Tempo comum XXXI Semana
Fiéis
defuntos
Evangelho: Mt 11 25-30
25
Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da
terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste
aos pequeninos. 26 Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. 27
«Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho
senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o
quiser revelar. 28 O «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e
oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o Meu jugo, e
aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para
as vossas almas. 30 Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».
Comentário:
Não
temos, não podemos ter, senão uma pálida ideia do bem que Deus derrama sobre
nós.
A
Sua Graça está sempre actuante nas nossas vidas. De facto, nós somos os
“pequeninos” que o Senhor refere como sendo os preferidos do Pai, os que Ele
destinou para O conhecer e gozar eternamente na Sua companhia.
(ama,
comentário sobre Mt 11, 25-27, 2014.06.27)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino
Jesus
Manuscrito "A" - Parte III
…/3
Antes de ver a família congregada no
pátrio lar dos Céus, devia atravessar ainda muitas separações. No ano de minha
admissão como filha da Santíssima Virgem, ela tirou-me a minha querida Maria,
único sustento de minha alma... Era Maria quem me guiava, consolava, ajudava a
praticar a virtude. Era o meu único oráculo. Sem dúvida, Paulina tinha ficado
bem firme no meu coração, mas estava longe, muito longe de mim!... Sofri o
martírio para me habituar a viver sem ela, por ver entre nós muros
intransponíveis. Mas enfim acabei aceitando a triste realidade. Paulina estava
perdida para mim, quase como se estivesse morta. Continuava a amar-me, rezava
por mim, mas aos meus olhos minha querida Paulina tornara-se uma santa, que já
não poderia compreender as coisas da terra; e as misérias da sua pobre Teresa,
se as conhecesse, tê-la-iam espantado e impedido de amá-la tanto... Por outro
lado, ainda se quisera confidenciar-lhe os meus pensamentos, como o fazia nos
Buissonnets, não teria possibilidade, porque os atendimentos no locutório eram
somente para Maria. Celina e eu tínhamos permissão de chegar lá só no final, justamente
o tempo necessário para nos deixar com o coração apertado... Assim não tinha na
realidade senão Maria, que me era, por assim dizer, indispensável. Só a ela
contava meus escrúpulos e era tão obediente que meu confessor nunca chegou a
saber da minha desagradável doença. A ele dizia exactamente o número de pecados
que Maria me autorizava confessar, nem um a mais. Por isso poderia ser tida
como a alma menos escrupulosa da terra, embora o fosse até ao último grau...
Maria sabia, por conseguinte, tudo o que se passava em minha alma. Sabia também
dos meus desejos a respeito do Carmelo, e eu lhe queria tanto, que não podia
viver sem ela. Titia convidava-nos todos os anos a irmos, uma por vez, à sua
casa em Trouville. Gostava muito de lá ir, mas em companhia de Maria! Não a
tendo comigo, ficava muito entediada. Uma vez, entretanto, senti-me satisfeita
em Trouville. Foi no ano da viagem de Papai a Constantinopla. Para nos distrair
um pouco, (pois estávamos desgostosas por saber Papai a tão grande distância),
Maria mandou-nos, à Celina e a mim, passar quinze dias à beira-mar. Tive ali
muita distração, porque a minha Celina estava comigo. Titia arranjava-nos todos
os passatempos possíveis: montaria em jumentinho, pesca de lingueirões etc...
Era ainda muito criança, apesar dos meus doze anos e meio. Lembro-me da minha
satisfação, quando punha as lindas fitas azuis de anil, que Titia me dera para
os cabelos. Lembra-me, também, de ter confessado em Trouville até essa alegria
infantil, que pareceu-me pecado... Uma tarde, fiz uma experiência que me
surpreendeu bastante. - Maria (Guérin), que vivia quase sempre adoentada,
choramingava de vez em quando. Titia então fazia-lhe carícias, dizia-lhe os
nomes mais afectuosos, e a minha querida priminha nem por isso parava de dizer,
toda lacrimosa, que estava com dor de cabeça. Ora, eu que, quase todos os dias,
também tinha dor de cabeça e nunca me queixava, quis uma tarde imitar Maria.
