Evangelho: Mt 11 28-30
28
O «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29
Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de
coração, e achareis descanso para as vossas almas. 30 Porque o Meu
jugo é suave, e o Meu fardo leve».
Comentário:
Quantos homens
e mulheres não experimentaram já a verdade destas afirmações de Jesus.
Quando tudo
parece ruir à nossa volta, os problemas parecem não ter solução, a alma se
confrange e um estranho nó aperta a garganta com um simples elevar a Deus o
pensamento: Senhor, ajuda-me! tudo se resolve, a tranquilidade e a paz de
espírito voltam e podemos seguir em frente com ânimo e determinação renovados.
(ama,
comentário sobre Mt 11 25-30 2014.11.02)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 30 a 38
30
Recordem
a parábola dos talentos. Aquele servo que só recebeu um podia - como os
companheiros - empregá-lo bem, procurar que rendesse, usando as suas
qualidades. E que decide? Tem medo de o perder. E está certo. Mas, e depois?
Enterra-o! E acaba por não dar fruto.
Não
esqueçamos este caso de temor doentio de aproveitar honradamente a capacidade
de trabalho, a inteligência, a vontade, o homem todo. Enterro-o - parece
afirmar esse desgraçado -, mas a minha liberdade fica a salvo! Não. A liberdade
inclinou-se para uma coisa muito concreta, para a mais pobre e árida secura.
Optou, porque não tinha outro remédio senão escolher; mas escolheu mal.
Nada
mais falso do que opor a liberdade à entrega, porque a entrega surge como
consequência da liberdade. Reparem que, quando uma mãe se sacrifica por amor
aos filhos, escolheu; e, segundo a medida desse amor, assim se manifestará a
sua liberdade. Se esse amor é grande, a liberdade será fecunda e o bem dos
filhos nasce dessa bendita liberdade, que pressupõe entrega, e nasce dessa
bendita entrega, que é precisamente liberdade.
31
Mas,
perguntar-me-ão, quando conseguimos o que amamos com toda a alma, já não
continuamos a procurá-lo. Desapareceu a liberdade? Garanto-vos que então é mais
activa do que nunca, porque o amor não se contenta com um cumprimento
rotineiro, nem se coaduna com o fastio e a apatia. Amar significa recomeçar
todos os dias a servir, com obras de carinho.
Insisto,
e gostaria de gravá-lo a fogo em cada um: a liberdade e a entrega não se
contradizem; apoiam-se mutuamente. A liberdade só se pode entregar por amor;
não concebo outra espécie de desprendimento. Não é um jogo de palavras mais ou
menos acertado. Na entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a
liberdade renova o amor e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz
de grandes ideais e de grandes sacrifícios. Lembro-me que tive uma grande
alegria quando soube que em português chamam aos jovens os novos. E são isso.
Conto-vos isto, porque já tenho muitos anos, mas quando rezo junto do altar ao
Deus que enche de alegria a minha juventude, sinto-me muito jovem e sei que
nunca me hei-de considerar velho, porque, se permanecer fiel ao meu Deus, o
Amor
vivificar-me-á continuamente. A minha juventude renovar-se-á como a da águia.
Por
amor à liberdade nos prendemos. Só a soberba sente nesses laços o peso de uma
cadeia. A verdadeira humildade, que nos é ensinada por Aquele que é manso e humilde
de coração, mostra-nos que o seu jugo é suave e a sua carga leve: o jugo é a
liberdade; o jugo é o amor; o jugo é a unidade; o jugo é a vida que Ele ganhou
para nós na Cruz.
32
A liberdade das
consciências
Quando,
nos meus anos de sacerdócio, não direi que prego mas que grito o meu amor à
liberdade pessoal, noto nalguns um gesto de desconfiança, como de quem suspeita
que a defesa da liberdade implica um perigo para a fé. Que se tranquilizem
esses pusilânimes. Só atenta contra a fé uma errada interpretação da liberdade,
uma liberdade sem qualquer fim, sem norma objectiva, sem lei, sem responsabilidade,
numa palavra, a libertinagem. Infelizmente, é isso que alguns defendem; essa
reivindicação é que constitui um atentado contra a fé.
Por
isso, não é exacto falar de liberdade de consciência, que equivale a considerar
de boa categoria moral o facto de o homem rejeitar Deus. Já recordámos que nos
podemos opor aos desígnios salvadores de Nosso Senhor; podemos, mas não devemos
fazê-lo. E se alguém tomasse essa atitude deliberadamente, pecaria ao
transgredir o primeiro e o fundamental dos mandamentos: amarás Iavé com todo o
teu coração.
Defendo
com todas as minhas forças a liberdade das consciências, que significa que não
é lícito a ninguém impedir que a criatura tribute culto a Deus. Têm de se
respeitar os legítimos anseios de verdade: o homem tem obrigação grave de
procurar Nosso Senhor, de O conhecer e de O adorar, mas a ninguém na terra é
lícito impor ao próximo a prática de uma fé que este não tem, tal como ninguém
pode arrogar-se o direito de prejudicar quem a recebeu de Deus.
