12/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 17, 20-26

20 «Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que hão-de acreditar em Mim por meio da sua palavra, 21 para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós, a fim de que o mundo acredite que Me enviaste. 22 Dei-lhes a glória que Me deste, para que sejam um, como também Nós somos um: 23 Eu neles e Tu em Mim, para que a sua unidade seja perfeita e para que o mundo conheça que Me enviaste e que os amaste como Me amaste. 24 Pai, quero que, onde Eu estou, estejam também comigo aqueles que Me deste, para que contemplem a Minha glória, a glória que Me deste, porque Me amaste antes da criação do mundo. 25 Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu conheci-Te e estes conheceram que Me enviaste. 26 Dei-lhes e dar-lhes-ei a conhecer o Teu nome, a fim de que o amor com que Me amaste, esteja neles e Eu neles».

Comentário:

Termina o grande discurso de Jesus Cristo, a Oração Sacerdotal!

Registamos – graças ao rigor do Apóstolo e Evangelista – o que o Senhor considera como mais importante:

O AMOR!

Dirige-se a todos os homens de todos os tempos, porque todos, absolutamente, somos filhos de Deus Criador e Senhor de quanto existe.


É sem qualquer dúvida a confirmação testamentária do nosso Salvador, clara, iniludível sem qualquer possibilidade de várias interpretações.

Que felizes nos devemos sentir com tal herança!

(ama comentário sobre Jo 17, 20-26, 2014.06.05)

Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO PRIMEIRO

Fé no Mundo Hodierno

  1. Dúvida e Fé Situação do homem frente ao problema "Deus”

…/4

4. Limite da moderna compreensão da realidade e topografia da Fé

Graças aos conhecimentos históricos de que hoje dispomos, estamos em condições de abarcar o caminho do espírito humano, até onde alcança o olhar; com o que podemos constatar que, nos vários períodos da evolução do espírito, houve diversas maneiras de colocar-se frente à realidade, por exemplo, a mentalidade mágica ou a metafísica ou, finalmente, hoje em dia, a científica (tendo por parâmetros as ciências naturais). Cada uma dessas tendências humanas básicas tem relação com a fé, de um ou de outro modo, e cada uma delas também, à sua maneira, lhe causa estorvos. Nenhuma delas se acoberta com a fé, mas também nenhuma se conserva neutra face à fé; cada uma delas é capaz de servir a fé ou de causar-lhe percalços. Para a mentalidade hodierna fundamentalmente científica que plasma, sem ser perguntada, o sentimento existencial de todos e marca-nos a nós todos o lugar dentro da realidade, é característica a limitação aos fenómenos, àquilo que aparece e ao que deve ser manipulado. Já desistimos de procurar o que são as coisas em si; de mergulhar na essência do próprio ser; parece-nos infrutífera uma tal empresa; o fundo do ser apresenta-se-nos inatingível. Acomoda-nos à nossa perspectiva, ao visível no sentido mais amplo do termo, àquilo que cabe sob os nossos instrumentos de medir e de pesar. A metodologia da ciência natural baseia-se nessa delimitação ao fenómeno. É o que parece bastar-nos. Sentimo-nos aptos a manejar tais meios, criando para nós um mundo em que possamos viver como homens. Desta forma desenvolveu-se, paulatinamente, no pensamento e no viver modernos, um conceito novo de verdade e realidade, que domina como hipótese do nosso pensamento e da nossa expressão, em geral sem que o percebamos, conceito, porém, que só poderá ser dominado, se for, por sua vez, exposto ao exame da consciência. Aqui se torna patente a função do pensamento não científico-natural, a saber, a função de analisar o aceite ou imposto sem consideração, e de colocar, frente à consciência, a problemática humana de uma tal orientação.

