobres e estende os braços ao indigente”, deixa
atrás o perfume das rosas, próprio de um coração do tamanho do mundo, citando o
livro dos Provérbios
A vida da Rainha Santa é um
acontecimento ímpar que importa celebrar, porque é a consagração da pessoa
humana repleta dos maiores e mais belos sentimentos, que somente a palavra amor
pode encerrar.
No tempo em que vivemos e na
sociedade que formamos, há uma necessidade imperiosa de homens e mulheres que
encarnem esta novidade da sua vida evangélica. Faltam-nos ícones de amor e esta
falta constitui o grande problema da humanidade, do qual nascem todos os outros
problemas que, com razão, afligem o nosso mundo e o deixam sem alegria nem
esperança.
A um mundo que progrediu
visivelmente no conhecimento e que oferece possibilidades sem fim, falta a
fibra dos santos, cheios de humanidade e cheios de Deus, mas bem imersos no
mundo, porventura com as mãos sujas nas causas mais prementes ou com o nome
posto em causa nas colunas do politicamente correto. A um mundo laico nas suas
convicções e de horizontes materialistas, falta o testemunho vibrante da fé em
Jesus Cristo, manifestada na defesa da justiça social e no reforço da
solidariedade e da fraternidade.
Por intercessão da Rainha Santa
Isabel, peçamos ao Senhor que faça de nós os santos de hoje, de mãos abertas e
santas como a sua, a distribuir aos pobres da cidade, o pão e as rosas.
Coimbra, 4 de julho de 2012
D. Virgílio do Nascimento Antunes,
bispo de Coimbra