Senti, pois, a obrigação de choramingar numa poltrona ao canto da sala. Joana e
Titia logo aproximaram-se de mim, perguntando-me o que tinha. Respondi, igual à
Maria: "Estou com dor de cabeça". Parece que não me saí bem no modo
de queixar-me, pois nunca pude convencê-las de ter sido dor de cabeça o que me fizera
chorar. Em vez de me afagarem, falaram comigo como se fala com gente grande. De
sua parte, Joana censurou-me por não confiar bastante na Titia, por julgar que
eu estava às voltas com algum escrúpulo de consciência... Afinal, aprendi à
própria custa, tomando a firme resolução de não imitar mais os outros, e
entendi a fábula de "O asno e o cachorrinho". Eu representava o asno
que, vendo as carícias que se faziam ao cachorrinho, ergueu a pesada pata sobre
a mesa, para receber o seu quinhão de beijos. Mas, ai! se não levei pancadas,
como o pobre animal, recebi realmente a moeda de minha paga, moeda que me
curou, por toda a vida, do prurido de atrair a atenção. Só o esforço que nisso
apliquei, custou-me caro demais!...
No ano seguinte, que era o da partida
de minha querida Madrinha, Titia ainda me convidou, mas desta vez a mim
sozinha, mas tão desambientada fiquei que, ao cabo de dois ou três dias adoeci,
e foi preciso que me fizessem voltar para Lisieux. A minha doença, que temiam
como grave, não passava de uma nostalgia dos Buissonnets. Mal ali pus os pés,
voltou a saúde... E a essa criança, ia o Bom Deus arrebatar-lhe o único apoio
que a prendia à vida!...
Logo que soube da resolução de Maria,
resolvi não procurar mais nenhum prazer na terra... Depois que saí do pensionato,
alojei-me no antigo gabinete de pintura de Paulina, e arrumei-o a meu gosto.
Era um verdadeiro bazar, um aglomerado de coisas piedosas e curiosidades, uma
jardineira e um viveiro de passarinhos... Assim, também, na parede do fundo,
sobressaíam uma grande cruz de madeira preta, sem o corpo de Cristo, e alguns
desenhos que me agradavam. Na outra parede, uma cesta guarnecida de musselina e
fitas cor-de-rosa, cheia de folhinhas picadas e de flores. Afinal, na última
parede, salientava-se, como peça única, o retrato de Paulina aos 1O anos de
idade. Debaixo do retrato, conservava eu uma mesa, onde se achava uma grande
gaiola, que comportava grande número de passarinhos, cujos melodiosos trinados
atordoava a cabeça dos visitantes, mas não a da sua jovem proprietária, que
lhes tinha grande afeição... Ali havia ainda o "pequeno traste
branco", cheio dos meus livros de estudo, de cadernos etc. Em cima do
traste estava colocada uma estátua da Santíssima Virgem, com vasos sempre
providos de flores naturais, com castiçais. Em redor, havia uma multidão de
estatuetas de Santos e Santas, cestinhos feitos de conchas, caixas de
cartolina, etc! Afinal, a minha jardineira ficava suspensa diante da janela,
onde eu cultivava vasos de flores (os mais raros que podia encontrar). No
interior do "meu museu" havia ainda uma jardineira, sobre a qual
punha a minha planta predilecta... Diante da janela, a minha mesa coberta com
um tapete verde, e sobre esse tapete coloquei, no meio, uma ampulheta, uma
estatueta de São José, um porta-relógio, corbelhas para flores, um tinteiro
etc... Algumas cadeiras mancas e a fascinante caminha de boneca de Paulina
completavam todo o meu mobiliário. Realmente, esse pobre quarto de sótão era um
mundo para mim, e como o Sr. De Maistre poderia eu escrever um livro com o
título: "Passeio em torno do meu quarto". Gostava de permanecer horas
inteiras nesse quarto, a estudar e a meditar diante do panorama que se
descortinava aos meus olhos... Quando eu soube da partida de Maria, o meu
quarto perdeu para mim todo o encanto. Não queria abandonar um só instante a
querida irmã que dentro em breve se subtrairia à nossa convivência... Quantos
actos de paciência não a obriguei a praticar! Todas as vezes que passava diante
da porta do seu quarto, batia até que ela abrisse, e abraçava-a de todo o coração.
Queria fazer provisão de beijos por todo o tempo que ficaria sem eles.
