Tempo de Quaresma V Semana
Anunciação do Senhor
Evangelho:
Lc 1 26-38
26 Estando Isabel no sexto mês, foi
enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27
a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de David; o nome da
virgem era Maria. 28 Entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe:
«Salve, ó cheia de graça; o Senhor é contigo». 29 Ela, ao ouvir
estas palavras, perturbou-se e discorria pensativa que saudação seria esta. 30
O anjo disse-lhe: «Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; 31
eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a Quem porás o nome
de Jesus. 32 Será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o
Senhor Deus Lhe dará o trono de Seu pai David; 33 reinará sobre a
casa de Jacob eternamente e o Seu reino não terá fim». 34 Maria
disse ao anjo: «Como se fará isso, pois eu não conheço homem?». 35 O
anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo
te cobrirá com a Sua sombra; por isso mesmo o Santo que há-de nascer de ti será
chamado Filho de Deus. 36 Eis que também Isabel, tua parenta,
concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se dizia estéril;
37 porque a Deus nada é impossível». 38 Então Maria
disse: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». E
o anjo afastou-se dela.
Comentário:
Não tenho
qualquer receio de me enganar se afirmo que, sobre este insigne acontecimento
da história da humanidade, se escreveram milhares de milhões de palavras,
comentários, análises, meditações.
Não é para
menos: O curso da história de humanidade fica, definitivamente, condicionado e
sob a influência do anúncio do Anjo e da sua aceitação por Maria.
(ama,
comentário sobre Lc 1 26-38, 2014.12.08)
Leitura
espiritual
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS
PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ACTUAL
251. Neste diálogo, sempre
amável e cordial, nunca se deve descuidar o vínculo essencial entre diálogo e
anúncio, que leva a Igreja a manter e intensificar as relações com os
não-cristãos.[i]
Um sincretismo conciliador
seria, no fundo, um totalitarismo de quantos pretendem conciliar prescindindo
de valores que os transcendem e dos quais não são donos.
A verdadeira abertura
implica conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas, com uma
identidade clara e feliz, mas «disponível para compreender as do outro» e «sabendo
que o diálogo pode enriquecer a ambos».[ii]
Não nos serve uma abertura
diplomática que diga sim a tudo para evitar problemas, porque seria um modo de
enganar o outro e negar-lhe o bem que se recebeu como um dom para partilhar com
generosidade.
Longe de se contraporem, a
evangelização e o diálogo inter-religioso apoiam-se e alimentam-se reciprocamente.[iii]
252. Neste tempo, adquire
grande importância a relação com os crentes do Islão, hoje particularmente
presentes em muitos países de tradição cristã, onde podem celebrar livremente o
seu culto e viver integrados na sociedade.
Não se deve jamais
esquecer que eles «professam seguir a fé de Abraão, e connosco adoram o Deus
único e misericordioso, que há-de julgar os homens no último dia».[iv]
Os escritos sagrados do
Islão conservam parte dos ensinamentos cristãos; Jesus Cristo e Maria são
objecto de profunda veneração e é admirável ver como jovens e idosos, mulheres
e homens do Islão são capazes de dedicar diariamente tempo à oração e
participar fielmente nos seus ritos religiosos.
Ao mesmo tempo, muitos
deles têm uma profunda convicção de que a própria vida, na sua totalidade, é de
Deus e para Deus.
Reconhecem também a
necessidade de Lhe responder com um compromisso ético e com a misericórdia para
com os mais pobres.
253. Para sustentar o
diálogo com o Islão é indispensável a adequada formação dos interlocutores, não
só para que estejam sólida e jubilosamente radicados na sua identidade, mas
também para que sejam capazes de reconhecer os valores dos outros, compreender
as preocupações que subjazem às suas reivindicações e fazer aparecer as
convicções comuns.
Nós, cristãos, deveríamos
acolher com afecto e respeito os imigrantes do Islão que chegam aos nossos
países, tal como esperamos e pedimos para ser acolhidos e respeitados nos países
de tradição islâmica.
Rogo, imploro humildemente
a esses países que assegurem liberdade aos cristãos para poderem celebrar o seu
culto e viver a sua fé, tendo em conta a liberdade que os crentes do Islão
gozam nos países ocidentais.
Face a episódios de
fundamentalismo violento que nos preocupam, o afecto pelos verdadeiros crentes
do Islão deve levar-nos a evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro
Islão e uma interpretação adequada do Alcorão opõem-se a toda a violência.
254. Os não-cristãos fiéis
à sua consciência podem, por gratuita iniciativa divina, viver «justificados
por meio da graça de Deus»[v]
e, assim, «associados ao mistério pascal de Jesus Cristo».[vi]
Devido, porém, à dimensão
sacramental da graça santificante, a acção divina neles tende a produzir
sinais, ritos, expressões sagradas que, por sua vez, envolvem outros numa
experiência comunitária do caminho para Deus.[vii]
Não têm o significado e a
eficácia dos Sacramentos instituídos por Cristo, mas podem ser canais que o
próprio Espírito suscita para libertar os não-cristãos do imanentismo ateu ou
de experiências religiosas meramente individuais.
O mesmo Espírito suscita
por toda a parte diferentes formas de sabedoria prática que ajudam a suportar
as carências da vida e a viver com mais paz e harmonia. Nós, cristãos, podemos
tirar proveito também desta riqueza consolidada ao longo dos séculos, que nos
pode ajudar a viver melhor as nossas próprias convicções.
