Quaresma
Cadeira
de São Pedro
Evangelho: Mc 1 12-15
12 Imediatamente o Espírito impeliu Jesus para o
deserto. 13 E permaneceu no deserto quarenta dias, sendo tentado por
Satanás. Vivia entre os animais selvagens, e os anjos O serviam. 14
Depois que João foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de
Deus 15 e dizendo: «Completou-se o tempo e aproxima-se o reino de
Deus; arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
Comentário:
Começa o Novo Tempo o Tempo do Reino.
Chegou ao fim a “vida oculta” do Salvador, a
partir de agora poderá ser encontrado pelos caminhos da Palestina, nas
Sinagogas e no Templo, na casa de amigos e outros que O convidam.
Fala com todos, responde às
perguntas mesmo aquelas que são dúbias e mal intencionadas. Rapidamente se
reúnem à Sua volta e começam a segui-lo numerosos discípulos dos quais
escolherá doze para serem os Seus mais próximos, as Suas palavras falam de um
mundo novo de justiça e paz, de amor entre os homens.
Para imitar Jesus, nosso Mestre
e Guia, é o que temos de fazer. Deixar de lado tudo - e talvez seja muito - que
não nos interessa nem convém para recomeçar uma nova vida, um tempo novo.
(ama, comentário sobre Mc 1, 12-15,
2012.02.260)
Leitura espiritual
Santíssima Virgem
Vida
de Maria (X)
A
voz do Magistério
«Depois
de terem adorado o Senhor e terem satisfeito a sua devoção, os Magos, de acordo
com o aviso recebido em sonhos, regressaram ao seu país por um caminho
diferente daquele por onde tinham vindo. Acreditando já em Cristo, não tinham
que ir, com efeito, pelo caminho da sua antiga vida, mas entrando na nova rota,
abstêm-se dos erros que tinham abandonado. Era necessário invalidar as manobras
de Herodes, que, sob o pretexto de zelo, preparava um engano ímpio sobre o
Menino Jesus.
Por
isso, ficando o seu plano desbaratado e a sua esperança iludida, a cólera do
rei inflamou-se com ardor. Recordando a data que os Magos tinham indicado,
derramou a raiva da sua crueldade sobre todas as crianças de Belém e numa
matança geral fez perecer todos os recém-nascidos da cidade, fazendo-os passar
para a glória eterna. Pensou que nenhuma criança tinha escapado da morte nesse
lugar e, por isso, que Cristo tinha também morrido. Mas Ele, que reservava para
outro tempo a efusão do Seu sangue para a redenção do mundo, tinha fugido para
o Egipto, levado pelo cuidado dos Seus pais. Restaurava assim a antiga linhagem
do povo hebreu e exercia o principado do verdadeiro José, usando de um poder e
de uma providência muito maior que a sua, pois vinha libertar os corações dos
egípcios de uma fome mais terrível do que toda a indigência, que eles sofriam
pela ausência da verdade, já que Ele veio do Céu como verdadeiro pão de vida
(cfr. Jo 6, 51). De modo que este país não seria já estranho à preparação do
mistério da única vítima, onde, pela imolação do cordeiro, tinham sido
prefigurados pela primeira vez o sinal salvador da cruz e a Páscoa do Senhor»[i].
***
«Tal
como o agir, também o sofrimento faz parte da existência humana. Este deriva,
por um lado, da nossa finitude e, por outro, do volume de culpa que se acumulou
ao longo da história e, mesmo actualmente, cresce de modo irreprimível.
Certamente
é preciso fazer tudo o possível para diminuir o sofrimento: impedir, na medida
do possível, o sofrimento dos inocentes; amenizar as dores; ajudar a superar os
sofrimentos psíquicos. Todos estes são deveres tanto da justiça como da
caridade, que se inserem nas exigências fundamentais da existência cristã e de
cada vida verdadeiramente humana. Na luta contra a dor física conseguiu-se realizar
grandes progressos; mas o sofrimento dos inocentes e inclusive os sofrimentos
psíquicos aumentaram durante os últimos decénios.
Devemos
– é verdade – fazer tudo por superar o sofrimento, mas eliminá-lo completamente
do mundo não entra nas nossas possibilidades, simplesmente porque não podemos
desfazer-nos da nossa finitude e porque nenhum de nós é capaz de eliminar o
poder do mal, da culpa que – como constatámos – é fonte contínua de sofrimento.
Isto só Deus o poderia fazer: só um Deus que pessoalmente entra na história
fazendo-Se homem e sofre nela. Nós sabemos que este Deus existe e que por isso
este poder que «tira os pecados do mundo»[ii]
está presente no mundo. Com a fé na existência deste poder, surgiu na história
a esperança da cura do mundo»[iii].
A
voz dos Padres
«Aparecido,
pois, o anjo, fala não com Maria, mas com José, e diz-lhe: Levanta-te e toma o
Menino e Sua Mãe[iv].
Ao ouvir isto, José não se escandalizou nem disse: isto parece um enigma. Tu
mesmo me dizias não há muito tempo que Ele salvaria o Seu povo, e agora não é
capaz nem de Se salvar a Si mesmo, mas temos necessidade de fugir, de
empreender uma viagem e uma longa deslocação. Isto é contrário à tua promessa.
