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Bento XVI e D.Pio Alves |
“O que é mais
importante (criar, manter, repensar) na relação da Igreja com a Cultura?”
Recorro à
invejável sabedoria das crianças, que, quando perguntadas sobre de quem gostam
mais – se do papá se da mamã –, respondem: – dos dois. Aqui: – dos três. Mas
peço licença para acomodar a pergunta: reordeno os termos para “manter,
repensar, criar”. Esta sequência, pelo menos subjectivamente, aproxima mais a
realidade.
Eliminar ou
preterir qualquer uma das opções seria correr riscos: de mentira, de medo, de menoridade
(mental), de complexo de superioridade, de deslumbramento. E bastaria a
concretização de um destes riscos para riscar a relação. Riscar, no duplo
sentido de anular e desfigurar, manchar. E essa relação deve viver e viver
limpa, o mais possível.
Que interesse
teria teorizar, com sentido alternativo, sobre a importância do alicerce, da
estrutura, do telhado? Pois… parecido!
Manter: Ser capaz
de olhar para o passado com a serenidade de quem se sabe limitado, como
limitados foram os que construíram o nosso mundo: tentaram e falharam; tentaram
e deram passos; tentaram e conseguiram. Aí está a grandeza da herança!
– Por quê
havíamos de ignorar essa realidade? – Por medo? De quê? – Por vanglória? Porquê?
Riscar o passado é uma temeridade e uma tremenda injustiça. O passado não é
chão para ser calcado, mas alicerce, para aprender e construir sobre ele.
Repensar: Se for, de
facto, pensar mais uma vez vale sempre a pena; se for, pelo contrário, manobra
dilatória é engano sobre engano. Pensar, verdadeiramente, é um gesto nobre: se
não procura bodes expiatórios; se está aberto à verdade; se não limita o horizonte
com falsos condicionalismos prévios. Pensar mais uma vez, assim, com este
enquadramento, pode ser, ao mesmo tempo, terapêutico e luminoso: sinaliza os
tropeços e não fecha o caminho. Dá ainda mais vontade e confiança para olhar em
frente.
Criar: Que maravilha o
ser humano poder, à sua (limitada) maneira, associar-se à obra da Criação! Fica
subentendida a correlação: extasiar-se pela herança e melhorá-la. É disso que
se trata; mas não se trata da falsa arte de repintes ou de retoques de produto
de pantógrafo. Criar, em qualquer frente, é ousar, até ao limite, buscar o
novo, com todas as linguagens disponíveis. Para que o limite esteja antes do abismo
é imprescindível que os pés, as mãos, o coração e a cabeça, o Homem todo,
estejam firmemente ancorados na herança. Entraremos, assim, na irrepetível
aventura diária de, com Deus, continuar a «fazer novas todas as coisas» (Ap.
21, 5).
+Pio Alves
D. Pio Alves: Bispo
auxiliar do Porto, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais
e Comunicações Sociais