Páscoa
Evangelho:
Jo 16, 12-15
12
Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender agora. 13
Quando vier, porém, o Espírito da Verdade, Ele vos guiará no caminho da verdade
total, porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e
anunciar-vos-á as coisas que estão para vir. 14 Ele Me glorificará, porque
receberá do que é Meu e vo-lo anunciará. 15 Tudo quanto o Pai tem é Meu. Por
isso Eu vos disse que Ele receberá do que é Meu e vo-lo anunciará.
Comentário:
O Espírito Santo não virá dizer-nos coisas
diferentes das que Jesus Cristo nos disse.
Mas, então, porque se dará essa
compreensão mas almas que em muitos casos, parece faltar aos que ouvem Jesus?
Porque traz consigo os seus Dons,
nomeadamente os de ciência e de entendimento que abrirão as inteligências e
ajudarão as almas a compreender e, compreendendo, a acreditar.
(ama,
comentário sobre Jo 16, 12-15, 2013.05.26)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO-TERCEIRO
CAPÍTULO
XXII
Sentido
místico da criação do homem
Assim, Senhor, nosso Deus
e nosso Criador, quando os nossos afectos mundanos, que nos causam a morte
porque nos faziam viver mal, se afastarem do amor do mundo, quando a nossa alma,
vivendo bem, se tornar alma viva, e quando se cumprir a palavra que proferiste
pela boca do teu Apóstolo: “Não vos conformeis com o mundo em que vivemos” –
então seguir-se-á aquilo que acrescentaste imediatamente ao dizer: “Mas
reformai-vos na novidade de vossa mente”. – E já não será “segundo a vossa
espécie” – como se fosse imitar os nossos predecessores ou viver seguindo os
exemplos de alguém melhor que nós. Não disseste: “Que o homem seja feito de acordo
com a sua espécie” – mas “façamos o homem à nossa imagem e semelhança” – para
que pudéssemos reconhecer a tua vontade. Para tanto, o divulgador do teu
pensamento, que gerou filhos pelo Evangelho, não querendo que continuassem como
crianças os que alimentara com leite e agasalhara no teu seio como uma ama,
dizia: “Reformai-vos renovando o vosso coração, para discernir a vontade de
Deus, que é bom, agradável e perfeito”. – Também não dizes: “Faça-se o homem” –
mas “à nossa imagem e semelhança”. Aquele que é renovado no espírito, que compreende
e conhece tua verdade, não mais carece que um outro lhe ensine a imitar a sua espécie.
Graças às tuas lições, ele reconhece por si qual é a tua vontade, o que é bom,
agradável e perfeito. Tu ensinas-lhe, pois agora é capaz deste ensinamento, a
ver a Trindade da Unidade e a Unidade da Trindade. Eis por que, depois de falar
no plural: “Façamos o homem” se diz no singular: “E Deus criou o homem”. Depois
deste plural: “À nossa imagem” – este singular: “À imagem de Deus”. Assim o
homem “se renova pelo conhecimento de Deus, à imagem do seu criador” – e
“tornando-se espiritual, julga todas as coisas”, que certamente hão-de ser
julgadas, “mas ele não é julgado por ninguém”.
CAPÍTULO
XXIII
O
julgamento do homem espiritual
Ele julga tudo, significa
que tem autoridade sobre os peixes do mar, sobre os pássaros do céu, sobre os
animais domésticos e selvagens, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que
nela se arrastam. Exerce esse poder pela inteligência, pela qual percebe as
coisas que são do Espírito de Deus. Mas, elevado a tão grande honra, o homem
não entendeu a sua dignidade, igualou-se aos jumentos insensatos, tornando-se
semelhante a eles.
Por isso, na tua Igreja,
Senhor, pela graça que lhe concedeste – pois somos obra tua, e criados para
obras boas, tanto os que governam como os que obedecem segundo o Espírito tem o
dom de julgar. Porque assim fizeste a criatura humana homem e mulher, na tua
graça espiritual, onde não há distinção conforme o sexo, nem judeu nem grego,
nem escravo nem homem livre. Os espirituais, portanto, tanto os que presidem
como os que obedecem, julgam espiritualmente. Eles não julgam conhecimentos
espirituais que brilham no firmamento, pois não lhes cabe fazer juízos sobre
tão sublime autoridade. Nem julgam a tua Escritura, mesmo nas suas passagens
obscuras nós lhe submetemos a nossa inteligência, e temos certeza de que até
aquilo que está oculto à nossa compreensão é justo e verdadeiro. O homem, pois,
embora já espiritual e renovado pelo conhecimento, conforme a imagem do seu
criador, deve ser cumpridor da lei, e não seu juiz. Nem pode ajuizar sobre o
que distingue espirituais e carnais. Somente os teus olhos, meu Senhor, os distinguem,
mesmo que nenhuma obra sua os tenha revelado a nós, para que os reconheçamos pelos
seus frutos. Mas tu, Senhor, já os conheces e os classificaste, e os chamaste
no segredo de teu pensamento, antes de ter criado o firmamento.
