JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR
Iniciação à Cristologia
PRIMEIRA PARTE
A PESSOA DE JESUS CRISTO
Capítulo IV
O MISTÉRIO DA UNIDADE PESSOAL DE JESUS CRISTO
4. Modos de expressar a realidade do mistério da
união hipostática
Sabemos que
o Filho de Deus fez suas as propriedades da natureza humana e fez participe a
humanidade assumida da dignidade da sua pessoa; de modo que ao expressar o
mistério da Encarnação dá-se uma espécie de comunicação de propriedades entre o
humano e o divino, o que se denominou com uma locução de origem grega, communicatio idiomatum. Por exemplo,
quando São Pedro diz aos judeus:
«Matastes o autor da vida» (Act 3,15); ou quando São Paulo diz: «Se
tivessem conhecido (a Sabedoria de Deus), nunca teriam crucificado o senhor da
glória» (1 Cor 2,8). Em ambos os casos atribuem-se a Deus
propriedades humanas (como morrer ou ser crucificado).
Neste
campo, há uns modos de falar sobre Cristo que são adequados, mas outros podem
ser ambíguos ou erróneos. Portanto, devemos cuidar a precisão da linguagem para
nos expressar convenientemente; para isto vejamos algumas regras elementares
que devemos observar nas nossas expressões sobre o mistério de Jesus Cristo.
a) Unicamente à pessoa de Cristo há que atribuir
todas as propriedades e acções tanto da sua natureza divina como as da sua
natureza humana.
Como a
pessoa de Cristo é o sujeito que subsiste nas duas naturezas, podem e devem-se
atribuir a essa pessoa todas as propriedades e acções da natureza divina e da
natureza humana, que realmente são suas e lhe pertencem.
Tenhamos em
conta que normalmente nomeamos a pessoa subsistente por meio de nomes
concretos: o Verbo, Deus, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, Cristo, o Filho do
homem, este homem, etc.
Assim
podemos dizer que Deus nasceu de Maria Virgem, ou que o Filho de Deus morreu
por nós. E também podemos dizer que Jesus é Deus, é a Verdade e ávida, que por
Ele se criaram todas as coisas, ou que existe antes de Abraão. E assim o
confessa o símbolo Niceno-Constatinopolitano: «Creio num só Senhor, Jesus Cristo, Filho único de Deus, nascido do pai
antes de todos os séculos (…) por quem tudo foi feito; que por nós, os homens
(…) encarnou em Maria, a Virgem, e se fez homem; e por nossa causa foi
crucificado em tempos de Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado, e ressuscitou
ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu ao céu».
b) Não se podem atribuir a uma natureza de Cristo as
propriedades e acções de outra
Como depois
da união hipostática as duas naturezas de Cristo permanecem distintas e sem
confusão, não se podem pregar ou atribuir a uma natureza as propriedades ou
acções da outra.
Tenhamos em
conta que normalmente designamos as naturezas em si mesmas, e não a pessoa
dessa natureza, com os nomes abstractos que qualificam o seu modo de ser: p.
ex. a divindade, a humanidade.
Assim, não
se pode dizer de modo algum que a divindade nasceu no tempo, ou que era
passível, ou que morreu por nós. Como tampouco se pode dizer que a humanidade
de Cristo é incriada, eterna, omnipotente, ou que era impassível.
Mas também
temos de ter em conta outro modo de significar as naturezas: a reduplicação. Os
nomes que significam a natureza em concreto (p. ex. Deus, homem), que em
princípio significariam a pessoa, se usarmos a reduplicação (p. ex. Jesus
Cristo, enquanto Deus; ou o Filho de
Deus, enquanto é homem), neste caso
designam propriamente a natureza (a divina ou a humana), e não a pessoa.
Desta forma
podemos dizer que o Filho de Deus, enquanto
homem, é inferior ao Pai, é criatura, o que morreu na cruz. E também
podemos dizer que Jesus, enquanto Deus,
é eterno, igual ao Pai, não foi feito.
Em
alternativa, não se pode dizer que Jesus, enquanto
Deus, nasceu em Belém; ou que Cristo, enquanto
homem, é o Criador, ou é uma pessoa.
Em resumo,
ainda que todas as propriedades e acções das duas naturezas se injustamente à
única pessoa de Cristo, para evitar equívocos e locuções confusas, muitas vezes
convém distinguir a razão dessa atribuição: umas atribuem-se-lhe segundo a sua
natureza divina (p. ex. Jesus Cristo é o Criador de todas as coisas enquanto
Deus), e outras segundo a sua natureza humana (p. ex. é filho de Maria enquanto
homem).
