“Silêncio!” O Papa apela ao silêncio. Apanha-nos em
pleno mergulho eufórico no mar das novas tecnologias, que estão “Inter
mirifica”, entre as maravilhosas invenções da técnica (Vaticano II).
Um mar, de maré a encher. Ou vamos ter com ela, ou ela
vem ter connosco. Cada dia a net gera 60 mil sites, 2 milhões de vídeos, 5
milhões de imagens. Hoje o facebook tem mais 460 mil perfis do que ontem.
O mar é um oceano de coisas boas, sobretudo se não lhe
der para brincar aos tsunamis. Por isso, às vezes temos alerta, amarelo pelo
menos.
Sabíamos que o português médio vê 25 horas de TV por
semana. Isto é, em sete dias, um dia e uma noite de olhos na TV. Se esse português
viver 70 anos, 10 (dez!) anos, dia e noite, vê TV. A TV mostra-lhe tudo:
primaveras árabes, champôs, golos de trivela, tratados de paz, querida júlia e
popotas. A imaginação corre o mundo; o corpo fica sentado.
As estatísticas dizem agora que está também uma hora
por dia online. Enfim, o português médio quase é super-homem ou supermulher
para aguentar tanto.
Os inventores prometem para breve surpreendentes
simulações digitais de cheiros e de outras sensações. O melhor é habituar-se,
porque a técnica gosta de cumprir promessas. Estaremos envolvidos na
“realidade” virtual com a mesma envolvência da “realidade real”.
O Ricardo Araújo Pereira fez o retrato numa rábula
antiga. O pai apanha o filho – uma joia de moço – a espetar-se com uma seringa
num braço e diz: “come antes uma peça de fruta que te faz melhor, rapaz...”. E
ele: “’tá bem, mas agora não, que estou a conversar com este gafanhoto gigante
chamado José António”...
Boa observação. Se me sinto bem entre gafanhotos
gigantes virtuais, porquê preferir a pera-rocha real? Porque é melhor a
“realidade” que o “imaginário”?
O mundo “imaginário” são os infinitos pequenos mundos
subjetivos. É um mundo criado pelo homem, espelho das suas limitações. O mundo
real são as coisas comuns dadas a todos. É uma prenda do criador. Como as
outras prendas, fala sobre quem dá e quem recebe. É um mundo criado por Deus,
espelho do seu amor louco pelos homens.
O desafio é harmonizá-los para que a experiência
virtual sirva e melhore a experiência real. Nisso, o silêncio conta muito.
Compreende-se que Bento XVI olhe “com interesse para as várias formas de
sítios, aplicações e redes sociais que possam ajudar o homem atual não só a
viver momentos de reflexão e de busca verdadeira, mas também a encontrar
espaços de silêncio, ocasiões de oração, meditação ou partilha da Palavra de
Deus.”
Sítios desses, há alguns, como o “Evangelho Quotidiano”
e o “Passo a rezar”. Contudo, o grande teste é procurar o silêncio “off line”.
Treinados no “pensamento produtivo”, o silêncio
assusta-nos. Quando calamos algum tempo agitamo-nos, sentimo-nos inúteis, e
desesperamos por, ao menos, um pouco de Antena 2. Temos os músculos do
“pensamento contemplativo” atrofiados e esgotamo-nos em qualquer esforço.
Em 1998 um professor de jornalismo perguntou ao então
cardeal como podem os jornalistas resistir às várias pressões, e Ratzinger
respondeu: “parece-me importante que possam ter com certa regularidade um
descanso em que possam respirar fundo. Umas temporadas em que possam recuperar
o substrato intelectual, o substrato moral, que lhes permita ordenar de novo as
suas ideias.”
O silêncio regenera. O silêncio é um ingrediente das
espiritualidades orientais. Para o cristianismo, o silêncio é, porém, mais do
que desligar emoções e amarras para imergir no nirvana da impassibilidade.
O silêncio sonha com um inesquecível encontro com Deus.
“Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o homem descobre no silêncio a
possibilidade de falar com Deus e de Deus.”
E desejar isso não é desejar demais? Podemos ambicionar
tanto? Bento XVI falou aos céticos em Fátima: “Deus tem o poder de chegar até
nós nomeadamente através dos sentidos interiores, de modo que a alma recebe o
toque suave de algo real que está para além do sensível”. Mas há uma condição:
“para isso exige-se uma vigilância interior do coração que, na maior parte do
tempo, não possuímos por causa da forte pressão das realidades externas e das
imagens e preocupações que enchem a alma”. Torna-se crítico abrir uns minutos
diários de solidão para robustecer a relação com Deus. Como? O “português
médio” só em TV e net, tem muito por onde escolher.
O silêncio ajuda a abreviar a palavra e dizer o
essencial. Disse Pascal: “o texto só me saiu longo, porque não tive vagar para
o fazer mais curto”. Subscrevo sem relutância.
Pedro
Gil, diretor Gabinete de Imprensa do Opus Dei