23/05/2012

Chiu!

“Silêncio!” O Papa apela ao silêncio. Apanha-nos em pleno mergulho eufórico no mar das novas tecnologias, que estão “Inter mirifica”, entre as maravilhosas invenções da técnica (Vaticano II).

Um mar, de maré a encher. Ou vamos ter com ela, ou ela vem ter connosco. Cada dia a net gera 60 mil sites, 2 milhões de vídeos, 5 milhões de imagens. Hoje o facebook tem mais 460 mil perfis do que ontem.

O mar é um oceano de coisas boas, sobretudo se não lhe der para brincar aos tsunamis. Por isso, às vezes temos alerta, amarelo pelo menos.

Sabíamos que o português médio vê 25 horas de TV por semana. Isto é, em sete dias, um dia e uma noite de olhos na TV. Se esse português viver 70 anos, 10 (dez!) anos, dia e noite, vê TV. A TV mostra-lhe tudo: primaveras árabes, champôs, golos de trivela, tratados de paz, querida júlia e popotas. A imaginação corre o mundo; o corpo fica sentado.

As estatísticas dizem agora que está também uma hora por dia online. Enfim, o português médio quase é super-homem ou supermulher para aguentar tanto.

Os inventores prometem para breve surpreendentes simulações digitais de cheiros e de outras sensações. O melhor é habituar-se, porque a técnica gosta de cumprir promessas. Estaremos envolvidos na “realidade” virtual com a mesma envolvência da “realidade real”.

O Ricardo Araújo Pereira fez o retrato numa rábula antiga. O pai apanha o filho – uma joia de moço – a espetar-se com uma seringa num braço e diz: “come antes uma peça de fruta que te faz melhor, rapaz...”. E ele: “’tá bem, mas agora não, que estou a conversar com este gafanhoto gigante chamado José António”...

Boa observação. Se me sinto bem entre gafanhotos gigantes virtuais, porquê preferir a pera-rocha real? Porque é melhor a “realidade” que o “imaginário”?

O mundo “imaginário” são os infinitos pequenos mundos subjetivos. É um mundo criado pelo homem, espelho das suas limitações. O mundo real são as coisas comuns dadas a todos. É uma prenda do criador. Como as outras prendas, fala sobre quem dá e quem recebe. É um mundo criado por Deus, espelho do seu amor louco pelos homens.

O desafio é harmonizá-los para que a experiência virtual sirva e melhore a experiência real. Nisso, o silêncio conta muito. Compreende-se que Bento XVI olhe “com interesse para as várias formas de sítios, aplicações e redes sociais que possam ajudar o homem atual não só a viver momentos de reflexão e de busca verdadeira, mas também a encontrar espaços de silêncio, ocasiões de oração, meditação ou partilha da Palavra de Deus.”

Sítios desses, há alguns, como o “Evangelho Quotidiano” e o “Passo a rezar”. Contudo, o grande teste é procurar o silêncio “off line”.

Treinados no “pensamento produtivo”, o silêncio assusta-nos. Quando calamos algum tempo agitamo-nos, sentimo-nos inúteis, e desesperamos por, ao menos, um pouco de Antena 2. Temos os músculos do “pensamento contemplativo” atrofiados e esgotamo-nos em qualquer esforço.

Em 1998 um professor de jornalismo perguntou ao então cardeal como podem os jornalistas resistir às várias pressões, e Ratzinger respondeu: “parece-me importante que possam ter com certa regularidade um descanso em que possam respirar fundo. Umas temporadas em que possam recuperar o substrato intelectual, o substrato moral, que lhes permita ordenar de novo as suas ideias.”

O silêncio regenera. O silêncio é um ingrediente das espiritualidades orientais. Para o cristianismo, o silêncio é, porém, mais do que desligar emoções e amarras para imergir no nirvana da impassibilidade.

O silêncio sonha com um inesquecível encontro com Deus. “Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o homem descobre no silêncio a possibilidade de falar com Deus e de Deus.”

E desejar isso não é desejar demais? Podemos ambicionar tanto? Bento XVI falou aos céticos em Fátima: “Deus tem o poder de chegar até nós nomeadamente através dos sentidos interiores, de modo que a alma recebe o toque suave de algo real que está para além do sensível”. Mas há uma condição: “para isso exige-se uma vigilância interior do coração que, na maior parte do tempo, não possuímos por causa da forte pressão das realidades externas e das imagens e preocupações que enchem a alma”. Torna-se crítico abrir uns minutos diários de solidão para robustecer a relação com Deus. Como? O “português médio” só em TV e net, tem muito por onde escolher.

O silêncio ajuda a abreviar a palavra e dizer o essencial. Disse Pascal: “o texto só me saiu longo, porque não tive vagar para o fazer mais curto”. Subscrevo sem relutância.

Pedro Gil, diretor Gabinete de Imprensa do Opus Dei

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