Art.
2 — Se Cristo estava sujeito a si próprio.
O segundo discute-se assim. — Parece
que Cristo não estava sujeito a si próprio.
1. — Pois, diz Cirilo, numa Epístola
aceita pelo Sínodo Efesino: Não era
Cristo seu próprio servo nem senhor. E assim, é fátuo, e ainda mais, impio,
senti-lo e dizê-lo, O que também afirma Damasceno quando diz: O mesmo ser, Cristo, não podia ser servo e
senhor de si mesmo. Ora, Cristo é chamado servo do Pai enquanto lhe está
sujeito. Logo, Cristo não estava sujeito a si mesmo.
2. Demais. — O servo supõe o senhor.
Ora, não pode haver relação de um ser para consigo mesmo e por isso diz
Hilário, que nada é semelhante ou igual a si mesmo. Logo, não podemos dizer que
Cristo fosse senhor de si mesmo. E por consequência, nem que a si próprio
estivesse sujeito.
3. Demais. — Assim como a alma
racional e a carne constituem um só homem, assim Deus e o homem constituem um
só Cristo, no dizer de Atanásio. Ora, não dizemos, de ninguém, que esteja
sujeito a si mesmo ou seja servo de si mesmo ou seja maior que si mesmo, pelo
facto de ter o corpo sujeito à alma. Logo, nem que Cristo fosse sujeito a si
mesmo, pelo facto de ser a sua humanidade sujeita à divindade.
Mas, em contrário, Agostinho diz: A verdade mostra, deste modo, isto é, pelo
qual o Pai é maior que Cristo segundo a natureza humana, que o Filho é menor
que si próprio.
Demais. — Como Agostinho argumenta no
mesmo lugar, o Filho de Deus recebeu a
forma de servo mas de modo a não perder a forma de Deus. Ora, pela forma de
Deus, comum ao Pai e ao Filho, o Pai é maior que o Filho segundo a natureza
humana. Logo, também o Filho é maior que si próprio segundo a natureza humana.
Demais. — Cristo, segundo a natureza
humana, é servo de Deus Pai, conforme o Evangelho. Vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus. Ora, quem
é servo do Pai é-o também do Filho, de contrário, nem tudo o que é do Pai seria
do Filho. Logo, Cristo é servo de si mesmo e a si mesmo sujeito.
Como dissemos, ser senhor e
servo é atributo da pessoa ou da hipóstase, segundo uma certa natureza. Quando,
pois, dizemos que Cristo é Senhor ou servo de si mesmo, ou que o Verbo de Deus
é Senhor do homem Cristo, podemos entender essas expressões de dois modos. -
Num sentido aplicam-se em razão de uma hipóstase ou pessoa, como se uma seja a
Pessoa do Verbo de Deus, como senhor, e outra a do homem, como servo, o que
constitui a heresia de Nestório. Por isso, na condenação de Nestório, diz o Sínodo
Efesino: Quem disser que é Deus ou Senhor
o Verbo de Cristo, procedente de Deus Pai, e não o confessar simultaneamente
como Deus é homem, por ter o Verbo sido feito carne, segundo as Escrituras,
seja anátema. E é nesse sentido que o negam Cirilo e Damasceno, devendo-se
no mesmo sentido negar que Cristo fosse menor que si próprio, ou a si próprio
sujeito. — De outro modo podemos entender as referidas expressões relativamente
à diversidade de naturezas numa mesma Pessoa ou hipóstase. E então podemos
dizer, relativamente a uma delas, na qual convém com o Pai, que Cristo, simultaneamente
com o Pai é senhor e domina, relativamente porém à outra natureza, na qual
convém connosco, está sujeito e serve. E, neste sentido, Agostinho diz ser o
Filho menor que si próprio.
É mister porém saber que, sendo o nome
de Cristo um nome de Pessoa, como o é o nome de Filho, podemos atribuir a
Cristo, essencial e absolutamente falando, o que lhe convém em razão da sua
Pessoa, que é eterna, e sobretudo essas relações consideradas como mais
propriamente pertencentes à pessoa ou à hipóstase. Ao passo que o que lhe
convém segundo a natureza humana, devemos, antes, atribuir-lhe com restrição.
Assim, podemos dizer que Cristo é, absolutamente falando, Máximo, Senhor e
Chefe, mas o ser sujeito ou servo ou menor devemos atribuir-lhe com restrição,
isto é, segundo a natureza humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Cirilo e Damasceno negam que Cristo fosse Senhor de si mesmo, se isso
importar pluralidade de supostos, necessária para alguém ser senhor de si
mesmo, absolutamente falando.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Absolutamente
falando, é necessário que o senhor seja diferente do servo, pode porém o domínio
e a servidão revestirem-se de um algum aspecto, de modo que possa alguém ser
senhor e servo de si mesmo, a diversas luzes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Por causa das
partes diversas do homem, das quais uma é superior e outra inferior, diz também
o Filósofo, que pode haver justiça do homem para consigo mesmo, quando o irascível
e o concupiscível obedecem à razão. E assim, desse modo, pode um homem
considerar-se sujeito a si mesmo e de si mesmo servidor, conforme as suas
partes diversas.
As RESPOSTAS aos outros argumentos
resultam claras do que ficou dito. — Assim, Agostinho afirma que o Filho é
menor que si próprio, ou a si mesmo sujeito, segundo a natureza humana, não
segundo a diversidade de supostos.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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