Tempo Comum II Semana
Evangelho: Jo 1 35-42
35 No dia seguinte, João lá estava
novamente com dois dos seus discípulos. 36 Vendo Jesus que passava, disse: «Eis
o Cordeiro de Deus». 37 Ouvindo as suas palavras, os dois discípulos seguiram
Jesus. 38 Jesus, voltando-Se para trás, e vendo que O seguiam, disse-lhes: «Que
buscais?». Eles disseram-Lhe: «Rabi (que quer dizer Mestre), onde habitas?». 39
Jesus disse-lhes: «Vinde ver». Foram, viram onde habitava e ficaram com Ele
aquele dia. Era então quase a hora décima. 40 André, irmão de Simão Pedro, era
um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que tinham seguido Jesus. 41
Encontrou ele primeiro seu irmão Simão e disse-lhe: «Encontrámos o Messias»,
que quer dizer Cristo. 42 Levou-o a Jesus. Jesus, fixando nele o olhar, disse:
«Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas», que quer dizer Pedra.
Comentário:
Nunca
se esquece o momento em que a nossa vida deu como que uma reviravolta, conheceu
um novo rumo, se alterou definitivamente!
João,
jamais esquecerá o primeiro encontro a sós com Jesus Cristo, e refere a hora em
que tal sucedeu.
Assim
nós, cristãos vulgares e correntes, deveríamos ter bem gravados os momentos
principais da nossa vida de cristãos: a data do nosso Baptismo, da nossa
Primeira Comunhão e, talvez nalgum caso, quando aceitámos decididamente o que
sabíamos ser um convite do Senhor para algo mais específico.
(ama,
comentário sobre Jo 1, 35-42, 2013.01.04)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Temas actuais do
cristianismo [i]
12
Uma
característica de toda a vida cristã - seja qual for o caminho através do qual
se realize - é a “dignidade e a liberdade dos filhos de Deus”. A que se refere,
pois, quando ao longo de todos os seus ensinamentos defende tão insistentemente
a liberdade dos leigos?
Refiro-me
precisamente à liberdade pessoal que os leigos têm para tomar, à luz dos
princípios enunciados pelo Magistério, todas as decisões concretas de ordem
teórica ou prática - por exemplo, em relação às diversas opiniões filosóficas,
económicas ou políticas, às correntes artísticas e culturais, aos problemas da
sua vida profissional ou social, etc. - que cada um julgue em consciência mais
convenientes e mais de acordo com as suas convicções pessoais e aptidões humanas.
Este
necessário âmbito de autonomia que o leigo católico necessita para não ficar
capitidiminuído perante os outros leigos, e para poder levar a cabo, com
eficácia, a sua peculiar tarefa apostólica no meio das realidades temporais,
deve ser sempre cuidadosamente respeitado por todos os que na Igreja exercemos
o sacerdócio ministerial. A não ser assim - se se pretendesse instrumentalizar
o leigo para fins que ultrapassam os que são próprios do ministério hierárquico
- incorrer-se-ia num anacrónico e lamentável clericalísmo. Limitar-se-iam
enormemente as possibilidades apostólicas do laicado - condenando-o a perpétua
imaturidade -, mas sobretudo pôr-se-iam em perigo - hoje, especialmente - os
próprios conceitos de autoridade e de unidade na Igreja. Não podemos esquecer
que a existência, também entre os católicos, de um autêntico pluralismo de
critério e de opinião, nas coisas que Deus deixou à livre discussão dos homens,
não só se não opõe à ordenação hierárquica e à necessária unidade do Povo de
Deus, mas ainda as robustece e as defende contra possíveis impurezas.
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Sendo
tão diversas na sua realização prática a vocação do leigo e a do religioso -
ainda que tenham de comum, evidentemente, a vocação cristã -, como é possível
que os religiosos, nas suas actividades docentes, etc., possam formar os
cristãos correntes num caminho verdadeiramente laical?
Será
possível na medida em que os religiosos - cuja benemérita actividade ao serviço
da Igreja admiro sinceramente - se esforcem por compreender bem quais são as
características e as exigências da vocação laical para a santidade e o
apostolado no meio do mundo, e as queiram e saibam ensinar aos alunos.
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Com
certa frequência ao falar do laicado, costuma-se esquecer a realidade da
presença da mulher e com isto esfuma-se o seu papel na Igreja. Igualmente, ao
tratar-se da “promoção social da mulher”, é costume entendê-la simplesmente
como presença da mulher na vida pública. Poderia dizer-nos como entende a
missão da mulher na Igreja e no mundo?