a) O primeiro estádio: origem do historicismo. Tentemos densenvolver, como se chegou à mentalidade acima descrita. Constataremos, se vejo bem, dois estágios de mudança espiritual. O primeiro, preparado por Descartes, recebeu forma em Kant e já anteriormente, em formulação um tanto diversa, no filósofo italiano Giambattista Vico [1] que, provavelmente, foi o primeiro a apresentar um conceito completamente novo de verdade e de conhecimento, tornando-se o ousado antecessor da típica fórmula do espírito moderno, quanto ao problema da verdade e da realidade. À equação escolástica Verum est ens – o ente é a verdade – Vico contrapôs a sua fórmula: Verum quia factum. O que significa: reconhecível como verdadeiro só pode ser aquilo que nós mesmos fazemos. Essa fórmula parece-me representar o fim da velha metafísica e o início do espírito especificamente moderno. A revolução do pensamento moderno contra todo o passado está presente aqui com uma precisão inimitável. Para a Antiguidade e a Idade Média o próprio ente é verdadeiro, isto é, reconhecível, porque Deus, o puro intelecto, o criou; e criou-o, pensando-o. Pensar e fazer são uma única coisa para o Espírito Criador, o Creator Spiritus. O seu pensar é um criar. As coisas existem porque são pensadas. Por isso, para a Antiguidade e a Idade Média, todo o ser é um ser-pensado, um pensamento do Espírito absoluto. E vice-versa: porque todo ser é pensamento, todo ser é sentido, Logos, verdade. Portanto o pensamento humano é um "pensar-depois", uma reflexão sobre o pensamento que é o próprio Ente. Mas, o homem pode pensar na esteira do Logos, do sentido do ser, porque o seu próprio logos, a sua própria razão é logos do único Logos, pensamento do pensamento primitivo e original, do Espírito Criador que dispõe o ser até o fundo das suas raízes.

Em contraste com isto, a obra do homem é considerada pela antiguidade e pela Idade Média como ocasional e contingente. O ser é pensamento, portanto é pensável, objecto do pensamento e da ciência que aspira à sabedoria. A obra humana, pelo contrário, é uma mistura de logos e de falta de lógica que, além disto, com o passar do tempo, recai no passado. Não admite uma compreensão completa, por lhe faltar algo do presente, base da intuição, e algo do logos, ou seja, do sentido duradouro. Por esta razão, o impulso científico antigo e medieval estava convencido de que o saber sobre as coisas humanas não passava de techne, de técnica, de capacidade artesanal, jamais podendo alcançar o nível de uma ciência real. Por esta razão as artes, na universidade medieval, figuravam como preliminar à ciência propriamente dita, isto é, àquela ciência que reflecte sobre o ser, ponto de vista este ainda firmemente defendido por Descartes, ao negar à história o carácter de ciência. O historiador convencido de conhecer a história romana antiga, afinal de contas saberia menos a respeito dela do que qualquer cozinheiro romano, e saber latim não conota mais do que o saber de qualquer doméstica de Cícero. Exactamente cem anos mais tarde Vico inverterá as normas da verdade medieval, ainda claramente expressas por Descartes, abrindo assim a porta à reversão fundamental do espírito moderno. Começa agora aquela atitude que traz consigo a idade "científica" – em cuja esteira ainda nos encontramos.

Pela sua importância fundamental para o nosso problema, tentemos analisá-lo um pouco mais a fundo. Descartes considera ainda, como certeza real, a certeza racional formal, purificada das incertezas do factível. Contudo, já se notam prenúncios da refersão para a época moderna, quando Descartes compreende essa certeza real essencialmente sob o enfoque do modelo da certeza matemática, elevando a matemática à forma básica de todo o pensamento racional. Enquanto, porém, em Descartes os factos devem ser postos em parêntesis, isto é, abstraídos, se se quer ter certeza, Vico levanta a tese diametralmente oposta. Formalmente, apoiando-se em Aristóteles, declara que o saber real se cifra no saber das causas. Conheço uma coisa, conhecendo-lhe a causa; compreendo o motivado, se souber o motivo. Mas, desse aforisma antigo tira-se e afirma-se algo completamente novo: se, para o saber factivo se requer o conhecimento das causas, então podemos saber verdadeiramente somente aquilo que nós mesmos fizemos, pois só nos conhecemos a nós mesmos. O que, por conseguinte, vem a ser que, em lugar da antiga equação "verdade – ser", entra a nova: "verdade – facticidade"; só é reconhecível o feito, isto é, aquilo que nós mesmos fazemos. Tarefa e possibilidade do espírito humano não é reflectir sobre o ser, mas sobre o facto, o feito, o mundo peculiar do homem, único objecto que estamos em condições de compreender verdadeiramente. O homem não produziu o cosmos, que, por isso, lhe permanece impenetrável nas suas derradeiras profundezas. Só lhe é acessível um saber perfeito, comprovado, no âmbito das ficções matemáticas e da história que representa a esfera do que o homem mesmo fez, sendo por esta razão acessível ao seu conhecimento. No meio do oceano de dúvidas que ameaça a humanidade após a derrocada da velha metafísica, nos alvores do tempo moderno, redescobre-se no facto a terra firme sobre a qual o homem pode tentar uma nova existência. Principia o reinado do "facto", isto é, a volta radical do homem para sua própria obra, como o único elemento de que tem a certeza.

