29/03/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 20, 11-18

11 Entretanto, Maria estava da parte de fora do sepulcro a chorar. Enquanto chorava, inclinou-se para o sepulcro 12 e viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde fora posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. 13 Eles disseram-lhe: «Mulher, porque choras?». Respondeu-lhes: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram». 14 Ditas estas palavras, voltou-se para trás e viu Jesus de pé, mas não sabia que era Jesus. 15 Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? A quem procuras?». Ela, julgando que era o hortelão, disse-Lhe: «Senhor, se tu O levaste, diz-me onde O puseste; eu irei buscá-l'O». 16 Jesus disse-lhe: «Maria!». Ela, voltando-se, disse-Lhe em hebreu: «Rabboni!», 17 Jesus disse-lhe: «Não Me retenhas, porque ainda não subi para Meu Pai; mas vai a Meus irmãos e diz-lhes que subo para Meu Pai e vosso Pai, para Meu Deus e vosso Deus». 18 Foi Maria Madalena anunciar aos discípulos: «Vi o Senhor!», e as coisas que Ele lhe disse.

Comentário:

Quando não sabemos onde está o Senhor invade-nos tal tristeza que não podemos deixar de chorar amargamente a sua perda.

Procurado com os olhos do corpo é muito possível que não Se deixe ver porque o que na verdade deseja é que O procuremos com os olhos da alma e com o coração pleno de confiança e amor.

Então, sim, vê-lo-emos sem disfarces nem véus, expectante, solicito, acolhedor e a alegria e a paz invadirão a nossa alma e as nossas lágrimas de dor passarão a ser lágrimas de alegria

(ama, comentário sobre Jo 20, 11-18, 2014.04.22)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

LIVRO OITAVO

CAPÍTULO IV

A conversão dos grandes

Vamos pois, Senhor, mãos à obra! Desperta-nos, chama-nos, inflama-nos, arrebata-nos; derrama as tuas doçuras, encanta-nos: amemos, corramos!

Não é verdade que muitos voltam a ti, saindo de um abismo de cegueira mais profundo que o de Vitorino, e se aproximam de ti, e são iluminados pela tua luz, junto da qual recebem o poder de se fazerem teus filhos?

Mas se estes são menos conhecidos pelo mundo dos homens, mesmo os que os conhecem se alegram menos; mas quando a alegria é partilhada por muitos, ainda é maior em cada um, porque se aquece e inflama de uns para os outros.

Ademais, os que são conhecidos de muitos, arrastam à salvação muitos outros, e caminham adiante seguidos dos que os imitam. Por isso, grande é a alegria dos que os precederam, por que não se regozijam só consigo.

Mas, longe de mim pensar que no teu tabernáculo são mais aceites os ricos que os pobres, e os nobres mais do que os plebeus, porque escolheste os fracos segundo o mundo para confundir os fortes; o que é vil e desprezível segundo o mundo, a que não é nada, para aniquilar o que é.

Contudo, o menor dos teus apóstolos, por cuja boca pronunciaste essas palavras, quando as suas armas abateram o orgulhoso procônsul Paulo, sujeitando-o ao leve jugo de teu Cristo e fizeram dele um súbdito do grande Rei, quis, parar comemorar tão grande triunfo, mudar seu nome de Saulo pelo de Paulo. De facto, o adversário é mais completamente vencido naquilo em que tinha maior domínio e por meio do que retém maior número de sequazes. Ora, o inimigo domina com mais força os soberbos pela nobreza de seu nome e, graças a estes, número maior pelo prestígio da sua autoridade.

Assim, na medida em que o coração de Vitorino era tido como fortaleza inexpugnável antes ocupada pelo demónio, e a sua língua como dardo poderoso e agudo, que tantas vezes havia dado a morte às almas, tanto mais copiosamente deviam exultar os teus filhos, ao verem que o nosso Rei agrilhoara o forte, e que os seus vasos roubados, eram agora purificados e destinados à tua honra, convertendo-se em instrumentos úteis ao Senhor para toda obra boa.

