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Leitura Espiritual
Cristo que passa |
São Josemaria Escrivá
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O pão e a ceifa: comunhão
com todos os homens
Jesus, dizia-vos no
começo, é o semeador.
E por intermédio dos
cristãos continua a sua sementeira divina.
Cristo aperta o trigo nas
suas mãos chagadas, embebe-o com o seu sangue, limpa-o, purifica-o e lança-o no
sulco que é o mundo.
Lança os grãos um a um,
para que cada cristão, no seu próprio ambiente, dê testemunho da fecundidade da
Morte e da Ressurreição do Senhor.
Se estamos nas mãos de
Cristo, devemos impregnar-nos do seu Sangue redentor, deixar-nos lançar ao
vento, aceitar a nossa vida tal como Deus a quer.
E convencer-nos de que a
semente, para frutificar, tem que se enterrar e morrer.
Depois ergue-se o caule e
surge a espiga.
Da espiga, o pão, que será
convertido por Deus no Corpo de Cristo. Dessa forma voltaremos a reunir-nos em
Jesus, que foi o nosso semeador.
Visto que há um só pão,
nós, embora muitos formamos um só corpo, nós todos que participamos de um mesmo
pão.
Nunca percamos de vista
que não há fruto se antes não houve sementeira: por isso é preciso difundir
generosamente a Palavra de Deus, fazer com que os homens conheçam Cristo e que,
ao conhecê-Lo, tenham fome d'Ele.
Esta festa do Corpus Christi - Corpo de Cristo, Pão da
vida é uma boa ocasião para meditar na fome de verdade, de justiça, de unidade
e de paz que se adverte nos homens.
Perante a fome de paz,
teremos de repetir com S. Paulo: Cristo é a nossa paz, pax nostra.
Os desejos de verdade hão-de
levar-nos a recordar que Jesus é o caminho, a verdade e a vida.
Aos que procuram a
unidade, temos de colocá-los perante Cristo, que pede que estejamos consummati in unum, consumados na
unidade. A fome de justiça deve conduzir-nos à fonte originária da concórdia
entre os homens: ser e saber-se filhos do Pai, irmãos.
Paz, verdade, unidade,
justiça.
Que difícil parece por
vezes o trabalho de superar as barreiras, que impedem o convívio entre os
homens!
E contudo nós, os cristãos
somos chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade: conseguir, com a
graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando uns as cargas dos
outros, vivendo o mandamento do Amor, que é o vínculo da perfeição e o resumo
da lei.
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Não deixemos de reparar
que fica ainda muito por fazer.
Em determinada ocasião,
talvez contemplando o suave movimento das espigas já gradas, disse Jesus aos
seus discípulos: A messe é grande mas os
operários são poucos. Rogai pois ao Senhor da messe que mande operários para a
sua messe.
Como então, também agora
faltam homens que queiram suportar o peso do dia e do calor.
E se nós, os que
trabalhamos, não formos fiéis, acontecerá o que escreveu o profeta Joel:
destruída a colheita a terra ficou de luto: porque o trigo está seco, o vinho
arruinado, o azeite perdido. Confundi-vos, lavradores; gritai, vinhateiros,
pelo trigo e pela cevada. Não há colheita.
Não há colheita, quando
não se está disposto a aceitar generosamente o trabalho constante, que pode
tornar-se longo e fatigante: lavrar a terra, semear, cuidar do campo, fazer a
ceifa e a debulha...
Na história, no tempo,
edifica-se o Reino de Deus.
O Senhor confiou-nos a
todos essa tarefa e ninguém se pode sentir dispensado dela.
Ao adorarmos e
contemplarmos hoje Cristo na Eucaristia, pensemos que ainda não chegou a hora
do descanso, porque a jornada continua.
Está dito no livro dos
Provérbios: quem lavrar a sua campina
terá pão em abundância.
Tiremos a lição espiritual
destas palavras: quem não lavra o terreno de Deus, quem não é fiel à missão
divina de se entregar aos outros, ajudando-os a conhecer Cristo, dificilmente
conseguirá entender o que é o Pão eucarístico.
Ninguém gosta daquilo que
não lhe custou esforço.
Para apreciar e amar a
Sagrada Eucaristia, é preciso percorrer o caminho de Jesus; sermos trigo,
morrermos para nós próprios, ressuscitarmos cheios de vida e darmos fruto
abundante: cem por um!
Esse caminho resume-se
numa única palavra: amar.
Amar é ter o coração
grande, sentir as preocupações dos que estão à nossa volta, saber perdoar e
compreender: sacrificar-se, com Jesus Cristo, por todas as almas.
Se amamos com o coração de
Cristo, aprenderemos a servir, e defenderemos a verdade claramente e com amor.
Para amar desta maneira, é
preciso que cada um expulse da sua vida tudo o que estorva a Vida de Cristo em
nós: o apego à nossa comodidade, a tentação do egoísmo, a tendência à exaltação
pessoal.