Tampouco julga, o homem
espiritual, os povos inquietos deste mundo. De facto, porque julgaria ele os
que estão fora, ignorando quem alcançará a doçura da tua graça, e quem permanecerá
na eterna amargura da impiedade?
Por isso, o homem que
criaste à tua imagem, não recebeu poder sobre os astros do céu, nem sobre o
mesmo céu misterioso, nem sobre o dia e a noite que chamaste à existência antes
da criação do céu, nem sobre a massa das águas, que é o mar. Mas recebeu poder
sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre todos os animais, sobre
toda a terra, e sobre tudo o que se arrasta pela superfície do solo.
Ele julga e aprova o que
acha bom, e reprova o que acha mau, quer na celebração dos sacramentos, com que
são iniciados os que na tua misericórdia tira das águas profundas, quer no banquete
em que se serve o peixe tirado das profundezas para alimento da terra fiel; quer
nas palavras e expressões sujeitas à autoridade do teu Livro que, semelhantes
aos pássaros, voam sob o firmamento: interpretações, exposições, discussões,
bênçãos e invocações que brotam sonoras da boca, para que o povo responda:
Amém! É necessário que essas palavras sejam enunciadas fisicamente, por causa
do abismo do mundo e da cegueira da carne que, impossibilitada de ver o pensamento,
tem necessidade de sons que firam os ouvidos. Assim, sem dúvida é sobre a terra
que as aves se multiplicam, embora tenham as suas origens na água.
O homem espiritual julga
também aprovando o que acha correcto e reprovando o que é vicioso nas obras e
nos costumes dos fiéis. Julga as suas esmolas, comparáveis aos frutos da terra;
julga a alma viva pelas paixões domadas pela castidade, os jejuns, e pelos
pensamentos piedosos, na medida em que essas coisas se manifestam aos sentidos
do corpo. Em resumo, é juiz de tudo o que pode se corrigir.
CAPÍTULO
XXIV
Crescei
e multiplicai-vos
Mas que é isto? Que
mistério é este? Abençoas os homens, Senhor, para que eles cresçam, se
multipliquem, e encham a terra. Não queres nisto dar-nos a entender alguma
coisa?
Por que não abençoaste
também a luz, que chamaste dia, nem a terra, nem o mar? Eu diria, meu Deus, que
nos criaste à tua imagem, diria que quiseste conceder especialmente ao homem
esta bênção, se não tivesses abençoado igualmente os peixes e os cetáceos, para
que cresçam, se multipliquem, encham as águas do mar, e os pássaros para que se
multipliquem sobre a terra.
Afirmaria ainda que essa
bênção foi reservada às espécies vivas que se reproduzem por meio de geração,
caso a encontrasse também nas árvores, nas plantas, nos animais da terra. Mas não
foi dito nem às plantas, nem às árvores, nem aos répteis: “Crescei e multiplicai-vos”
– embora todas essas criaturas se multipliquem pela procriação, como os peixes,
os pássaros e os homens, conservando assim a sua espécie.
Quer dizer, então, ó minha
Luz, ó Verdade? Que tais palavras carecem de senso e foram ditas em vão? De
nenhum modo, ó Pai de misericórdia. Longe de mim, longe do servidor do teu Verbo,
uma tal afirmação! Apenas não compreendo o sentido dessas palavras, e espero
que os melhores que eu, ou seja, os mais inteligentes, a entendam melhor,
segundo a sabedoria que deste, meu Deus, a cada um. Que te agrade ao menos a
confissão, que faço diante de ti, da minha certeza de que não disseste em vão
aquelas palavras.
Não calarei as reflexões
que, a leitura dessas palavras, me sugerem. O que penso é verdadeiro, e nada
vejo que impeça de explicar assim os textos figurados dos teus livros. Sei que sinais
corporais podem exprimir de vários modos uma ideia que o espírito concebe em um
só sentido; uma ideia expressa de um só modo. Como exemplo, cito a simples ideia
do amor de Deus e do próximo. Quantos símbolos, quantas línguas, e em cada uma,
inúmeras locuções lhe dão uma expressão concreta! É assim que crescem e se
multiplicam os peixes das águas.
