25/10/2020

Outubro - Mês do Rosário




MISTÉRIOS DO EVANGELHO [i]

Quarto Mistério 


Instituição do Sacramento do perdão

Podemos julgar - e talvez inconscientemente o façamos - que sabemos muito bem o que é o perdão.
Mas…talvez o que nos convenha ter claro seja: o que é PERDOAR!?

Sim... digo bem - o que é PERDOAR!?

Parece muito claro que PERDOAR consiste em relevar uma ofensa - intencionalmente cometida contra a nossa pessoa.

Parece que sim, é uma conclusão aceitável, mas há algumas "condições" que se impõem, como por exemplo, ter bem claro: Realmente o que ficou "ferido": A minha personalidade ou a minha soberba?

Ouvimos falar de soberba e, talvez, pensemos numa atitude despótica e avassaladora, com grande barulho de vozes que aclamam o triunfador que passa, como um imperador romano, debaixo dos altos arcos, inclinando a cabeça, pois teme que a sua fronte gloriosa toque o alvo mármore...
Sejamos realistas.
Este tipo de soberba só tem lugar numa fantasia louca.
Temos de lutar contra outras formas mais subtis, mais frequentes, como:

a - O orgulho de preferir a própria excelência à do próximo;

b - A vaidade nas conversas, nos pensamentos e nos gestos;

c - Uma susceptibilidade quase doentia, que se sente ofendida com palavras ou acções que não são de forma alguma um agravo...
Tudo isto, sim, pode ser, é uma tentação corrente.

O homem tende a considerar-se a si mesmo como o sol e o centro dos que estão ao seu redor.
Tudo deve girar em torno dele.
Por isso, não raramente acontece que recorre, com o seu afã mórbido, à própria simulação da dor, da tristeza e da doença para que os outros se preocupem com ele e o mimem.

A maior parte dos conflitos que se apresentam na vida interior de muitas pessoas, fabrica-os a imaginação:

É que disseram isto ou aquilo, são capazes de pensar aqueloutro, não me consideram... E essa pobre alma sofre, graças à sua triste fatuidade, com suspeitas que não são reais. Nessa aventura desgraçada, a sua amargura é contínua e procura desassossegar os outros, porque não sabe ser humilde, porque não aprendeu a esquecer-se de si mesmo para se entregar, generosamente, ao serviço dos outros por amor de Deus». (Cfr. São Josemaria, Amigos de Deus 101)

e - A "ofensa" foi real, concreta, feita directamente, ou por "me ter constado"?

f - Trata-se de uma falsidade a meu respeito, ou de uma crítica a alguma faceta do meu carácter ou comportamento? Qual foi a minha primeira reacção?
A estas duas últimas perguntas só é possível responder fazendo um exame sério e “desapaixonado” e justo.
A nossa susceptibilidade é muitas vezes exagerada considerando agravos e ofensas o que, talvez, não passe de uma manifestação de “correcção fraterna”, ou seja, de amizade.

Alguns – eu incluído – mantêm actualizada uma lista de “agravos” que consideram ter sido sofrido.
É verdade que muitas destas supostas - ou reais – ofensas, já as perdoamos mas, não obstante, mantemos viva a sua lembrança.

Diz-se: Eu perdoo mas não esqueço!
Isto é um contra-senso, um disparate.
Não esqueço porquê.
Pensar na simples hipótese que se Deus Nosso Senhor procedesse assim connosco - perdoasse mas não esquecesse – deve causar-nos um imediato “calafrio”, medo e angústia.

No julgamento a que - todos – seremos sujeitos logo após a nossa morte terrena, quão extenso seria o volume do nosso “processo” se nele constassem todas as faltas cometidas e não perdoadas!?

Esta “activação da memória” apresenta, ainda, um outro perigo a ter muito em conta:
A lembrança dos pecados do nosso passado - recente ou não – por vezes com detalhes que podem levar-nos a uma tentação terrível:

A tentação da memória!

E, o tentador não se fica por recordar mas “pinta-o ”com cores vivas” e imagens reais e pormenorizadas.

Sei - experimentei-o muitas vezes - que mesmo sem o desejar se pode repetir o mesmo pecado… lembrando o próprio pecado.

Não há, pois, outro caminho: - Perdoar e esquecer!

(AMA, 2019)


[i] Escolhi este título para uma série de reflexões sobre os mistérios contidos no Evangelho. Se por “mistério” consideramos algo que não entendemos inteiramente ou não compreendemos com meridiana clareza, então julgo que o Evangelho contém muitas atitudes, palavras, gestos de Jesus Cristo cujo verdadeiro significado e “alcance” nos escapa.

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