Só reproduzindo em nós a
Vida de Cristo, poderemos transmiti-la aos outros; só experimentando a morte do
grão de trigo, poderemos trabalhar nas entranhas da terra, transformá-la por
dentro, torná-la fecunda.
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O optimismo cristão
Alguma vez poderá surgir a
tentação de pensar que tudo isto é tão belo como um sonho irrealizável.
Falei-vos de renovar a fé
e a esperança; permanecei firmes, com a certeza absoluta de que as nossas
aspirações serão ultrapassadas pelas maravilhas de Deus.
Mas torna-se indispensável
que nos apoiemos verdadeiramente na virtude cristã da esperança.
Não nos acostumemos aos milagres
que se operam perante nós: ao admirável portento que é o Senhor descer todos os
dias às mãos do sacerdote.
Jesus quer que estejamos
despertos, para que nos convençamos da grandeza do seu poder, e para que
ouçamos novamente a sua promessa: venite
post me, et faciam vos fieri piscatores hominum, se Me seguirdes,
far-vos-ei pescadores de homens; sereis eficazes e atraireis as almas a Deus.
Devemos, portanto, confiar
nessas palavras do Senhor: meter-se na barca, pegar nos remos, içar as velas e
lançar-nos a esse mar do mundo que Cristo nos deixa em herança.
Duc in altum et laxate rectia vestra in capturam!: fazei-vos ao largo e
lançai as vossas redes para pescar.
Este zelo apostólico que
Cristo infundiu no nosso coração não se deve esgotar - extinguir - por uma
falsa humildade.
Se é verdade que
arrastamos connosco as nossas misérias, também é verdade que o Senhor conta com
os nossos erros.
Não escapa ao seu olhar
misericordioso que nós, os homens, somos criaturas com limitações, com
fraquezas, com imperfeições, inclinadas ao pecado.
Por isso, manda-nos lutar,
reconhecer os nossos defeitos; não para nos acobardarmos, mas para nos
arrependermos e fomentarmos o desejo de sermos melhores.
Aliás, temos de
lembrar-nos sempre de que somos apenas instrumentos: Que é, pois, ApoIo? e que é Paulo? Ministros daquele em quem vás
crestes, segundo o dom que o Senhor deu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas
Deus é que deu o crescimento.
A doutrina, a mensagem que
temos de difundir, tem uma fecundidade própria e infinita, que não é nossa, mas
de Cristo.
É o próprio Deus quem está
empenhado em realizar a obra salvadora, em redimir o, mundo.
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Tenhamos, pois, Fé, sem
permitir que o desalento nos domine; sem nos determos em cálculos meramente
humanos.
Para superar os
obstáculos, há que começar a trabalhar, metendo-se em cheio nessa tarefa, de
maneira que o nosso próprio esforço nos leve a abrir novos caminhos.
Perante qualquer
dificuldade, o remédio é este: santidade pessoal, entrega ao Senhor.
Ser santos é viver tal
como o nosso Pai do Céu dispôs que vivêssemos.
Dir-me-eis que é difícil.
Sim, o ideal é muito
elevado.
Mas ao mesmo tempo é
fácil: está ao alcance da mão.
Quando uma pessoa adoece,
nem sempre se consegue encontrar o remédio adequado para a tratar.
Mas no plano sobrenatural
não acontece assim.
O remédio está sempre
perto de nós: é Jesus Cristo, presente na Sagrada Eucaristia, que também nos dá
a sua graça nos outros Sacramentos que instituiu.
Repitamos com a palavra e
com as obras: Senhor, confio em Ti, basta-me a tua providência ordinária, a tua
ajuda de cada dia.
Não temos por que pedir a
Deus grandes milagres.
Temos de lhe suplicar,
pelo contrário, que aumente a nossa fé, que ilumine a nossa inteligência, que
fortaleça a nossa vontade.
Jesus está sempre junto de
nós e permanece fiel.
Desde o começo da minha
pregação, preveni-vos contra um falso endeusamento.
Não te assustes ao
veres-te tal como és: assim, feito de barro.
Não te preocupes.
Porque, tu e eu somos
filhos de Deus, - este é o endeusamento bom - escolhidos desde a eternidade,
com uma vocação divina: escolheu-nos o Pai, por Jesus Cristo, antes da criação
do mando, para que sejamos santos diante dele.
Nós, que somos
especialmente de Deus, seus instrumentos apesar da nossa pobre miséria pessoal,
seremos eficazes se não perdermos o conhecimento da nossa fraqueza.
As tentações dão-nos a
dimensão da nossa própria fraqueza.
Se sentimos desalento ao
experimentar - talvez de um modo particularmente vivo - a nossa mesquinhez, é o
momento de nos abandonarmos por completo, com docilidade, nas mãos de Deus.
Conta-se que, certo dia,
um mendigo saiu ao encontro de Alexandre Magno, pedindo uma esmola.