Capítulo V
CRISTO ENQUANTO HOMEM CHEIO DE GRAÇA E DE VERDADE
Como é
Cristo enquanto homem? Já dissemos que é perfeito homem e tem uma natureza
humana íntegra à qual não falta nada do que é propriamente humano, já que na
Encarnação «a natureza humana foi assumida, não absorvida».
Agora
estudaremos as diferentes faculdades e qualidades humanas de Jesus Cristo. Não
examinaremos as propriedades da sua natureza divina que se estudam noutro
tratado. Concretamente, consideraremos neste capítulo a graça e santidade de
Cristo assim também o seu conhecimento humano, e no capítulo seguinte veremos
outros traços que completam a sua humanidade perfeita: a sua vontade livre, a
sua afectividade, etc.
1. Qualidades da humanidade de Cristo para ser o
instrumento do Verbo na obra da nossa salvação
Já sabemos
que o Filho de Deus se encarnou para ser, como homem, a causa da nossa
salvação; por isso a sua humanidade deve ser o instrumento, indissoluvelmente
unido ao Verbo, adequado para a obra salvífica.
E trata-se de um instrumento vivo e racional, não inerte ou passivo, que
simplesmente fosse movido pelo agente principal, mas que tem a sua acção
própria. Por isso Cristo na sua humanidade tem aquelas qualidades que são
convenientes para a finalidade da Encarnação: p. Ex. para comunicar-nos a verdade
e a graça divinas pelas quais nos salvamos, está dotado de todas essas
qualidades, está «cheio de graça e de verdade» (Jo 1,14), já que «da
sua plenitude todos recebemos» (Jo 1,16).
Além do
mais, temos de considerar que essas propriedades da sua natureza humana
procedem da sua união coma divindade, pois Deus é a fonte de todo o bem e a
perfeição duma criatura depende da sua união com Deus. E quanto mais unido se
está com deus, mais se participa da sua bondade e mais abundantes bens se
recebem, assim como quanto mais alguém se aproxima do fogo mais se aquece. Pois
bem, não há uma união mais íntima da criatura com Deus que a união na própria
pessoa divina, daí que Cristo na sua humanidade esteja cheio dos dons divinos:
é um homem natural e sobrenaturalmente perfeito.
Assim como
o Filho de Deus feito homem tem aquelas qualidades naturais e sobrenaturais que
são convenientes para a nossa salvação, por essa mesma razão não assumiu com a
natureza humana aqueles mesmos defeitos ou limitações que dificultariam a obra
salvífica, tais como o pecado ou a ignorância. Ainda que tenha assumido aquelas
limitações da nossa natureza que servem a finalidade da Encarnação e que não
são defeito moral e não desdizem da sua condição, tais como a passibilidade e a
dor.
2. A graça e a santidade de Cristo
a) Aspectos que compreende a santidade de Cristo
A santidade.
A santidade
é um atributo próprio de Deus, o só Santo, «três
vezes santo» (Is 6,3). O conceito de santidade refere-se ao ser
divino em si mesmo que é transcendente sobre tudo o criado; e, como
consequência, encerra a ideia de pureza, de ausência de pecado e de tudo o que
é contrário à vida divina.
A noção de
santidade também se aplica às criaturas que se dizem «santas» enquanto estão
unidas a Deus e participam da vida divina. Nesta união com Deus podem
distinguir-se dois aspectos. O ontológico e o operativo.
Na Bíblia
diz-se que algo ou alguém é santo em
sentido ontológico na medida em que está unido a Deus., na medida em que
foi assumido por Ele e lhe pertence, e, por conseguinte, está destinado ou
consagrado ao seu serviço exclusivo: p. ex. no Antigo Testamento chamam-se
santos o Templo, o Sábado, o povo de Deus, etc. A noção de santidade no Novo
Testamento, além de conservar a ideia de consagração ou dedicação a Deus,
enriquece-se com uma participação na vida divina por acção do Espírito Santo
que transforma o homem interiormente, que o diviniza, o faz justo e o purifica
do pecado: p. ex. os baptizados em Cristo (cf. Act 9,13; Rom 15,25).
No sentido
operativo e moral diz-se que é santo quem vive estavelmente a união
sobrenatural com Deus pela fé e o amor e, portanto, move-se em tudo guiado pela
vontade santa de Deus e serve-o de coração («o justo vive da fé» Rom 1,17). E a consequência dessa
união e desse amor a Deus é a limpeza de todo o pecado, que o homem se conduza
longe de todo o pecado e de tudo o que o afaste de Deus.
