15/06/2019

Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA

HAURIETIS AQUAS

DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



IV
NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO
DO CULTO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



4)Espiritualidade e excelência do culto ao coração sacratíssimo de Jesus


58. E, assim, do elemento corpóreo, que é o coração de Jesus Cristo, e do seu natural simbolismo, é legítimo e justo que, levados pelas asas da fé, nos elevemos não só à contemplação do seu amor sensível, porém a mais alto, até à consideração e adoração do seu excelentíssimo amor infuso, e, finalmente, num voo sublime e doce ao mesmo tempo, até à meditação e adoração do amor divino do Verbo encarnado; já que à luz da fé, pela qual cremos que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a natureza divina, podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o amor sensível do coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o divino.

Na realidade, não devem esses amores ser considerados simplesmente como coexistentes na adorável pessoa do Redentor divino, mas também como unidos entre si com vínculo natural, nisto que ao amor divino estão subordinados o humano, o espiritual e o sensível, os quais são uma representação analógica daquele.

Com isso não pretendemos que no Coração de Jesus se deva ver e adorar a chamada imagem formal, quer dizer, a representação perfeita e absoluta do Seu amor divino, não sendo possível, como não é, representar adequadamente por qualquer imagem criada a íntima essência desse amor; mas a alma fiel, venerando o coração de Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da caridade divina, caridade que com o coração do Verbo encarnado chegou até a amar o género humano contaminado de tantos crimes.


59. Portanto, neste assunto tão importante como delicado, é necessário ter sempre presente que a verdade do simbolismo natural, que relaciona o coração físico de Jesus com a pessoa do Verbo, repousa toda na verdade primária da união hipostática; quem isto negasse renovaria erros mais de uma vez condenados pela Igreja, por contrários à unidade da pessoa de Cristo em duas naturezas íntegras e distintas.


60. Essa verdade fundamental permite-nos entender como o Coração de Jesus é o coração de uma pessoa divina, quer dizer, do Verbo encarnado, e que, por conseguinte, representa e nos põe ante os olhos todo o amor que ele nos teve e ainda nos tem.

E aqui está a razão por que, na prática, o culto ao Sagrado Coração é considerado como a mais completa profissão da religião cristã.

Verdadeiramente, a religião de Jesus Cristo funda-se toda no Homem-Deus mediador; de maneira que não se pode chegar ao coração de Deus senão passando pelo coração de Cristo, conforme o que ele mesmo afirmou:

"Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim"[1].

Assim sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o culto ao sacratíssimo coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou por meio de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a Deus e aos outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao amor de Deus para connosco, propondo-o como objecto de adoração, de acção de graças e de imitação; e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos homens mediante o cumprimento cada vez mais generoso do mandamento "novo", que o divino Mestre legou como sagrada herança aos seus apóstolos quando lhes disse:

"Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei... O meu preceito é que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei"[2].

Esse mandamento, verdadeiramente, é "novo" e "próprio" de Cristo; porque, como diz São Tomás de Aquino:

"Pouca diferença há entre o Antigo e o Novo Testamento; pois, como diz Jeremias:

'Farei um pacto novo com a casa de Israel'[3].

Porém que este mandamento se praticasse no Antigo Testamento a impulsos de um santo temor e amor, isto pertencia ao Novo Testamento; de sorte que este mandamento existia na antiga lei não como próprio dela, porém como preparação da nova lei".[4]


PIO PP. XII.


(Revisão da versão portuguesa por AMA)

Notas:


[1] Jo 14,6
[2] Jo 13,34; 15,12
[3] Jr 31,31
[4] (39) Comment. in Evang, s. Joannis, c. XIII, lect. VII, 3; ed. Parmae,1860, t. X, p 541.


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