E note ainda nisto, meu
leitor. Há uma frase que a Escritura declara de uma só forma, e que a voz fala
apenas dessa maneira: “No princípio criou Deus o céu e a terra” – E não pode a frase
ser interpretada diversamente – descartando o erro ou o sofisma – conforme os
diversos pontos de vista legítimos? É assim que crescem e se multiplicam as
gerações dos homens!
Se consideramos a natureza
das coisas, não alegoricamente, mas em sentido próprio, a sentença: “Crescei e
multiplicai-vos” –aplica-se a todas as criaturas que nascem de uma semente. Se,
ao contrário, a interpretamos em sentido figurado, como penso que foi a
intenção da Escritura, que não limita inutilmente essa bênção aos peixes e aos
homens, encontramos então multidões de criaturas espirituais e temporais, como
no céu e na terra; de almas justas e injustas, como na luz e nas trevas; de
escritores sagrados que nos anunciaram a Lei, como no firmamento estabelecido
entre as águas; na sociedade amargurada dos povos, como no mar; no zelo das almas
piedosas, como em terra enxuta; nas obras de misericórdia praticadas nesta
vida, como nas plantas que nascem de semente e nas árvore frutíferas; nos dons
espirituais concedidos para o bem de todos, como nos luminares do céu; nas
paixões dominadas pela temperança, como na alma viva. Em todas essas coisas
encontramos multidões, fecundidade, crescimento. Mas que esse crescimento e
essa proliferação exprimam uma mesma ideia de vários modos e que uma só expressão
possa ser entendida de muitas maneiras, esse facto, apenas o encontramos nos
sinais sensíveis e nos conceitos intelectuais.
Os sinais corpóreos,
originados da profundidade da nossa cegueira carnal, correspondem, segundo
penso, às gerações das águas; os conceitos intelectuais, gerados pela
fecundidade da inteligência, simbolizam, parece-me, as gerações humanas.
E é por isso, Senhor, que creio
que disseste tanto às águas como aos homens: “Crescei e multiplicai-vos” –
Nessa bênção, penso que nos deste a faculdade, o poder de formular de várias maneiras
uma única ideia, e de compreender também de muitas maneiras uma expressão
única, mas obscura.
É assim que as águas do
mar se povoam, e não se moveriam sem as várias interpretações das palavras. É
assim que a terra se povoa de gerações humanas; a sua aridez fecunda-se pela
sua paixão da verdade, sob o poder da razão.
CAPÍTULO
XXV
Os
frutos da terra
Quero ainda dizer, Senhor
meu Deus, o que me inspiram as palavras que seguem da tua Escritura. E o farei
sem medo, porque direi a verdade; pois não vem de ti, por acaso, a inspiração do
que queres que eu diga? Não creio que possa dizer a verdade se tu não me inspirares,
pois tu és a própria verdade, e todo homem é mentiroso. Por isto, quem mente
fala do que é seu. Logo, para falar a verdade, só falarei o que me inspiras.
Tu deste-nos para alimento
todas as ervas que produzem semente e que cobrem a terra, e todas as árvores
que contém em si, em germe, os seus frutos. E não foi somente a nós que deste esse
alimento, mas também às aves do céu, aos animais da terra e aos répteis, mas
não aos peixes e aos grandes cetáceos. Dizíamos que esses frutos da terra
significam e representam alegoricamente as obras de misericórdia, que a terra
fecunda produz para as necessidades desta vida. Era semelhante a uma terra
assim o piedoso Onesíforo, cuja casa recebeu a graça da tua misericórdia,
porque muitas vezes assistira a teu Paulo, sem se envergonhar por suas cadeias.
É o mesmo que fizeram os
irmãos que, de Macedónia, lhe forneceram o que lhe era necessário, produzindo
também abundante fruto. E contudo, o Apóstolo queixa-se de certas árvores que não
lhe tinham dado o fruto devido, quando escreve: “na minha primeira defesa ninguém
me assistiu; todos me abandonaram. Que isto não lhes seja imputado!” – Tais
frutos são devidos aos que nos ministram doutrina racional, ajudando-nos a
compreender os mistérios divinos. E nós lhes devemos exemplos de todas as
virtudes; e também lhes devemos os frutos como a pássaros do céu, por causa das
bênçãos que distribuem abundantemente sobre a terra, pois sua voz se fez ouvir
por toda a terra.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)