Mas não diz nada disto, porque José é um varão fiel. Também não pergunta pelo
tempo do regresso, apesar de que o anjo o tenha deixado indeterminado, pois
tinha-lhe dito: e fica lá até que eu te avise (Ibid.). No entanto, nem por isso
entorpece, antes obedece, acredita e suporta alegremente todas as provas. É bem
verdade que Deus, que ama os homens, mistura dificuldades e doçuras, estilo que
Ele segue com todos os santos. Nem os perigos nem os consolos no-los dá
contínuos, antes de uns e outros vai Ele entretecendo a vida dos justos. Assim
fez com José»[v].
***
«Herodes
teme, os magos desejam; estes desejam encontrar o Rei, aquele temeu perder o
reino. Por último, todos O procuram: aqueles, para viver por Ele; o outro,
porque quer dar-Lhe a morte; Herodes, para cometer um grande pecado contra Ele;
os magos, para que lhes perdoe todos os seus. Herodes dá morte a muitas
crianças com a intenção de matar um determinado, e enquanto causa tão cruel e
sangrenta matança nas pessoas de tantos inocentes, é ele o primeiro a causar a
sua própria morte com tanta maldade. Entretanto, o nosso Rei, a Palavra que
ainda não fala, enquanto os magos O adoravam as crianças morriam por Ele, ou
jazia deitado ou tomava o peito, e antes de falar encontrava crentes e antes de
padecer fazia também mártires.
Oh
crianças ditosas, recém-nascidas, nunca tentados, nunca forçados a lutar e já
coroados! Duvide que fostes coroados, ao padecer por Cristo, quem pense que de
nada serve às crianças o Baptismo de Cristo. Ainda não tínheis a idade para
crer em Cristo, que havia de sofrer também a Sua paixão, mas tínheis carne em
que padecê-la por Ele, que a sofreria posteriormente. De nenhum modo a graça do
Salvador abandonaria estas crianças, o Menino que tinha vindo buscar o que se
tinha perdido, não só mediante o Seu nascimento, mas também suspenso da cruz.
Quem pôde ter como pregoeiros do seu nascimento os anjos, como proclamadores os
céus e como adoradores os magos, poderia conceder-lhes que não morressem aqui
por Ele, se soubesse que com aquela morte iam perecer e não viver numa felicidade
maior. Longe, longe de nós pensar que, vindo libertar os homens, Cristo não se
preocupasse com a recompensa para aqueles que iam morrer por Ele que, pendente
da cruz, orou inclusivamente pelos seus assassinos»[vi].
***
«Que
temes, Herodes, ao ouvir que nasceu um Rei? Ele não veio expulsar-te a ti, mas
para vencer o Maligno. Mas tu não entendes estas coisas e por isso perturbaste
e enfureces-te, e, para que não escape o que procuras, mostras-te cruel, dando
a morte a tantas crianças. Nem a dor das mães que gemem, nem o lamento dos pais
pela morte dos seus filhos, nem o choro e os gemidos das crianças te fazem
desistir do teu propósito. Matas o corpo das crianças, porque o temor te matou
em ti o coração (...).
As
crianças sem o saber, morrem por Cristo; os pais fazem luto pelos mártires.
Cristo fez Suas dignas testemunhas os que ainda não podiam falar. É esta a
maneira com reina Aquele que veio para reinar. É assim que o Libertador concede
liberdade e o Salvador dá a salvação... Oh! grande dom da graça! De quem são os
merecimentos para que triunfem assim as crianças? Ainda não falam, e já confessam
Cristo. Ainda não podem entabular batalha, valendo-se dos seus próprios
membros, e já conseguem a palma da vitória»[vii].
A
voz dos santos
«Vimos
a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Ao ouvir isto, o Rei Herodes ficou
perturbado, e com ele toda a cidade de Jerusalém[viii].
Esta cena continua a repetir-se nos nossos dias. Perante a grandeza de Deus,
perante a decisão – seriamente humana e profundamente cristã – de viver de modo
coerente com a fé, há quem fique desconcertado, e mesmo quem se escandalize,
sem nada entender. Dir-se-ia que não admitem a existência de outra realidade
para além dos seus acanhados horizontes terrenos. Em face das manifestações de
generosidade que observam no comportamento dos que ouviram o chamamento do
Senhor, sorriem com displicência, assustam-se, ou então - em casos que parecem
verdadeiramente patológicos - obstinam-se em pôr obstáculos à santa
determinação tomada por uma consciência com plena liberdade.
Já
várias vezes tive oportunidade de assistir a essa espécie de mobilização geral
contra quem se decide a dedicar toda a sua vida ao serviço de Deus e do
próximo. Há pessoas que estão convencidas que o Senhor não pode escolher quem
quer que seja sem lhes pedir primeiro autorização a eles; e de que o homem não
tem inteira liberdade para aceitar ou recusar o Amor. Para quem pensa desse
modo, a vida sobrenatural de cada alma é algo de secundário; julgam que se lhe
deve prestar atenção, mas só depois de satisfeitos os pequenos comodismos e os
egoísmos humanos (…).