CAPÍTULO V

As duas vontades

Mal teu servo Simpliciano me contou a conversão de Vitorino, ardi no desejo de imitá-lo; aliás, era esta a finalidade da narração de Simpliciano. Depois acrescentou que nos tempos do imperador Juliano, uma lei proibia aos cristãos ensinar literatura e oratória, e Vitorino, dócil à lei, preferiu abandonar a escola de palradores a abandonar o teu Verbo, que torna eloquentes as línguas dos meninos. Não só me pareceu corajoso como afortunado, por ter encontrado ocasião de se consagrar por ti. Por isso eu suspirava, acorrentado não com os ferros de uma vontade estranha, mas por minha férrea vontade.

O inimigo dominava o meu querer, e dele forjava uma corrente com a qual me mantinha cativo. Da vontade perversa nasce a paixão, e desta satisfeita procede o hábito, e do hábito não contrariado provém a necessidade, e com estes anéis enlaçados entre si – por isso lhes chamei corrente – me mantinha preso em dura servidão. A nova vontade, que despontava em mim, de te servir sem interesse, de me alegrar em ti, ó meu Deus, única alegria verdadeira, ainda não era capaz de vencer a vontade antiga e inveterada. Deste modo as minhas duas vontades, a velha e a nova, a carnal e a espiritual, lutavam entre si e, nessa luta, dilaceravam-me a alma.

Entendi, por experiência própria, o que havia lido: a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito contra a carne. Eu vivia ambos ao mesmo tempo, embora mais o que aprovava em mim do que o que em mim desaprovava. Com efeito, nesta última parte de mim eu era passivo e constrangido, mais do que activo e livre.

E, contudo, o hábito que se impunha contra mim vinha de mim mesmo, pois fora voluntariamente que eu chegara onde não queria. E quem poderia protestar legitimamente, se um castigo justo segue o pecador?

Eu já não tinha aquela desculpa, com a qual me persuadia de que, se ainda não desprezava o mundo para te servir, era porque não tinha visão clara da verdade, uma vez que agora já a conhecia de modo indiscutível. Mas, ainda apegado à terra, recusava-me a combater nas tuas fileiras, e temia ver-me livre dos meus laços, quando devia temer estar atado por eles.

Assim, sentia-me docemente oprimido pelo peso do mundo, como num sonho, e os pensamentos com que meditava em ti eram semelhantes aos esforços dos que desejam despertar, mas, vencidos pela sonolência, voltam dormir. Não há ninguém que queira dormir sempre, e segundo dita o bom senso, é melhor estar desperto que dormir. Contudo, às vezes retarda-se o despertar, quando o torpor torna os membros pesados, e, mesmo a contragosto, continua-se a dormir mesmo depois de chegada a hora de despertar. Assim eu estava certo que era melhor entregar-me ao teu amor que ceder à minha paixão. O primeiro agradava-me, dominava-me; o segundo encantava-me, prendia-me.

Já não tinha o que responder quando me dizias: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te há-de iluminar”. E quando por todos os meios me mostrava a verdade do que dizias, e de que eu estava convencido, não tinha absolutamente nada para responder, senão umas palavras preguiçosas e sonolentas: Um momento... Depois... Um pouquinho mais...

Mas este pouquinho não tinha fim, e este momento ia-se prolongando.

Em vão me deleitava na tua lei, segundo o homem interior, porque em meus membros outra lei combatia a lei do meu espírito, mantendo-me cativo sob a lei do pecado que estavas nos  meus membros. Com efeito, a lei do pecado é a violência do hábito, pelo qual a alma é arrastada e presa, mesmo contra sua vontade, merecidamente porém, pois se deixa arrastar por vontade própria. Pobre de mim! Quem poderia libertar-me deste corpo de morte senão a tua graça, por Cristo, nosso Senhor?

(Revisão de versão portuguesa por ama)


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