A santidade de Cristo.
Na Sagrada
Escritura, Cristo é chamado Santo (cf. Lc 1,35; Act 3,14) o santo de Deus (cf.
Jo 6,69). Evidentemente é santo enquanto Deus. Mas também é santo
enquanto homem, e isto em três sentidos: em primeiro lugar, porque a sua
humanidade está unida ao único Santo em unidade de pessoa, é de Deus e pertence
inteiramente ao Verbo; em segundo lugar, porque mediante a graça a sua
humanidade está divinizada na sua essência e nas suas potências; e em terceiro
lugar, é santo no aspecto moral porque vive sempre unido à vontade de seu Pai e
n’Ele não há pecado algum.
Vejamos
estes aspectos da santidade de Cristo enquanto homem.
b) Cristo enquanto homem é santo porque a sua
humanidade está unida ao Verbo e lhe pertence. A graça de união
Pela união
hipostática, a humanidade de Cristo é santa enquanto foi assumida pelo Filho de
Deus, é inteiramente de Deus, pertence ao Verbo, está destinada e consagrada ao
seu serviço, e é em si mesma instrumento da divindade. Pela união hipostática a
humanidade de Cristo tem a santidade infinita do Verbo.
Esta mesma
união hipostática, considerada como um dom outorgado à natureza humana
assumida, chama-se «graça de união».
Com efeito, para a humanidade de Cristo é uma graça o facto de ter sido elevada
à maior união com a divindade a que um ser pode ser elevado. E este dom
gratuito é a própria pessoa do Verbo que foi dada á natureza humana como termo
da assunção: é um dom infinito.
c) Cristo enquanto homem também é santo por graça
habitual
A graça
habitual é o dom sobrenatural que Deus outorga ao homem pelo qual o une a si e
o torna semelhante a si próprio, fazendo-o participe da natureza divina (cf.
Pd 1,4) que é santa. Por isso a graça chama-se também «santificante» porque é uma qualidade que
transforma a natureza do homem divinizando-o, tornando-o justo e santo.
Os
Evangelhos falam-nos explicitamente da existência desta graça em Jesus Cristo:
estava «cheio de graça» (Jo
1,14), ou «crescia em graça» (Lc 2,52).
É fácil de
entender a conveniência de que Cristo tivesse a graça habitual, já que a sua
humanidade não é santa por si mesma, nem se transformou em divina pela união
hipostática, uma vez que permanece sempre a distinção das duas naturezas. Por
isso, é necessário que a humanidade de Cristo chegue a ser divina e santa por
participação, que é o efeito próprio da graça habitual ou santificante.
d) A plenitude de graça habitual em Cristo
A revelação
não só nos diz que Jesus tem a graça habitual ou santificante, como também que
estava «cheio de graça e de verdade» (Jo
1,14), e nos fala da sua «plenitude
de graça» (Jo 1,16; cf. Ef 4,13).
Com efeito,
a graça é causada no homem pela presença de Deus nele, tal como a luz do ar é
consequência da presença do Sol. A razão da plenitude de graça em Cristo é que
a sua humanidade está unida a Deus na humanidade mais estreita imaginável, em
unidade de pessoa, pelo que recebe a máxima e mais plena comunicação possível
da vida divina.
Em que
consiste esta plenitude de graça? Considerando-a como uma realidade criada que
tem o seu sujeito na alma, é evidente que a graça habitual não pode ser
infinita em si mesma, mas limitada. Mas Cristo recebeu na sua humanidade a
graça no mais alto grau que pode dar-se. Por isso se pode dizer que a graça em
Cristo é de certo modo ilimitada ou infinita «sem medida» (Jo 3,34); enquanto a nós se nos dá segundo
medida (cf. Ef 4,7). Quer dizer, Jesus possuía a graça com toda a
perfeição possível: com todos os efeitos, virtudes, dons e operações que esta
pode ter e alcançar.
Esta
plenitude de graça é própria e exclusiva de Cristo, pois foi-lhe conferida para
que Ele fosse o princípio universal da justificação de todo o género humano.
Todas as graças que os homens tiveram d’Ele provêm, como da sua fonte; e por
isso Ele as possui todas, no mais alto grau: «Da sua plenitude todos temos recebido graça por graça» (Jo
1,16). Esta mesma plenitude de graça habitual em Cristo, enquanto é a
Cabeça e o princípio da santificação de todos, conhece-se com o nome de «graça capital».
(cont)
Vicente
Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)