Não
vejo nenhuma razão pela qual, ao falar do laicado, - da sua vida apostólica, de
direitos e deveres, etc. - se deva fazer qualquer espécie de distinção ou
discriminação em relação à mulher. Todos os baptizados - homens e mulheres -
participam igualmente da comum dignidade, liberdade e responsabilidade dos
filhos de Deus. Na Igreja existe esta unidade radical e necessária que já São
Paulo ensinava aos primeiros cristãos: Quicumque enim in Christo baptizati
estis, Christum induistis. Non est Judaeus, neque Graecus: non est servus,
neque liber. non est masculus, neque femina (Gal. 3, 27-28); não há judeu, nem
grego; não há servo, nem livre, não há homem, nem mulher.
Exceptuando
a capacidade jurídica de receber ordens sagradas - distinção que por muitas
razões, também de direito divino positivo, considero que se deve reter -, penso
que se devem reconhecer plenamente à mulher na Igreja - na sua legislação, na
sua vida interna e na sua acção apostólica - os mesmos direitos e deveres que
aos homens: direito ao apostolado, a fundar e a dirigir associações, a
manifestar responsavelmente a sua opinião em tudo o que se refira ao bem comum
da Igreja, etc. Bem sei que tudo isto - que teoricamente não é difícil de
admitir se se considerarem as claras razões teológicas que o apoiam - encontrará,
de facto resistência por parte de algumas mentalidades. Ainda recordo o
assombro e até a crítica com que determinadas pessoas - que, agora, pelo
contrário, tendem a imitar, nisto como em tantas outras coisas - comentaram o
facto de o Opus Dei procurar que adquirissem graus académicos em ciências
sagradas também as mulheres que pertencem à Secção feminina da nossa
Associação.
Penso,
no entanto, que estas resistências e reticências irão caindo a pouco e pouco.
No fundo é só um problema de compreensão eclesiológica: reparar que a Igreja
não é formada só pelos clérigos e religiosos, mas que também os leigos - homens
e mulheres - são Povo de Deus e têm, por direito divino, uma missão e
responsabilidade próprias.
Mas
desejaria acrescentar que, a meu ver, a igualdade essencial entre o homem e a
mulher exige precisamente que se saibam captar ao mesmo tempo os papéis
complementares de um e outro na edificação da Igreja e no progresso da
sociedade civil: porque não foi em vão que os criou Deus homem e mulher. Esta
diversidade há-de compreender-se não num sentido patriarcal, mas em toda a
profundidade que tem, tão rica de matizes e consequências, que liberta o homem
da tentação de masculinizar a Igreja e a sociedade, e a mulher de entender a
sua missão, no Povo de Deus e no mundo, como uma simples reivindicação de
actividades até agora apenas realizadas pelo homem, mas que ela pode
desempenhar igualmente bem. Parece-me, pois, que tanto o homem como a mulher se
hão-de sentir justamente protagonistas da história da salvação, mas um e outro
de forma complementar.
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Tem-se
notado que, embora a primeira versão de “Caminho” tenha sido editada em 1934,
contém muitas ideias que então foram consideradas “heréticas” por alguns, e
hoje figuram nos textos do Concílio Vaticano II. Que nos pode dizer sobre isto?
Que pontos são esses?
Disto,
se mo permite, trataremos devagar noutra ocasião, mais adiante. Por agora,
limito-me a dizer-lhe que dou muitas graças ao Senhor que também se serviu
dessas edições de “Caminho”, em tantas línguas e em tantos exemplares - já
passam de dois milhões e meio -, para inculcar no entendimento e na vida de
pessoas de raças e línguas muito diversas, essas verdades cristãs, que haviam
de vir a ser confirmadas pelo Concílio Vaticano II, levando a paz e a alegria a
milhões de cristãos e não cristãos.
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Sabemos
que, desde há muitos anos, tem uma especial preocupação pela formação
espiritual e humana dos sacerdotes, sobretudo do clero diocesano, manifestada,
enquanto lhe foi possível, por uma intensa actividade de pregação e de direcção
espiritual entre eles. E também, a partir de determinado momento, pela
possibilidade de que - permanecendo plenamente diocesanos e com a mesma
dependência dos Ordinários - fizessem parte da Obra aqueles que sentissem esse
chamamento. Interessar-nos-ia saber as circunstâncias da vida eclesiástica que
- à parte outras razões - motivaram essa sua preocupação. E, por outro lado,
poderá dizer-nos de que modo essa actividade tem podido e pode ajudar a
resolver alguns problemas do clero diocesano ou da vida eclesiástica?
