Jesus Cristo o Santo de Deus
Capítulo III
ACREDITAS?
A divindade de Cristo no Evangelho de S.
João
2. Tu dás testemunho de Ti próprio
…/2
A
característica da luz é ser luz para si própria, iluminar tudo, sem poder ser
iluminada por nenhuma outra coisa. Pode somente resplandecer, na esperança de
que haja olhos abertos para a receber.
«O
verdadeiro sentido da resposta de Jesus é que a Sua afirmação encontra
confirmação em si mesma.
Na
realidade, a pretensão de ser luz não pode ser provada senão fazendo
resplandecer a luz.
A finalidade
de todo o Evangelho é precisamente esta: demostrar como a conduta de Cristo dá
testemunho de si mesma; como as suas “obras” são luminosas» [i].
João
Baptista dá testemunho da luz, sim, [ii] mas com uma
pequena candeia que se tem acesa à espera da aurora e se retira logo que nasce
o Sol.
E, de facto,
ele retrai-se, dizendo:
«É
necessário que Ele cresça e eu diminua» [iii].
Existe
somente uma pessoa que pode dar testemunho de Jesus e que, de facto, Lho dá: o
Pai.
Continuamente
e de vários modos, o Pai dá testemunho de Cristo:
Com As
Escrituras que falam dele; [iv]
Com as
palavras que Lhe dá para proferir;
E as obras
que Lhe dá para cumprir.
Mas tudo
isto supõe uma condição para se poder tornar eficaz: Ter em Si a «palavra», ou
«o amor do Pai», ou ser «de Deus», amar a luz, e querer fazer a Vontade de
Deus. [v]
São todos
modos variados de dizer a mesma coisa.
Todo o
testemunho que vem de fora cairá no vazio, se não encontrar no coração alguma
coisa capaz de o escutar e acolher.
A luz pode
resplandecer quando queira, mas se os olhos que a devem receber se fecha diante
dela, é como de facto se não resplandecesse.
Neste caso,
o facto de haver alguém que não veja, não é sinal que a luz não existe, mas
somente que esse alguém é cego.
Jesus pode
mostrar a Sua divindade, a Sua origem vinda do alto; mas se faltar ou não
funcionar o órgão que deve receber esta revelação, não haverá compreensão e não
nascerá fé alguma.
Acontece
como quando se fala com um estrangeiro que não conhece a linguagem de quem lhe
fala.
As palavras
chegam aos seus ouvidos, mas não têm sentido algum, não passando de meros sons.
Acontece o
mesmo no contexto que Jesus pronunciou aquele «Eu Sou»; quase lutando contra esta situação de incomunibilidade que
existe entre Ele e os Seus ouvintes, Ele diz:
«Porque não compreendeis a minha linguagem? É
porque não sois capazes de ouvir a Minha palavra». [vi]
A resposta
que emerge é sempre a mesma:
Alguns não
têm em si a Palavra de Deus, e o sinal que não têm essa Palavra é precisamente
o facto de não crerem. [vii]
Se fossem de
Deus saberiam que Ele profere palavras de Deus.
É como se um
homem, vindo de um país longínquo, encontrasse pessoas que dizem ter vindo
daquele mesmo país.
Mas quando
se dirige a essas pessoas, falando na linguagem pátria, eles não o compreendem.
É sinal
evidente que mentiram e que não são do seu mesmo país; ora Ele sabe «de onde
veio».
Essa mesma
prova tiveram-na dolorosamente os Apóstolos depois da Páscoa. Diante da
incredulidade do Sinédrio, Pedro declara:
«Somos
testemunhas destes factos, nós e o Espírito Santo que Deus deu àqueles que Lhe
obedecem». [viii]
Os Apóstolos
chamam aqui «Espírito Santo» ao que Jesus chamava «a Palavra» ou «o amor do
Pai», mas trata-se evidentemente da mesma realidade, ou seja, do correspondente
íntimo de alguém que só pode permitir recolher o testemunho exterior,
primeiramente de Jesus e agora dos Apóstolos.
O campo
visual limita-se ao coração do homem; é aí que se decide quem será crente e
quem não será crente.
3 «Como podeis vós acreditar?»
Mas, porque
motivo não existe no nosso íntimo aquela «palavra» ou aquele Espírito que
permite discernir que aquilo que Jesus diz de Si próprio é verdadeiro, e que
Ele é verdadeiramente o Filhó de Deus?
É porventura
Deus que nos discrimina e obceca, que predestina uns para a fé e outros para a
incredulidade?
Sabemos que
alguns, por exemplo Calvino, explicaram as coisas desse modo.
Mas, então,
quem não crê, como poderia ser responsável e como poderia ser «julgado» pela
Palavra de Jesus e pelas obras que pratica?