Um mês antes de sua entrada no
Carmelo, Papai levou-nos a Alençon, mas a viagem ficou longe de assemelhar-se à
primeira, porque tudo se me converteu em tristeza e amargura. Não poderia
descrever as lágrimas que derramei junto ao túmulo de Mamãe, por ter esquecido
de levar um ramalhete de centáureas, colhidas para ela. Na verdade,
acabrunhava-me com qualquer coisa! Era ao contrário de agora, pois o Bom Deus
concedeu-me a graça de me não abater com nenhuma coisa passageira. Quando
recordo os tempos idos, minha alma transborda de gratidão vendo os favores que
recebi do Céu. Operou-se tal mudança em mim que não sou reconhecível... Verdade
é que eu desejava ter "sobre minhas acções um domínio absoluto, ser a
dona, não a escrava"'. Essas palavras da Imitação comoviam-me
profundamente, mas devia, por assim dizer, comprar essa graça inestimável pelos
meus desejos; ainda parecia uma criança que só quer o que os outros querem. O
que fazia as pessoas de Alençon dizerem que eu era fraca de carácter... Foi
durante essa viagem que Leónia fez experiência nas Clarissas". Fiquei
triste com sua entrada extraordinária, pois amava-a muito e não pude beijá-la
antes da partida.
Nunca me esquecerei da bondade e do
embaraço desse pobre paizinho quando veio anunciar-nos que Leónia já vestia o
hábito das Clarissas... Como nós, achava isso muito engraçado, mas não queria
dizer nada, vendo quanto Maria estava descontente. Levou-nos ao convento, e lá
senti um aperto no coração como nunca tinha sentido ao ver um mosteiro. Isso
produziu em mim o efeito contrário do Carmelo, em que tudo dilatava minha
alma... A vista das religiosas tampouco me encantou, e não fiquei tentada a permanecer
no meio delas. A pobre Leónia parecia muito gentil no novo traje; disse-nos
para olhar bem os olhos dela, porque não devíamos vê-los mais (as Clarissas só
se mostram de olhos baixos). Mas Deus contentou-se com dois meses de
sacrifício, e Leónia voltou a mostrar-nos os seus olhos azuis, frequentemente
molhados de lágrimas... Ao deixar Alençon, pensava que ela ia ficar com as
Clarissas, por isso foi com muita tristeza que me afastei da triste rua da
meia-lua. Ficávamos apenas três e, logo, nossa querida Maria ia nos deixar...
15 de outubro foi o dia da separação! Só restavam as duas últimas da numerosa e
alegre família dos Buissonnets... As pombas haviam fugido do ninho paterno e as
que ficavam queriam também segui-las, mas as suas asas eram ainda fracas demais
para poder alçar voo... Deus, que queria chamar para si a menor e a mais fraca
de todas elas, apressou-se em desenvolver as suas asas. Ele, que se compraz em
mostrar a sua bondade e o seu poder servindo-se dos instrumentos menos dignos,
quis chamar-me antes de Celina, que, sem dúvida, merecia antes esse favor. Mas
Jesus sabia como eu era fraca e foi por isso que me escondeu antes no recôncavo
do rochedo.
Quando Maria entrou para o Carmelo,
era eu ainda muito escrupulosa. Já não podendo confiar-me a ela, volvi-me para
o lado dos Céus. Foi aos quatro anjinhos, meus predecessores lá no alto, que me
dirigi com a ideia de que as suas almas inocentes, por não terem jamais
conhecido inquietações nem temores, deviam compadecer-se da sua pobre maninha que
sofria aqui na terra. Falava-lhes com ingenuidade de criança, e fazia-lhes ver
que, sendo a mais nova da família, tinha sido sempre a mais amada, a mais
contemplada com carinhos por parte de minhas irmãs, e que eles, por certo
também me teriam dado provas de afeição, se tivessem continuado aqui na
terra... A sua partida para o Céu não me parecia motivo para me esquecerem.
Pelo contrário, estando em condições de haurir nos tesouros divinos, neles
poderiam buscar a paz para mim, e mostrar-me assim que no Céu a gente ainda
sabe amar!... A resposta não se fez esperar. A paz logo me inundou a alma com
sua deliciosa exuberância, e compreendi que, se era amada aqui na terra, também
o era lá no Céu... Desde aquele momento, cresceu a minha devoção para com os meus
irmãozinhos. Gosto de entreter-me muitas vezes com eles, de falar-lhes das
tristezas do exílio... do meu desejo de logo juntar-me a eles brevemente na
Pátria!...
