O
Samaritano.
Sou um samaritano e o que hoje aconteceu
comigo, tem a sua raiz há tempos atrás.
Vivia com a minha família em Sicar.
A minha vida corria bem, os negócios
prosperavam, embora tivesse que deslocar-me com frequência a Jericó o que era
assaz perigoso dada a frequência dos assaltos e atropelos praticados pelos mal
feitores que infestavam o caminho.
Um dia, sem aviso, comecei a notar sinais
alarmantes no meu corpo e, depois de observado pelo médico as suspeitas
confirmaram-se: estava a ser “atacado” pelo terrível flagelo da lepra.
Como se calcula, toda a minha vida se
transformou, não ousava sair de casa e evitava qualquer contacto com outras
pessoas sempre à espera que a minha doença fosse conhecida pelas autoridades
que me obrigariam a um exílio e imporiam uma segregação social extrema.
Um dia, porém, não pude deixar de assomar a
uma janela de minha casa para verificar a que se devia o burburinho e agitação
que percorria toda a aldeia.
Uma mulher, no meio do povo que a rodeava
cada vez em maior número contava entre lágrimas e risos, numa excitação quase
frenética, algo espantoso.
Dizia ela que tendo ido buscar água ao poço
de Jacob encontrara um judeu sentado na borda do poço que, sem mais, lhe pediu
de beber. [i]
Na sua surpresa argumentara:
«Como, sendo Tu judeu, me pedes de
beber a mim, que sou samaritana?»
[ii]
Mas,
continuava, a resposta foi ainda mais surpreendente de tal forma que regressara
a correr à aldeia a dar conta do sucedido e acrescentava:
Muitos ficaram excitados e correram atrás
da mulher em direcção ao poço, outros continuaram discutindo entre si tão
insólita novidade.
Eu recolhi-me de novo dentro de casa sem
saber o que pensar mas, dentro de mim algo me dizia que este assunto não
acabaria ali.
A doença avançava com rapidez e, tal como
temia, as autoridades vieram, forçaram-me a sair de casa e ir para uma furna
onde mal viviam outros dez homens com o mesmo mal.
Desesperava… as condições de vida eram
insuportáveis, ninguém ousava aproximar-se de nós e os escassos alimentos eram
atirados do alto da ravina como se fossemos animais perigosos.
Um dia, passado algum tempo, ouviam-se
gritos e agitação no caminho que passava perto do local onde nos encontrávamos
e, um de nós, arriscou-se a subir ao parapeito a dar-se conta do que acontecia.
Regressou e, ofegante, disse-nos que o tal
homem de que a mulher falara vinha pelo caminho seguido por uma multidão de
gente que o apertava e assediava com perguntas. [iv]
Tomámos uma decisão e, os dez, subimos ao
caminho e gritámos de longe:
«Jesus, Mestre, tem compaixão de
nós!» [v]
Ele viu-nos e disse-nos:
Não pensámos mais e
pusemo-nos imediatamente a caminho.
Dei-me conta então que o meu
corpo coberto de chagas estava limpo, a pele sã e – espantoso! – não havia
qualquer sinal de lepra!
Parei de repente e, enquanto
os outros continuavam a caminhar, voltei para trás quase gritando incontrolavelmente
graças ao Senhor Deus Todo Poderoso que operara em mim tal maravilha.
Rompendo pelo meio dos que o
rodeavam e prostrei-me a seus pés continuando a dar graças. [vii]
E foi então que a minha vida
se modificou radicalmente porque, o Mestre, disse-me simplesmente:
Sempre que tinha uma oportunidade ocorria
ao local onde me diziam que Ele estava a pregar, a ensinar, a anunciar que o
Reino de Deus estava próximo e que todos – absolutamente todos – os homens
devemos amar-nos uns aos outros.
A normalidade tinha regressado à minha vida
e retomando os meus negócios recomecei as minhas viagens a Jericó.
E, hoje, o que aconteceu – o que me
aconteceu – ao ver um pobre desgraçado estendido no chão, maltratado e ferido
por salteadores foi aproximar-me dele e prestar-lhe o auxílio que estava nas
minhas mãos prestar-lhe. [ix]
Agora, descansa na estalagem para onde o
levei e, eu, já deitado, sinto-me tão bem comigo próprio, tão – porque não
admiti-lo - orgulhoso com o meu comportamento que não posso deixar de pensar no
Nazareno que me deu tão preciosa lição de vida que resumirei assim:
“Faz aos outros o que desejas que te façam
a ti”.
(ama,
reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia – 2)
[i] Lc 10, 25-27
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, aparte a magistral descrição da parábola proferida por Jesus Cristo, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.
São Josemaria recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”.
É isso mesmo que me proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.
[i] Cfr. Jo 4, 7
[ii] Cfr. Jo 4, 9
[iii] Cfr. Jo 4, 29
[iv] Cfr. Lc 17, 11
[v] Cfr. Lc 17, 13
[vi] Cfr. Lc 17, 14
[vii] Cfr. Lc 17, 15-16
[viii] Cfr. Lc 17, 19
[ix] Cfr. Lc 10, 33-35
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