É verdade
que o próprio São João escreve de alguns:
«Não podiam
crer, pelo facto de Isaías ter dito: “Obcecou-lhes os olhos e endureceu-lhes o
coração, para que não vejam com os olhos e não entendam com o coração, e se
convertam e Eu os cure”» [ix]
Mas sabemos
como são interpretados estes textos da Escritura; não no sentido de que Deus
obceca ou endurece Ele próprios corações, mas que permite que o espírito seja
obcecado e o coração empedernido, em consequência das livres opções e
resistências do homem.
«Pois que –
diz São Paulo – os homens não deram glória a Deus, mas desvaneceram-se nos seus
pensamentos e desprezaram o conhecimento de Deus… por isso, Deus abandonou-os a
um sentimento perverso» [x].
Quem é que
obceca verdadeiramente o homem, é também São Paulo que o diz quando escreve:
«Se o nosso
Evangelho permanece encoberto, isto é para aqueles que se perdem, aos quais o
deus deste mundo cegou a mente incrédula para que não lhes resplandeça a luz do
glorioso evangelho de Cristo que é imagem de Deus» [xi]
Também Santo
Agostinho escreve que «Deus não abandona, se não for abandonado» [xii]
É claro que,
com isto, resta sempre uma ponta de mistério no facto de que alguns creem e
outros não, o que nos deve incutir um temor salutar.
Mas nós
temos é que preocupar-nos com o que depende de nós, não com o que depende de
Deus.
Sabemos, e
isso nos basta, que Deus é sempre justo e recto naquilo que faz.
A propósito
daquilo que depende de nós, o próprio Jesus apontou a raiz da qual nasce no
homem a incredulidade, ou seja, porque é que o incrédulo «não pode crer:
«Como podeis
crer – disse Ele – vós que recebeis a glória uns dos outros e não procurais a
glória que vem só de Deus?» [xiii]
Ainda de
outra vez, precisamente depois de ter recordado aquelas palavras de Isaías, o
evangelista escreve:
«Apesar de
tudo, creram nele também muitos dos chefes, mas não o confessavam abertamente
por causa dos fariseus e para não serem expulsos da sinagoga; porque apreciavam
mais a glória dos homens que a glória de Deus» [xiv]
Quem é,
então, o inimigo da fé na divindade de Cristo?
A Razão?
Não, é o
pecado e, precisamente, o pecado do orgulho, a procura da própria glória.
Quem está
dominado pala procura da própria glória não pode crer, porque na fé não há
lugar para a glória humana e não existe «originalidade».
Pelo
contrário, para rer é preciso ajoelhar, obedecer a Deus, como dizia São Pedro [xv].
É verdade
que quem crê «verá a glória de Deus» [xvi], mas é a
glória de Deus e não a glória pessoal.
Crer é estar
constantemente na dependência do absoluto, em constante avaliação do próprio
nada.
Em
consequência, a grande aliada da fé e o seu verdadeiro preambulum, é a humildade.
Deus
escondeu a Sua divindade na humildade da carne e da Cruz.
Ninguém,
portanto, a pode descobrir se não for humilde, se não se fizer pequeno.
É como se
alguém procurasse uma coisa qualquer, tomando a direcção posta àquela em que
ela está: nunca a encontrará.
Procurará em
vão a divindade de Cristo todo aquele que não a procurar na humildade e com
humildade.
O Pai – diz
Jesus – escondeu estas coisas, e sobretudo o mistério da Sua Pessoa, aos sábios
e entendidos e revelou-as aos pequeninos [xvii].
É preciso
dizer que o orgulho tem um poderoso aliado nesta sua obra de obcecação, que é a
impureza, a escravidão da matéria e, em geral, uma vida desordenada e
indecorosa.
É o que
afirma o Evangelista São João, recorrendo mais uma vez à imagem da luz:
«A luz veio
ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque eram más as sua
obras. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para
que as suas obras não sejam reveladas» [xviii].
Não se fala
aqui só da impureza da carne (luz é também o amor, e as trevas o ódio), mas
certamente também se fala dela e é a experiência que o confirma.
A desordem
moral apaga o Espírito, que é unicamente Quem permite discernir o testemunho
exterior de Jesus e dos Apóstolos.
«Porque os
instintos egoístas têm desejos contrários ao Espírito, e o Espírito contra os
desejos egoístas.[xix]
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[i] C. H. Dodd, A Interpretação do IV Evangelho, Brescia, 1974, p. 260.
[v] Jo 5,38;5,41;7,17;8,47
[ix]
Jo 13,39-40; Is 9,9sss.
[xii] Santo Agostinho, De Natura et Gratia, 26,29 (CSEI. 5,255): «Non deserit si non
deseratur».