As
circunstâncias da vida eclesiástica que motivaram e motivam essa minha
preocupação e esse trabalho - já institucionalizado - da Obra, não são
circunstâncias de carácter mais ou menos acidental ou transitório, mas sim
exigências permanentes de ordem espiritual e humana, intimamente unidas à vida
e ao trabalho do sacerdote diocesano. Refiro-me fundamentalmente à necessidade
que ele tem de ser ajudado - com espírito e meios que em nada modifiquem a sua
condição diocesana - a procurar a sua santificação pessoal no exercício do seu
próprio ministério. Assim poderá corresponder, com espírito sempre jovem e
generosidade cada vez maior, à graça da vocação divina que recebeu, e saberá
prevenir-se com prudência e prontidão contra as possíveis crises espirituais e
humanas a que facilmente podem dar lugar factores diversos: solidão,
dificuldades de ambiente, indiferença, aparente falta de eficácia do trabalho,
rotina, cansaço, despreocupação por manter e aperfeiçoar a sua formação
intelectual, e até - esta é a origem profunda das crises de obediência e de
unidade - pouca visão sobrenatural das relações com o Ordinário e inclusivamente
com os seus outros irmãos no sacerdócio.
Os
sacerdotes diocesanos que - no uso legítimo do direito de associação - se
adscrevem à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz[*], fazem-no única e
exclusivamente porque desejam receber essa ajuda espiritual pessoal, de maneira
absolutamente compatível com os seus deveres de estado e ministério: doutro
modo, essa ajuda não seria ajuda, mas sim complicação, estorvo e desordem.
O
espírito do Opus Dei, com efeito, tem como característica essencial o facto de
não tirar ninguém do seu lugar - unusquisque, in qua vocatione vocatus est, in
ea permaneat (1 Cor. 7, 20) - mas, pelo contrário, de levar cada um a cumprir
os encargos e deveres do seu próprio estado, da sua missão na Igreja e na
sociedade civil, com a maior perfeição possível. Por isso, quando um sacerdote
se adscreve à Obra, não abandona nem modifica em nada a sua vocação diocesana -
dedicação ao serviço da Igreja local a que está incardinado, plena dependência
do Ordinário próprio, espiritualidade secular, união com os outros sacerdotes,
etc. Pelo contrário, compromete-se a viver essa vocação com plenitude, porque
sabe que deve procurar a perfeição precisamente no próprio exercício das suas
obrigações sacerdotais, como sacerdote diocesano.
Este
princípio tem, na nossa Associação, uma série de aplicações práticas de ordem
jurídica e ascética, que seria longo pormenorizar. Direi só, como exemplo, que
- diferentemente de outras Associações nas quais se exige um voto ou promessa
de obediência ao Superior interno - a dependência dos sacerdotes diocesanos
adscritos ao Opus Dei não é uma dependência de regime, já que não há uma
hierarquia interna para eles, nem, portanto, perigo de duplo vínculo de obediência,
mas antes uma relação voluntária de ajuda e assistência espiritual.
O
que estes sacerdotes encontram no Opus Dei é, sobre tudo, a ajuda ascética
continuada que desejam receber, dentro de uma espiritualidade secular e
diocesana, e independentemente das mudanças pessoais e circunstanciais que se
possam verificar no governo da respectiva Igreja local. Juntam assim à direcção
espiritual colectiva que o Bispo dá com a sua pregação, as suas cartas
pastorais, reuniões, instruções disciplinares, etc., uma direcção espiritual
pessoal, solícita e contínua em qualquer lugar onde se encontrem, que completa
- respeitando-a sempre, como um dever grave - a direcção comum ministrada pelo
próprio Bispo. Através dessa direcção espiritual pessoal - tão recomendada pelo
Concílio Vaticano II e pelo Magistério ordinário - fomenta-se no sacerdote a
vida de piedade, a caridade pastoral, a formação doutrinal continuada, o zelo
pelos apostolados diocesanos, o amor e a obediência que devem ao Ordinário
próprio, a preocupação pelas vocações sacerdotais e pelo seminário, etc.
E
para quem são os frutos de todo este trabalho? São para as Igrejas locais que
estes sacerdotes servem. E com isto se alegra a minha alma de sacerdote
diocesano, que tem tido, além disso, repetidas vezes, a consolação de ver com
que carinho o Papa e os Bispos abençoam, desejam e favorecem esse trabalho.