Considerai
o caso de Herodes. É um poderoso da terra e tem oportunidade de recorrer à
colaboração dos sábios: convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os
escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Messias.O poder e a
ciência não o levam ao conhecimento de Deus. Para o seu coração empedernido, o
poder e a ciência são instrumentos da maldade: o desejo inútil de aniquilar
Deus, o desprezo pela vida de um punhado de crianças inocentes»[ix].
***
«Não
nos entristeçamos pela Sua morte, alegremo-nos, antes, porque receberam o
prémio merecido. Quando eles morreram entre os tormentos, Raquel, ou seja, a Mãe
Igreja, acompanhou-os com luto e lágrimas. Mas a Jerusalém celestial, que é Mãe
de todos nós, acolheu imediatamente com sinais de alegria os que tinham sido
audazes na terra e introduziu-os na glória do Seu Senhor, para que recebessem
d’Ele a coroa. Por este motivo, São João afirma que "estavam diante do
trono e diante do Cordeiro, revestidos com vestes brancas, com palmas nas suas
mãos"[x].
Agora, coroados, estão de pé diante do trono de Deus os mesmos que antes
jaziam, esmagados pelos sofrimentos, diante dos tribunais terrenos. Estão na
presença do Cordeiro e não poderão ser excluídos, por motivo algum, da
contemplação da Sua glória, do mesmo modo que aqui em baixo nenhum suplício
pôde apartá-los do amor (...). "Por isso estão diante do trono de Deus e O
servem de dia e de noite no Seu Templo"[xi].
Estar
na presença de Deus, louvá-Lo sem interrupção, não é um serviço custoso, é
antes algo muito grato e desejável; a expressão "de dia e de noite"
não significa propriamente sucessão no tempo, indica antes de modo simbólico a
perpetuidade. Nos claustros de Cristo "já não existirá a noite"[xii],
mas um dia único, mais feliz do que mil dias em qualquer outro lugar. Nesse
dia, Raquel já não chorará pelos seus filhos, pois Deus "enxugará as
lágrimas dos seus olhos"[xiii];
mas "há gritos de júbilo e de vitória nas tendas dos justos"[xiv]».[xv]
A
voz dos poetas
Desterrado
parte o Menino,
e
chora;
disse-lhe
Sua Mãe assim,
e
chora.
Calai,
meu Senhor, agora.
Ouvi
prantos de amargura,
pobreza,
temor, tristura,
águas,
ventos, noite escura,
com
que vai Nossa Senhora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
O
desterro que sofreis
é
a chave com que abris
ao
mundo que redimis,
a
cidade em que Deus mora
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Não
pode ficar nisto;
morrereis,
e não tão presto;
mas
a cruz do serás posto
me
trespassa desde agora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Calai-vos,
minha luz é aviso,
pois
que vosso Pai quis
que
sejais do paraíso
Flor
que nunca se desflora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Oh
grande Rei de minhas entranhas,
como
ides pelas montanhas,
fugindo
para terras estranhas
da
mão matadora!
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Vós
tomais esta viagem
por
guardar a homenagem
que
fizeste à linhagem
da
gente pecadora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Com
seu Filho já fugindo,
já
cansado, já temendo,
já
tremendo, já correndo
atrás
da fé, sua guia,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Chora
o Menino do látego,
da
água e do desabrigo
com
a Mãe, que é testemunha,
nossa
luz que ilumina,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Oh
os que vão caminhando,
temendo
e atrás mirando
se
os ia já alcançando
a
gente perseguidora!
E
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
À
Virgem sem mancha
a
verde palma se humilha,
em
sinal de maravilha,
que
é do céu imperadora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Este
frio não Vos fatigue,
nem
Herodes, que vos persegue,
pelo
grande bem que se segue
desta
vida penosa,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Pela
ira herodiana
que
sofreis, Filho, de gana,
dai
a glória soberana
ao
que tal desterro adora
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Estando
o Menino nos seus braços,
faixazinha
de retalhos,
desfizeram-se
em mil pedaços
os
ídolos a destempo
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
¡Oh
se soubesses, Egipto,
quanto
já és bendito
pelo
tesouro infinito
que
hoje em ti se entesoura!
E
chora;
calai,
meu Senhor, agora.[xvi]
ambrósio de montesino (século XV), Cancionero.
[i] são leão magno, Papa século V, Homilia 3 na solenidade da Epifania.
[iii] bento xvi século XXI, Carta encíclica Spe salvi, 30-XI-2007,
n. 36.
[v] são joão crisóstomo século IV, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus,
8, 3.
[vi] santo agostinho séculos IV-V, Sermão 373, 2-3.
[vii] são quodvultdeus século V, Sermão 2, sobre o Símbolo.
[ix] são josemaria século XX, Cristo que passa, n. 33.
[xv] são beda o venerável séculos VII-VIII, Homilia sobre os Santos Inocentes 1, 10.
[xvi] ambrósio de montesino século XV, Cancionero.