Art.
2 — Se Cristo fez convenientemente milagres em relação aos corpos celestes.
O segundo discute-se assim. — Parece que
Cristo não fez convenientemente milagres em relação aos corpos celestes.
1. — Pois, como diz Dionísio, não é próprio da divina providência
destruir, mas conservar. Ora, os corpos celestes são de natureza incorruptível
e inalterável, como prova Aristóteles. Logo, Cristo não devia fazer nenhuma
mudança na ordem dos corpos celestes.
2. Demais. — Pelo movimento dos corpos
celestes é que se demarca o curso dos tempos, segunda a Escritura: Façam-se uns luzeiros no firmamento do céu e
sirvam de sinais para mostrar os tempos, os dias e os anos. Assim, pois,
mudado o curso dos corpos celestes, muda-se também a distinção e a ordem dos
tempos. Ora, não há notícia que essa mudança fosse percebida pelos astrólogos,
que contemplavam os astros e contavam os meses, no dizer da Escritura. Logo,
parece que Cristo não fez nenhuma mudança relativamente ao curso dos corpos
celestes.
3. Demais. — Era mais curial que
Cristo fizesse milagres, quando vivia e ensinava, que na sua morte. Ou porque,
como diz o Apóstolo. Foi crucificado por
enfermidade, mas vive pelo poder de Deus, pelo qual fazia milagres; e quer
também por os milagres serem a confirmação da sua doutrina. Ora, o Evangelho
não nos diz, que durante a sua vida Cristo fizesse algum milagre relativo aos
corpos celestes; ao contrário, aos fariseus que lhe pediam um sinal do céu,
recusou dar-lhes, como lemos no Evangelho. Logo, parece que na ocasião da sua
morte também não devia fazer nenhum milagre relativamente aos corpos celestes.
Mas, em contrário, o Evangelho: Toda a terra ficou coberta de trevas até a
hora nona e escureceu-se também o sol.
Como dissemos os milagres
de Cristo deviam ser tais que lhe patenteassem suficientemente a divindade.
Ora, não a manifestam evidentemente as transmutações dos corpos inferiores, que
também podem ser alterados por outras causas, como pela transmutação do curso
dos corpos celestes, o qual só por Deus foi ordenado de maneira imutável. E é o
que diz Dionísio: Devemos saber que se
alguma mudança pode haver na ordem e no movimento dos céus, só o poderá ser
pela causa que fez e muda todas as causas por uma simples palavra. Por isso
houve conveniência em Cristo fazer milagres mesmo em relação aos corpos
celestes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Assim como é natural aos corpos inferiores serem movidos pelos corpos
celestes, que lhes são superiores na ordem da natureza, assim também é natural
a qualquer criatura ser mudada por Deus conforme os decretos da sua vontade.
Por isso diz Agostinho, e também se lê na Glosa o dito pelo Apóstolo — Contra a natureza foste enxertado etc. Deus,
Criador e Autor de todas as naturezas, nada faz contra a natureza, pois a
natureza de cada ser tem nele a sua fonte. Por isso, não se corrompe a natureza
dos campos celestes quando Deus lhes altera o curso; corromper-se-ia porém se
fosse alterado por alguma outra causa.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O milagre feito
por Cristo não perverteu a ordem dos tempos. Pois, segundo alguns, essas trevas
ou obscurecimento do sol, que se verificaram na paixão de Cristo, tiveram a sua
causa na retracção dos raios solares, sem nenhuma mudança causada no movimento
dos corpos celestes, pelo qual se medem os tempos. Donde o dizer Jerónimo: O Lampadário maior retraiu os seus raios ou
para que não visse o Senhor pendente da cruz, ou para que não lhe gozassem dos
raios ou ímpios blasfemadores. — Essa retracção dos raios porém não deve
entender-se como significando que o sol tenha o poder de emitir ou retrair
raios, pois, ele os emite não por eleição, mas por natureza, como diz Dionísio.
Mas se diz que o sol retraiu os raios por não terem eles, por virtude do poder
divino, chegado até a terra. Orígenes, porém explica esse facto pela
interposição das nuvens. Devemos por
consequência entender, diz, que
muitas e grandes nuvens tenebrosissímas se acumulavam sobre o céu de Jerusalém,
terra da Judeia donde resultaram as trevas profundas desde a sexta até a nona
hora. Penso, pois, que assim como o ter-se cindido o véu do templo, o tremor da
terra e outros fenómenos que se verificaram durante a paixão, só se deram em Jerusalém, assim também no caso vertente. Podemos, porém, tomando o texto -
Toda a terra ficou coberta de trevas
num sentido mais lato, aplicá-lo a toda a terra da Judeia pois, em tal sentido
a tal se aplica, como quando, conforme lemos na Escritura, disse Abdias a Elias
— Viva o Senhor teu Deus, que não há
nação nem reino onde meu amo te não tenha mandado buscar — mostrando que o
buscara entre as gentes que habitavam perto da Judeia.
