Quarto Mistério
Instituição do Sacramento do perdão
Podemos julgar - e talvez
inconscientemente o façamos - que sabemos muito bem o que é o perdão.
Mas…talvez o que nos
convenha ter claro seja: o que é PERDOAR!?
Sim... digo bem - o que é PERDOAR!?
Parece muito claro que PERDOAR
consiste em relevar uma ofensa - intencionalmente cometida contra a nossa
pessoa.
Parece que sim, é uma
conclusão aceitável, mas há algumas "condições" que se impõem, como
por exemplo, ter bem claro: Realmente o que ficou "ferido": A minha
personalidade ou a minha soberba?
Ouvimos falar de soberba e,
talvez, pensemos numa atitude despótica e avassaladora, com grande barulho de
vozes que aclamam o triunfador que passa, como um imperador romano, debaixo dos
altos arcos, inclinando a cabeça, pois teme que a sua fronte gloriosa toque o
alvo mármore...
Sejamos realistas.
Este tipo de soberba só tem
lugar numa fantasia louca.
Temos de lutar contra outras
formas mais subtis, mais frequentes, como:
a - O orgulho de preferir a
própria excelência à do próximo;
b - A vaidade nas conversas,
nos pensamentos e nos gestos;
c - Uma susceptibilidade
quase doentia, que se sente ofendida com palavras ou acções que não são de
forma alguma um agravo...
Tudo isto, sim, pode ser, é
uma tentação corrente.
O homem tende a considerar-se
a si mesmo como o sol e o centro dos que estão ao seu redor.
Tudo deve girar em torno
dele.
Por isso, não raramente
acontece que recorre, com o seu afã mórbido, à própria simulação da dor, da
tristeza e da doença para que os outros se preocupem com ele e o mimem.
A maior parte dos conflitos
que se apresentam na vida interior de muitas pessoas, fabrica-os a imaginação:
É que disseram isto ou
aquilo, são capazes de pensar aqueloutro, não me consideram... E essa pobre
alma sofre, graças à sua triste fatuidade, com suspeitas que não são reais.
Nessa aventura desgraçada, a sua amargura é contínua e procura desassossegar os
outros, porque não sabe ser humilde, porque não aprendeu a esquecer-se de si
mesmo para se entregar, generosamente, ao serviço dos outros por amor de Deus». (Cfr.
São Josemaria, Amigos de Deus 101)
e - A "ofensa" foi
real, concreta, feita directamente, ou por "me ter constado"?
f - Trata-se de uma
falsidade a meu respeito, ou de uma crítica a alguma faceta do meu carácter ou
comportamento? Qual foi a minha primeira reacção?
A estas duas últimas perguntas
só é possível responder fazendo um exame sério e “desapaixonado” e justo.
A nossa susceptibilidade é
muitas vezes exagerada considerando agravos e ofensas o que, talvez, não passe
de uma manifestação de “correcção fraterna”, ou seja, de amizade.
Alguns – eu incluído –
mantêm actualizada uma lista de “agravos” que consideram ter sido sofrido.
É verdade que muitas destas
supostas - ou reais – ofensas, já as perdoamos mas, não obstante, mantemos viva
a sua lembrança.
Diz-se: Eu perdoo mas não
esqueço!
Isto é um contra-senso, um
disparate.
Não esqueço porquê.
Pensar na simples hipótese
que se Deus Nosso Senhor procedesse assim connosco - perdoasse mas não
esquecesse – deve causar-nos um imediato “calafrio”, medo e angústia.
No julgamento a que - todos
– seremos sujeitos logo após a nossa morte terrena, quão extenso seria o volume
do nosso “processo” se nele constassem todas as faltas cometidas e não perdoadas!?
Esta “activação da memória”
apresenta, ainda, um outro perigo a ter muito em conta:
A lembrança dos pecados do
nosso passado - recente ou não – por vezes com detalhes que podem levar-nos a
uma tentação terrível:
A tentação da memória!
E, o tentador não se fica
por recordar mas “pinta-o ”com cores vivas” e imagens reais e pormenorizadas.
Sei - experimentei-o muitas
vezes - que mesmo sem o desejar se pode repetir o mesmo pecado… lembrando o próprio
pecado.
Não há, pois, outro caminho:
- Perdoar e esquecer!
(AMA, 2019)
[i]
Escolhi este título
para uma série de reflexões sobre os mistérios contidos no Evangelho. Se por
“mistério” consideramos algo que não entendemos inteiramente ou não
compreendemos com meridiana clareza, então julgo que o Evangelho contém muitas
atitudes, palavras, gestos de Jesus Cristo cujo verdadeiro significado e
“alcance” nos escapa.
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