O
diálogo social num contexto de liberdade religiosa
255. Os Padres sinodais
lembraram a importância do respeito pela liberdade religiosa considerada um
direito humano fundamental.[viii]
Inclui «a liberdade de escolher a religião que se crê ser verdadeira e de
manifestar publicamente a própria crença».[ix]
Um são pluralismo, que
respeite verdadeiramente aqueles que pensam diferente e os valorizem como tais,
não implica uma privatização das religiões, com a pretensão de as reduzir ao
silêncio e à obscuridade da consciência de cada um ou à sua marginalização no
recinto fechado das igrejas, sinagogas ou mesquitas.
Tratar-se-ia, definitivamente,
de uma nova forma de discriminação e autoritarismo.
O respeito devido às minorias
de agnósticos ou de não-crentes não se deve impor de maneira arbitrária que
silencie as convicções de maiorias crentes ou ignore a riqueza das tradições
religiosas.
No fundo, isso fomentaria
mais o ressentimento do que a tolerância e a paz.
256. Ao questionar-se
sobre a incidência pública da religião, é preciso distinguir diferentes modos
de a viver.
Tanto os intelectuais como
os jornalistas caem, frequentemente, em generalizações grosseiras e pouco
académicas, quando falam dos defeitos das religiões e, muitas vezes, não são
capazes de distinguir que nem todos os crentes – nem todos os líderes
religiosos – são iguais.
Alguns políticos
aproveitam esta confusão para justificar acções discriminatórias.
Outras vezes, desprezam-se
os escritos que surgiram no âmbito duma convicção crente, esquecendo que os textos
religiosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas,
possuem uma força motivadora que abre sempre novos horizontes, estimula o pensamento,
engrandece a mente e a sensibilidade.
São desprezados pela
miopia dos racionalismos.
Será razoável e inteligente
relegá-los para a obscuridade, só porque nasceram no contexto duma crença
religiosa?
Contêm princípios profundamente
humanistas que possuem um valor racional, apesar de estarem permeados de
símbolos e doutrinas religiosos.
257. Como crentes,
sentimo-nos próximo também de todos aqueles que, não se reconhecendo parte de
qualquer tradição religiosa, buscam sinceramente a verdade, a bondade e a
beleza, que, para nós, têm a sua máxima expressão e a sua fonte em Deus.
Sentimo-los como preciosos aliados no compromisso pela defesa da dignidade
humana, na construção duma convivência pacífica entre os povos e na guarda da
criação.
Um espaço peculiar é o dos
chamados novos Areópagos, como o «Átrio dos Gentios», onde «crentes e
não-crentes podem dialogar sobre os temas fundamentais da ética, da arte e da
ciência, e sobre a busca da transcendência».[x]
Também este é um caminho
de paz para o nosso mundo ferido.
258. A partir de alguns
temas sociais, importantes para o futuro da humanidade, procurei explicitar uma
vez mais a incontornável dimensão social do anúncio do Evangelho, para
encorajar todos os cristãos a manifestá-la sempre nas suas palavras, atitudes e
acções.
CAPÍTULO
V EVANGELIZADORES COM ESPÍRITO
259. Evangelizadores com
espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à acção do Espírito
Santo.
No Pentecostes, o Espírito
faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma- -os em anunciadores das
maravilhas de Deus, que cada um começa a entender na própria língua.
Além disso, o Espírito
Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parrésia),
em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contracorrente.
Invoquemo-Lo hoje, bem
apoiados na oração, sem a qual toda a acção corre o risco de ficar vã e o anúncio,
no fim de contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa
Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela
presença de Deus.
260. Neste último
capítulo, não vou oferecer uma síntese da espiritualidade cristã, nem
desenvolverei grandes temas como a oração, a adoração eucarística ou a
celebração da fé, sobre os quais já possuímos preciosos textos do Magistério e
escritos célebres de grandes autores.
Não pretendo substituir
nem superar tanta riqueza.
Limitar-me-ei simplesmente
a propor algumas reflexões acerca do espírito da nova evangelização.
261. Quando se diz de uma
realidade que tem “espírito”, indica-se habitualmente uma moção interior que
impele, motiva, encoraja e dá sentido à acção pessoal e comunitária.
Uma evangelização com espírito
é muito diferente de um conjunto de tarefas vividas como uma obrigação pesada,
que quase não se tolera ou se suporta como algo que contradiz as nossas
próprias inclinações e desejos.
Como gostaria de encontrar
palavras para encorajar uma estação evangelizadora mais ardorosa, alegre,
generosa, ousada, cheia de amor até ao fim e feita de vida contagiante!
Mas sei que nenhuma
motivação será suficiente, se não arde nos corações o fogo do Espírito.
Em suma, uma evangelização
com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, já que Ele é a alma da
Igreja evangelizadora.
Antes de propor algumas
motivações e sugestões espirituais, invoco uma vez mais o Espírito Santo;
peço-Lhe que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para
fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos.
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[ii] João Paulo II,
Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 56: AAS 83 (1991), 304.
[iii] Cf. Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana (21 de Dezembro de 2012): AAS 105 (2013), 51; Conc.
Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, 9;
Catecismo da Igreja Católica, 856.
[iv] Conc. Ecum. Vat.
II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 16.
[v] Comissão Teológica
Internacional, O cristianismo e as religiões (1996), 72: Enchiridion Vaticanum
15, n.º 1061.
[vi] Ibid., 72: o. c.,
1061.
[vii] Cf. ibid., 81-87:
o. c., 1070-1076.
[ix] Bento XVI, Exort.
ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente (14 de Setembro de 2012), 26: AAS 104
(2012), 762.