Mas, nesta matéria, devemos seguir
antes a Dionísio, que, como testemunha ocular, compreendeu que tal facto foi
possível pela interposição da lua entre nós e o sol. Assim, diz: Vimos — estava então no Egipto — inopinadamente a lua ocultar o sol. E
descobre aí quatro milagres. — O primeiro é que naturalmente o eclipse do sol,
por interposição da lua, nunca se dá senão quando esses astros estão em
conjunção. Ora, então a lua estava em oposição com o sol, pois era o décimo
quinto dia, depois da lua nova, quando se celebrou a Páscoa dos Judeus. Por
isso: Pois, não era o tempo oportuno.
— O segundo milagre consistiu em a lua ter sido vista simultaneamente com o
sol, no meio do céu, cerca da hora sexta; e de tarde apareceu no seu lugar,
isto é, no oriente, oposta ao sol. Por isso diz: E de novo a vimos, isto é, a lua, desde a hora nona, quando se afastou do sol e cessaram as trevas, até à
tarde, imposta por uma ação sobrenatural na linha dia me trai do sol, isto é,
diametralmente oposta do sol. Donde se concluiu que não foi perturbado o
curso habitual dos tempos, pois o poder divino fez com que a lua,
sobrenaturalmente, se aproximasse do sol no tempo oportuno, e depois,
afastando-se do sol, no tempo devido se colocasse de modo no seu lugar próprio.
— O terceiro milagre esteve no seguinte. Um eclipse natural sempre com cada
parte ocidental do sol para acabar na parte oriental; porque a lua tem o seu
movimento próprio, do ocidente para o oriente, mais veloz que o próprio movimento
do sol; por isso, vindo do ocidente, alcança o sol e o ultrapassa, tendendo
para o oriente. Mas, no caso vertente, a lua já tinha ultrapassado o sol e distava
dele a metade do círculo, estando-lhe em oposição. Donde havia necessariamente
de voltar para o oriente em direcção ao sol e alcançá-lo primeiro pela parte
oriental, dirigindo-se para o ocidente. E é o que diz Dionísio: Também vimos a eclipse, começando da parte
oriental, chegar ao termo do sol, porque eclipsou-o todo, e depois retroceder.
— O quarto milagre consistiu no seguinte. No eclipse natural o sol começa a
reaparecer pela parte que principiou primeiro a obscurecer-se: porque a lua,
pondo-se na frente do sol, pelo seu movimento natural o ultrapassa em direcção
ao oriente; e assim, a parte ocidental do sol, que ocupou primeiro, é também a
que primeiro abandona. Mas, no caso em discussão, a lua, voltando
milagrosamente do oriente para o ocidente, não ultrapassou o sol, de modo a
ficar mais ao ocidente, que ele. Mas, depois de ter chegado ao termo do sol,
voltou para a parte oriental; e assim, a parte do sol, que por ocupou último,
foi também a que primeiro abandonou. Donde, o eclipse começou pela parte
oriental, mas a claridade começou primeiro a manifestar-se pela parte
ocidental. E é o que diz Dionísio: E de
novo vimos, não do mesmo lugar, isto é, não da mesma parte do sol, mas ao
contrário no sentido do diâmetro, o eclipse começar e acabar. — Crisóstomo
acrescenta ainda um quinto milagre dizendo, que
as trevas duraram três horas, apesar do eclipse solar se ter consumado num
instante; pois, não foi demorado, como o sabem os que o observaram. Pelo que dá
a entender que a lua parou diante do sol. A não ser que preferíssemos dizer
que o tempo das trevas deve ser contado desde o instante em que o sol começou a
obscurecer-se até o momento em que ficou de novo totalmente livre. Mas, diz
Orígenes, os filhos deste século objectam
contra um tal prodígio, perguntando: — Como é que um facto tão admirável nenhum
dos gregos nem dos bárbaros o descreveu? E refere que um certo Flegonte
escreveu, nas suas Crónicas, que esse facto
se deu no principado de Tibério César; mas não especificou que foi por ocasião
de uma lua cheia. E isso podia ter acontecido, porque os astrólogos de
todas as terras, que viviam nesse tempo, não se preocupavam em observar nenhum
eclipse por não ser então ocasião de nenhum; de modo que atribuíram as trevas
que presenciavam, a algum fenómeno atmosférico. Mas no Egipto, onde raramente
aparecem nuvens, por causa da serenidade do ar, Dionísio e os seus companheiros
foram levados a observar o eclipse referido, causa da obscuridade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo devia,
sobretudo, manifestar a sua divindade por milagres, quando mais se lhe faziam
sentir as necessidades da natureza humana. Por isso, na sua natividade apareceu
uma nova estrela no céu. Donde o dizer Máximo: Se desprezas o presépio, levanta um pouco os olhos e contempla a nova
estrela do céu, anunciando ao mundo a natividade do Senhor. — Mas na paixão
a humanidade de Cristo foi sujeita a uma miséria ainda maior. Por isso era
necessário que maiores milagres se realizassem no tocante aos principais Luzeiros
do mundo. E, como diz Crisóstomo, esse
foi o sinal prometido aos que o pediam, quando disse, aludindo à sua cruz e
ressurreição: Esta geração perversa e adúltera pede um prodígio e não lhe será
dado outro prodígio senão o prodígio do profeta Jonas. Pois, isso era muito
mais admirável que o fizesse, quando crucificado, do que quando andava na
terra.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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