Se o Céu me cobria de graças, não era
porque as merecesse, era ainda muito imperfeita; de facto, tinha um grande
desejo de praticar a virtude, mas agia de maneira estranha. Eis um exemplo: por
ser a mais nova, não estava acostumada a servir-me. Celina arrumava o quarto em
que dormíamos e eu não fazia nenhum trabalho caseiro; depois da entrada de
Maria no Carmelo, acontecia-me, às vezes, para agradar a Deus, de tentar
arrumar a cama ou de, na ausência de Celina, guardar os vasos de flores à
noite. Como disse, era só por Deus que eu fazia essas coisas, portanto não
devia esperar o agradecimento das criaturas. Ai! Era todo o contrário. Se
Celina não demonstrasse contentamento pelos meus servicinhos, eu ficava contrariada
e provava-o com minhas lágrimas...
Era verdadeiramente insuportável pela
minha sensibilidade excessiva. Se me acontecesse causar involuntariamente
aflição a alguém a quem amava, em vez de me controlar e não chorar, o que
aumentava meu erro em vez de diminuí-lo, chorava como uma Madalena, e quando
começava a consolar-me pela coisa que me levara a chorar chorava por ter
chorado... Todos os raciocínios eram inúteis e não conseguia corrigir-me desse
desagradável defeito. Não sei como acalentava a doce ideia de ingressar no
Carmelo, estando ainda nos cueiros!..." Foi preciso Deus fazer um pequeno
milagre para eu crescer de repente, e esse milagre deu-se num dia inesquecível
de Natal, nessa noite luminosa que ilumina as delícias da Santíssima Trindade.
Jesus, a doce criancinha recém-nascida, transformou a noite da minha alma em
torrentes de luz... nessa noite em que se fez fraco e sofrido pelo meu amor,
fez-me forte e corajosa, equipou-me com as suas armas e, desde essa noite
abençoada, não saí vencida em nenhum combate. Pelo contrário, andei de vitória
em vitória e iniciei, por assim dizer, "uma corrida de gigante!..." A
fonte das minhas lágrimas secou e só voltou a jorrar pouquíssimas vezes e com
dificuldade, o que justificou essa palavra que me fora dita: "Choras tanto
na infância que, mais tarde, não terás mais lágrimas para derramar!..."
Foi em 25 de Dezembro de 1886 que
recebi a graça de sair da infância, em suma, a graça da minha completa
conversão. Estávamos voltando da missa do galo, em que tinha tido a felicidade
de receber o Deus forte e poderoso. Ao chegar aos Buissonnets, alegrava-me por
pôr os meus sapatos na lareira. Esse costume antigo causara-nos tanta alegria
durante a infância que Celina queria continuar a tratar como um bebé, por ser a
menor da família... Papai gostava de ver a minha felicidade, ouvir os meus
gritos de alegria ao tirar cada surpresa dos sapatos encantados, e a alegria do
meu Rei querido aumentava muito a minha. Mas, querendo Jesus mostrar-me que
devia desfazer-me dos defeitos da infância, tirou de mim também as inocentes
alegrias; permitiu que papai, cansado da missa do galo, sentisse tédio vendo os
meus sapatos na lareira e dissesse essas palavras que me magoaram: "Enfim,
felizmente, é o último ano!..." Subi a escada para ir tirar o meu chapéu,
Celina, conhecendo a minha sensibilidade e vendo já as lágrimas nos meus olhos,
ficou também com vontade de chorar, pois amava-me muito e compreendia o meu
sofrimento: "Oh, Teresa!", disse-me, "não desce, causar-te-á
tristeza demais olhar já os teus sapatos". Mas Teresa não era mais a
mesma, Jesus havia mudado o coração dela! Reprimindo as minhas lágrimas, desci
rapidamente e, comprimindo as batidas do coração, peguei os meus sapatos...
então, colocando-os diante de papai, tirei alegremente todos os objectos,
parecendo feliz como uma rainha. Papai ria também, voltara a ficar alegre e
Celina pensava sonhar!... Felizmente, era uma doce realidade. Teresinha
reencontrar a força de alma que perdera aos 4 anos e meio e ia conservar para
sempre!...
(cont.)