Em seguida devemos tratar do poder
judiciário de Cristo. Da execução do juízo final trataremos mais
desenvolvidamente quanto examinarmos o concernente ao fim do mundo. Por agora
basta tratarmos só do que respeita à dignidade de Cristo.
E nesta questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se o poder judiciário deve ser
especialmente atribuído a Cristo.
Art. 2 — Se o poder judiciário convém a
Cristo enquanto homem.
Art. 3 — Se Cristo conquistou por seus
méritos o poder judiciário.
Art. 4 — Se Cristo tem o poder
judiciário sobre todas as coisas humanas.
Art. 5 — Se além do juízo proferido no
tempo presente haverá um outro juízo universal.
Art. 6 — Se o poder judiciário de Cristo
se estende aos anjos.
Art.
1 — Se o poder judiciário deve ser especialmente atribuído a Cristo.
Parece que o poder judiciário não deve
ser especialmente atribuído a Cristo.
1. — Pois, julgar é um poder próprio de
quem é senhor, em relação aos seus súbditos. Por isso pergunta o Apóstolo: Quem és tu que julgas o servo alheio.
Ora, ter o domínio das criaturas é comum a toda a Trindade. Logo, o poder
judiciário não deve ser atribuído especialmente a Cristo.
2. Demais. — Daniel diz: O antigo dos dias se sentou. E
acrescenta: Sentou-se o juízo e
abriram-se os livros. Ora, pelo Antigo dos dias entende-se o Pai; porque,
como diz Hilárío, o Pai é eterno.
Logo, o poder judiciário deve ser atribuído antes ao Pai que a Cristo.
3. Demais. — Compete julgar a quem
compete arguir. Ora, arguir compete ao Espírito Santo, conforme o diz o Senhor:
Ele quando vier, isto é, o Espírito
Santo, arguirá o mundo do pecado e da justiça e do juízo. Logo, o poder
judiciário deve ser atribuído antes ao Espírito Santo que a Cristo.
Mas, em contrário, a Escritura,
referindo-se a Cristo: Ele é o que por
Deus foi constituído juiz de vivos e mortos.
A emissão de um juízo exige
três condições. Primeiro, o poder de governar súbditos, donde o dizer a
Escritura: Não pretendas ser juiz se não
tens valor para romperes com esforço por entre as iniquidades. Em segundo
lugar é necessário a rectidão do zelo, isto é, não devemos proferir o juízo por
ódio ou inveja, mas por amor da justiça, segundo diz Escritura: Porque o Senhor castiga aquele a quem ama e
acha nele a sua complacência como um pai a seu filho. Terceiro, é
necessária a sabedoria, fundada na qual formamos o juízo, donde o dizer a
Escritura: O juiz sábio fará justiça ao
seu povo. Ora, as duas primeiras condições o juízo exige-as préviamente;
mas na terceira é que propriamente se funda a sua forma, pois, a razão própria
do juízo é a lei da sabedoria ou da verdade, segundo a qual julgamos. — E como
o Filho é a Sabedoria gerada e a Verdade procedente do Pai, que perfeitamente o
representa, por isso o poder judiciário é atribuído como próprio ao Filho de
Deus. Por isso diz Agostinho: Esta é
aquela Verdade incomutável, acertadamente chamada a lei de todas as artes e a
arte do Artífice omnipotente. Pois, assim como nós e todas as almas racionais
julgamos com rectidão os nossos inferiores, fundados na Verdade, assim só a
Verdade é quem nos julga, quando estamos a ela unidos. Mas julgá-la a ela nem o
Pai o pode, pois não é menor que ele. Por isso, o que o Pai julga, por meio
dela é que julga. E depois conclui: Portanto
o Pai não julga a ninguém, mas deu ao Filho todo poder de julgar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
A razão aduzida prova que o poder judiciário é comum a toda a Trindade; o que é
verdade. Contudo e por uma certa apropriação, o poder judiciário é atribuído ao
Filho, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz
Agostinho, ao Pai é atribuída à
eternidade para pôr em evidência o princípio, implicado na ideia de eternidade.
Assim, no mesmo lugar diz ainda, que o
Filho é a arte do Pai. Donde, a autoridade de julgar é atribuída ao Pai
enquanto princípio do Filho; mas a função própria de julgar é atribuída ao
Filho, que é a arte e a sabedoria do Pai. De modo que, assim como o Pai faz
tudo pelo Filho, como a sua arte que é, assim também tudo julga pelo Filho, por
ser este a sua sabedoria e a sua verdade. Tal é o significado das palavras de
Daniel, quando diz que o Antigo dos dias se sentou, acrescentando depois, que o Filho do homem chegou até o Antigo dos
dias e lhe deu o poder e a honra e o reino. Dando assim a entender, que a
autoridade de julgar é própria do Pai, de quem o Filho recebe o poder de
julgar.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como explica
Agostinho, quando Cristo disse que o
Espírito Santo arguirá o mundo do pecado, é como se tivesse dito: Ele difundirá
nos nossos corações a caridade. E é assim que, livres do temor, tereis a
liberdade de arguir. Donde, ao Espírito Santo é atribuído o juízo, não
quanto à sua essência, mas quanto ao desejo de julgar, que os homens têm.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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