Com isto está ligada aquela inversão de todos os valores, que transforma a história em época realmente "nova", em contraposição à antiga. O que antes havia sido desprezado como não científico – a história – resta, ao lado da matemática, como a única ciência verdadeira. O que antes parecia a única tarefa digna de espírito livre, a reflexão sobre o sentido do ser, surge agora como esforço vão e sem saída, ao qual não corresponde nenhuma possibilidade científica autêntica. Assim, matemática e história arvoram-se em disciplinas dominantes, chegando a história a absorver, por assim dizer, o mundo inteiro das ciências, modificando-as fundamentalmente. A Filosofia torna-se um problema da história em Hegel, e, de outro modo, em Comte, problema onde o mesmo ser é sufocado como processo histórico; em F. Chr. Baur, a teologia torna-se história; o seu caminho, a pesquisa rigorosamente histórica que examina os eventos passados, esperando assim alcançar o fundo das questões; Marx repensa historicamente a economia nacional, e até as ciências naturais são afectadas por esta tendência geral para a história: Darwin concebe o sistema dos seres vivos como uma história da vida; em lugar da constância das coisas criadas entra uma doutrina evolucionista, na qual todas as coisas vêm umas das outras, permanecendo relacionadas com as do passado. Assim o mundo acaba por não mais parecer uma estrutura do ser, mas um processo cuja contínua propagação se identifica com o movimento do mesmo ser. Ou seja: o mundo é cognoscível, é sabível meramente como feito pelo homem. O homem tornou-se incapaz de olhar acima de si, a não ser, novamente, no âmbito do "facto", onde é obrigado a identificar-se com o produto ocasional de evoluções imemoriais. Deste modo surge uma situação muito estranha. No instante em que principia um antropocentrismo radical, o homem não é capaz de reconhecer nada mais, além da sua própria obra, vendo-se simultaneamente compelido a aceitar-se a si mesmo como produto ocasional, como simples "facto". E o céu, do qual o homem parecia ter vindo, desaba, ficando-lhe entre as mãos a terra, o pó dos factos, terra, pó, em que tenta decifrar, com a pá, a laboriosa história do seu devir.

b) O segundo estádio: virada para o pensamento técnico. Verum quia factum: este axioma que encaminha o homem para a história como sendo morada da verdade, certamente não poderia ser suficiente em si mesmo. Alcançou a sua eficiência completa ao ligar-se a um outro motivo que, novamente cem anos depois, Karl Marx formulou no seu axioma clássico: "Até agora os filósofos contemplaram o mundo; agora devem por-se a modificá-lo". Com o que torna a ser completamente reformulada a tarefa da filosofia. Trocada em termos filosóficos tradicionais, esta máxima diria que, em lugar do verum quia factum – é reconhecível, é veraz o que o homem fez e pode contemplar – entra um programa novo: verum quia faciendum – a verdade, da qual de agora em diante se há de tratar, é a facticidade, a capacidade de ser feito. Ou, expresso ainda de outro modo: a verdade que ao homem cumpre manipular, não é nem a verdade do ser, nem, em última análise, a dos seres realizados, feitos, mas a verdade da alteração do mundo, da formação do mundo – uma verdade dirigida para o futuro e para a acção.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

Revisão da versão portuguesa por ama





[1] 1688-1744

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