[*]
A Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz é uma Associação própria, intrínseca e
inseparável da Prelatura. É constituída pelos clérigos incardinados no Opus Dei
e por outros sacerdotes ou diáconos, incardinados em diversas dioceses. Esses
sacerdotes e diáconos não formam parte do clero da prelatura, pois pertencem ao
presbitério das suas dioceses respectivas e dependem exclusivamente do seu Ordinário
como Superior. Associam-se à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz para procurar a
sua santificação, segundo o espírito e a praxe ascética do Opus Dei. O Prelado
do Opus Dei é, ao mesmo tempo, Presidente Geral da Sociedade Sacerdotal da
Santa Cruz.
17
Em
diversas ocasiões, e ao referir-se ao começo da vida do Opus Dei, tem dito que
unicamente possuía “juventude, graça de Deus e bom humor”. Aliás, na década de
vinte a doutrina do laicado ainda não tinha alcançado o desenvolvimento que
actualmente presenciamos. No entanto, o Opus Dei é um fenómeno palpável na vida
da Igreja. Poderia explicar-nos como, sendo um sacerdote jovem, pôde ter uma
compreensão tal que lhe permitisse realizar este empreendimento?
Eu
não tive nem tenho outro empenho senão o de cumprir a vontade de Deus:
permita-me que não desça a mais pormenores sobre o começo da Obra - que o Amor
de Deus me fazia pressentir desde o ano de 1917 -, porque estão intimamente
unidos com a história da minha alma e pertencem à minha vida interior. A única
coisa que lhe posso dizer é que actuei, em todos os momentos, com a vénia e com
a afectuosa bênção do queridíssimo Bispo de Madrid, onde nasceu o Opus Dei no
dia 2 de Outubro de 1928. Mais tarde, sempre também com o beneplácito e o
alento da Santa Sé, e, em cada caso, dos Rev.mos Ordinários dos locais onde
trabalhamos.
18
Há
quem, perante a presença de leigos do Opus Dei em lugares influentes da
sociedade espanhola, fale da influência do Opus Dei em Espanha. Poderia
explicar-nos qual é essa influência?
Incomoda-me
profundamente tudo quanto possa parecer auto-elogio. Mas penso que não seria
humildade, mas cegueira e ingratidão para com o Senhor - que tão generosamente
abençoa o nosso trabalho -, não reconhecer que o Opus Dei tem real influência
na sociedade espanhola. No ambiente dos países onde a Obra já trabalha há bastantes
anos - em Espanha, concretamente, há trinta e nove, porque foi da vontade de
Deus que a nossa Associação aqui nascesse para a vida da Igreja - é lógico que
esse influxo já tenha relevância social, paralelamente ao desenvolvimento
progressivo do trabalho.
De
que natureza é essa influência? É evidente que, sendo o Opus Dei uma Associação
de fins espirituais, apostólicos, a natureza do seu influxo - em Espanha tal
como nas outras nações onde trabalhamos - não pode ser senão desse tipo: uma
influência espiritual, apostólica. Tal corno sucede com a totalidade da Igreja
- alma do mundo -, o influxo do Opus Dei na sociedade civil não é de carácter
temporal - social, político, económico, etc. - embora na realidade venha a ter
repercussão nos aspectos éticos de todas as actividades humanas; é, sim, um
influxo de ordem diversa e superior, que se exprime com um verbo preciso:
santificar
E
isto leva-nos ao tema das pessoas do Opus Dei que na sua pergunta classificou
de influentes. Para uma Associação que tenha como fim fazer política, serão
influentes aqueles dos seus membros que ocuparem um lugar no parlamento ou no
conselho de ministros. Se a Associação é cultural, há-de considerar influentes
os seus membros que forem filósofos de fama, ou prémios nacionais de
literatura, etc. Se a Associação, pelo contrário, se propõe - como é o caso do
Opus Dei - santificar o trabalho ordinário dos homens, seja ele material ou intelectual,
é evidente que deverão considerar-se influentes todos os membros: porque todos
trabalham - o genérico dever humano de trabalhar encontra na Obra especiais
ressonâncias disciplinares e ascéticas - e porque todos procuram realizar o seu
trabalho - seja ele qual for - santamente, cristãmente, com desejo de
perfeição. Por isso, para mim, tão influente - tão importante, tão necessário -
é o testemunho de um dos meus filhos que seja mineiro, entre os seus
companheiros de trabalho, como o de um que seja reitor de universidade, entre
os outros professores do claustro académico.
(cont)
[i] Entrevista
realizada por Pedro Rodríguez, publicada em Palabra (Madrid), Outubro de 1967