33
A
Igreja, nossa Santa Mãe, sempre se pronunciou pela liberdade e rejeitou todos
os fatalismos, antigos ou menos antigos. Declarou que cada alma é dona do seu
destino para bem ou para mal. E os que não se afastaram do bem irão para a vida
eterna; os que cometeram o mal, para o fogo eterno. Impressiona-nos sempre esta
terrível capacidade humana, tua e minha, de todos, que simultaneamente é o
sinal da nossa nobreza. A tal ponto o pecado é um mal voluntário, que de nenhum
modo seria pecado, se não tivesse o seu princípio na vontade; esta afirmação
goza de tal evidência, que estão de acordo os poucos sábios e os muitos
ignorantes que habitam no mundo.
Volto
a levantar o meu coração em acção de graças ao meu Deus, ao meu Senhor, porque
nada o impedia de nos criar impecáveis, com um impulso irresistível para o bem;
mas julgou que seriam melhores os seus servidores se o servissem livremente.
Que grande é o amor, a misericórdia do nosso Pai! Perante esta realidade das
suas loucuras divinas pelos filhos, gostaria de ter mil bocas, mil corações
mais, que me permitissem viver num contínuo louvor a Deus Pai, a Deus Filho, a
Deus Espírito Santo. Reparem que o Todo-Poderoso, Aquele que governa o Universo
com a sua Providência, não deseja servos forçados, prefere filhos livres. Meteu
na alma de cada um de nós - embora nasçamos proni ad peccatum, inclinados ao
pecado pela queda dos nossos primeiros pais - uma chispa da sua inteligência
infinita, a atracção pelo bem, uma ânsia de paz perdurável. E leva-nos a compreender
que a verdade, a felicidade e a liberdade se conseguem quando procuramos que
germine em nós essa semente de vida eterna.
34
Responder
negativamente a Deus, rejeitar esse princípio de felicidade nova e definitiva,
ficou nas mãos da criatura. Mas, se agir assim, deixa de ser filho e torna-se
escravo. Cada coisa é aquilo que segundo a sua natureza lhe convém; por isso,
quando se move à procura de algo que lhe é estranho, não actua segundo a sua
própria maneira de ser, mas por impulso alheio; e isto é servil. O homem é
racional por natureza. Quando se comporta segundo a razão, procede, pelo seu
próprio movimento, como quem é; e isto é próprio da liberdade. Quando peca, age
fora da razão, e então deixa-se conduzir pelo impulso de outro, submetido a
domínio alheio; e por isso quem aceita o pecado é servo do pecado (Jo 8, 34).
Permitam-me
que insista sobre este ponto; é muito claro e podemos comprová-lo com frequência
à nossa volta ou no nosso próprio eu: nenhum homem escapa a algum tipo de
servidão. Uns prostram-se diante do dinheiro; outros adoram o poder; outros a
tranquilidade relativa do cepticismo; outros descobrem na sensualidade o seu
bezerro de ouro. E acontece o mesmo com as coisas nobres. Empenhamo-nos num
trabalho, numa actividade de maiores ou menores proporções, na realização de um
trabalho científico, artístico, literário, espiritual. Se há empenho, se existe
verdadeira paixão, quem a isso se entrega vive como escravo, dedica-se com
prazer ao serviço da finalidade da sua tarefa.
35
Escravidão
por escravidão - já que de qualquer modo temos de servir, pois, quer queiramos
quer não, essa é a condição humana - não há nada melhor do que saber que somos,
por Amor, escravos de Deus. Porque nesse momento perdemos a situação de
escravos para nos tornarmos, amigos, filhos. E aqui surge a diferença:
enfrentamos as ocupações honestas do mundo com a mesma paixão, com o mesmo
empenho que os outros, mas com paz no íntimo da alma; com alegria e serenidade,
mesmo nas contradições: pois não depositamos a nossa confiança naquilo que é
passageiro, mas no que permanece para sempre, não somos filhos da escrava, mas
da mulher livre.
Donde
nos vem esta liberdade? De Cristo, Nosso Senhor. Esta é a liberdade com que Ele
nos redimiu. Por isso ensina: se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente
livres . Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro
sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã.
Gosto
de falar da aventura da liberdade, porque é essa realmente a aventura da vossa
vida e da minha. Livremente - como filhos, insisto, não como escravos -
seguimos o caminho que Nosso Senhor assinalou para cada um de nós. E saboreamos
esta facilidade de movimentos como um presente de Deus.
Livremente,
sem qualquer coacção, porque me apetece, decido-me por Deus. E comprometo-me a
servir, a converter a minha existência numa entrega aos outros, por amor ao meu
Senhor Jesus. Esta liberdade incita-me a clamar que nada na terra me separará
da caridade de Cristo.