Alexandre parou e ordenou
que o fizessem senhor de cinco cidades.
O pobre, confundido e
atordoado, exclamou: eu não pedia tanto!
E Alexandre respondeu: tu
pediste como quem és; eu dou-te como quem sou.
Mesmo nos momentos em que
percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e devemos olhar para
Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos participantes da vida
divina.
Nunca existe razão
suficiente para voltarmos atrás: o Senhor está ao nosso lado.
Temos que ser fiéis,
leais, encarar as nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo
para compreender os erros dos outros e superar os nossos próprios erros.
Assim, todos esses
desalentos - os teus, os meus, os de todos os homens - servem também de suporte
ao reino de Cristo.
Reconheçamos as nossas
fraquezas, mas confessemos o poder de Deus.
O optimismo, a alegria, a
convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida
cristã.
Se nos sentirmos parte
dessa Igreja Santa, se nos considerarmos sustentados pela rocha firme de Pedro
e pela acção do Espírito Santo, decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de
cada instante: semear todos os dias um pouco.
E a colheita fará
transbordar os celeiros.
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Terminemos este tempo de
oração.
Recordai - saboreando, na
intimidade da alma, a infinita bondade divina - que, pelas palavras da
Consagração, Cristo vai tornar-se realmente presente na Hóstia, com o seu
Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Adorai-O com reverência e
devoção; renovai na sua presença o oferecimento sincero do vosso amor;
dizei-lhe sem medo que Lhe quereis; agradecei-lhe esta prova diária de
misericórdia tão cheia de ternura, e fomentai o desejo de vos aproximardes da
comunhão com confiança.
Eu surpreendo-me perante
este mistério de Amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para
não me abandonar, se eu não me afastar d'Ele.
Reconfortados pela
presença de Cristo, alimentados pelo seu Corpo, seremos fiéis durante esta vida
terrena, e mais tarde no Céu, junto de Jesus e de Sua Mãe, chamar-nos-emos
vencedores.
Onde está, ó morte, a tua
vitória?
Onde está, ó morte, o teu
aguilhão?
Demos graças a Deus que
nos trouxe a vitória, pela virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo.
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Deus Pai dignou-Se
conceder-nos, no Coração do Filho, infinitos
dilectionis thesauros, tesouros inesgotáveis de amor, de misericórdia, de
ternura.
Se quisermos descobrir com
evidência que Deus nos ama - que não só escuta as nossas orações, mas até Se
nos antecipa - basta-nos seguir o mesmo raciocínio de S. Paulo: Aquele que nem
ao seu próprio Filho perdoou, mas O entregou à morte por nós, corno não nos
dará, com Ele, todas as coisas?
A graça renova o homem por
dentro e converte-o, de pecador e rebelde, em servo bom e fiel.
E a fonte de todas as
graças é o amor que Deus tem por nós e nos revelou - e não só com palavras,
também com actos.
O amor divino faz com que
a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, o Verbo, o Filho de Deus Pai, tome a
nossa carne, isto é, a nossa condição humana, menos o pecado.
E o Verbo, a Palavra de
Deus, é Verbum spirans amorem, a
Palavra de que procede o Amor.
O Amor revela-se na
Encarnação, nessa caminhada redentora de Jesus Cristo pela Terra, até ao
sacrifício supremo da Cruz.
E na Cruz manifesta-se com
um novo sinal: um dos soldados abriu o lado de Jesus com uma lança e no mesmo
instante saiu sangue e água .
Água e sangue de Jesus que
nos falam de uma entrega realizada até ao último extremo, até ao consummatum est , ao "tudo está
consumado", por amor.
Na festa de hoje, ao
considerarmos uma vez mais os mistérios centrais da nossa fé, maravilhamo-nos
de que as realidades mais profundas - o amor de Deus Pai que entrega o seu
Filho; o amor do Filho que O leva a caminhar sereno até ao Gólgota - se
traduzam em gestos muito próximos dos homens.
Deus não Se nos dirige
numa atitude de poder e de domínio; aproxima-Se de nós tomando a forma de
servo, tornado semelhante aos homens.
Nunca Jesus Se mostra
distante e altivo.
Por vezes, durante os anos
de pregação, podemos vê-Lo desgostoso por lhe doer a maldade humana.
Mas, se repararmos melhor,
logo perceberemos que o que Lhe provoca o desgosto ou a cólera é o amor, que o
desgosto e a cólera são apenas um novo modo de nos arrancar à infidelidade e ao
pecado. Porventura quero Eu a morte do
ímpio - diz o Senhor Deus - e não que
se converta do seu mau caminho e que viva?
Essas palavras
explicam-nos toda a vida de Cristo e fazem-nos compreender por que Se
apresentou perante nós com um coração de carne, com um coração como o nosso,
prova irrefutável de amor e testemunho constante do mistério inenarrável da
caridade divina.
(cont)