36
Responsáveis perante Deus
Deus
fez o homem desde o princípio e deixou-o nas mãos do seu livre arbítrio (Ecli
15, 14). Isto não sucederia se não tivesse capacidade de fazer uma escolha
livre. Somos responsáveis perante Deus por todas as acções que realizamos
livremente. Não há anonimatos; o homem encontra-se perante o seu Senhor e está
na sua vontade decidir-se a viver como amigo ou como inimigo. Assim começa o
caminho da luta interior, que é empresa para toda a vida, porque enquanto dura
a nossa passagem pela terra ninguém alcança a plenitude da sua liberdade.
Além
disso, a nossa fé cristã leva-nos a garantir a todos um clima de liberdade,
começando por afastar qualquer tipo de enganosas coacções na apresentação da
fé. Se somos arrastados para Cristo, cremos sem querer; então usa-se a
violência, não a liberdade. Sem querer podemos entrar na Igreja; sem querer
podemos aproximar-nos do altar; podemos, sem querer, receber o Sacramento. Mas
só pode crer aquele que o quer. E é evidente que, tendo chegado à idade da
razão, se requer a liberdade pessoal para entrar na Igreja e para corresponder
aos contínuos chamamentos que Nosso Senhor nos dirige.
37
Na
parábola dos convidados para o banquete, o pai de família, depois de tomar
conhecimento de que alguns dos que deveriam comparecer na festa se tinham
desculpado com razões sem razão, ordena ao criado: vai pelos caminhos e ao
longo dos cercados e força a vir - compelle intrare - aqueles que encontrares.
Não é isto coacção? Não é usar de violência contra a legítima liberdade de cada
consciência?
Se
meditarmos o Evangelho e ponderarmos os ensinamentos de Jesus, não
confundiremos essas ordens com a coacção. Vejam como Cristo insinua sempre: se
queres ser perfeito..., se alguém quer vir atrás de mim... Esse compelle
intrare não implica violência física nem moral; é reflexo do ímpeto do exemplo
cristão, que mostra no seu proceder a força de Deus. Vede como o Pai atrai:
deleita ensinando; não impondo a necessidade. Assim atrai a Si .
Quando
se respira esse ambiente de liberdade, entende-se claramente que actuar mal não
é uma libertação, mas uma escravidão. Quem peca contra Deus conserva o livre
arbítrio relativamente à liberdade de coacção, mas perdeu-o em relação à
liberdade de culpa . Talvez declare que procedeu de acordo com as suas
preferências, mas não conseguirá pronunciar o nome da verdadeira liberdade,
porque se fez escravo daquilo por que se decidiu e decidiu-se pelo pior, pela
ausência de Deus, e aí não há liberdade.
38
Repito:
não aceito outra escravidão senão a do Amor de Deus. E isto porque, como já
tenho comentado noutras ocasiões, a religião é a maior rebeldia do homem, que
não tolera viver como um animal, que não se conforma - não sossega - enquanto
não ganha intimidade e conhece o Criador. Quero-os rebeldes, livres de todas os
laços, porque os quero - Cristo quer-nos! - filhos de Deus. Escravidão ou filiação
divina: eis o dilema da nossa vida. Ou filhos de Deus ou escravos da soberba,
da sensualidade, desse egoísmo angustiante em que tantas almas parecem
debater-se.
O
Amor de Deus marca o caminho da verdade, da justiça, do bem. Quando nos
decidimos a responder a Nosso Senhor: a minha liberdade para Ti, encontramo-nos
libertos de todas as cadeias que nos atavam a coisas sem importância, a
preocupações ridículas, a ambições mesquinhas. E a liberdade - tesouro
incalculável, pérola maravilhosa que seria triste lançar aos animais - emprega-se
inteiramente em aprender a fazer o bem.
Esta
é a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Os cristãos amedrontados - coibidos
ou invejosos - na sua conduta, perante a libertinagem dos que não aceitam a
Palavra de Deus, demonstram ter um conceito miserável da nossa fé. Se
cumprirmos verdadeiramente a Lei de Cristo - se nos esforçarmos por cumpri-la,
porque nem sempre o conseguiremos - descobrir-nos-emos dotados dessa
maravilhosa elegância de espírito, que não precisa de ir buscar a outro sítio o
sentido da mais plena dignidade humana.
A
nossa fé não é uma carga, nem uma limitação. Que pobre ideia da verdade cristã
manifestaria quem assim pensasse! Ao decidirmo-nos por Deus não perdemos nada;
ganhamos tudo. Quem, à custa da sua alma, conserva a sua vida, perdê-la-á; e
quem perder a sua vida por amor de Mim, voltará a achá-la .
Tirámos
a carta que ganha, conseguimos o primeiro prémio. Quando alguma coisa nos
impedir de ver isto com clareza, examinemos o interior da nossa alma. Talvez
haja pouca fé, pouca intimidade pessoal com Deus, pouca vida de oração. Temos
de pedir a Nosso Senhor - através de sua Mãe e nossa Mãe - que aumente em nós o
seu amor, que nos conceda saborear a doçura da sua presença; porque só quando
se ama se chega à mais plena liberdade: a de jamais querer abandonar, por toda
a eternidade, o objecto dos nossos amores.
(cont)