11/02/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo Comum
Semana V

Nossa Senhora de Lourdes

Cinzas

Evangelho: Lc 9, 22-25

22 «É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, que seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que seja morto e ressuscite ao terceiro dia. 23 Depois, dirigindo-Se a todos disse: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias, e siga-Me.24 Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá; e quem perder a sua vida por causa de Mim, salvá-la-á. 25 Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo ou se faz dano a si?

Comentário:

O que significa “negar-se a si mesmo”?
Abdicar de ser uma pessoa humana?

Bem pelo contrário, significa ser uma pessoa humana completa e capacitada de uma realidade indiscutível: ser Filho de Deus!

Um bom filho ama entranhadamente o seu pai e procura seguir, em tudo, o seu exemplo e satisfazer as aspirações e desejos que tem a seu respeito porque, naturalmente, um pai quer para o seu filho o melhor e mais conveniente.

Como duvidar que é exactamente isso que o nosso Pai Deus quer para cada um dos Seus filhos?

(ama, comentário sobre Lc 9, 22-25, 2014.03.06) 20016)


Leitura espiritual



Teologia da Sacrosanctum Concilium

A liturgia, exercício do sacerdócio

Conforme acabamos de ver, o Concílio Vaticano II explica a liturgia em primeiro lugar como momento da história da salvação.
Mas este não é o único aspecto a ser considerado por quem quer conhecer a natureza da liturgia.
Sobretudo quando o Vaticano II faz aquela descrição da liturgia que geralmente é considerada como definição, várias outras dimensões são mencionadas, entre as quais se destaca aquela de a liturgia ser o exercício do sacerdócio de Cristo e dos cristãos.
Aprofundaremos primeiro esta dimensão e em seguida duas outras que são também essenciais para um conhecimento da natureza da liturgia: sua dimensão simbólica e as duas vertentes da ação litúrgica.
Outro aspecto importante da liturgia é que nela participamos da liturgia celeste.

Antes de entrarmos no estudo das diferentes dimensões, vejamos o texto conciliar em questão. Embora não seja uma definição em sentido estrito, porque o Concílio julgou que definir fosse tarefa da ciência litúrgica e não do magistério, ele é de suma importância: “Com razão (…) a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral pelo corpo místico de Cristo, cabeça e membros” [i].

l. O sacerdócio de Jesus Cristo

Jesus Cristo praticou em sua vida e preconizou o culto em espírito e verdade, o culto que Deus tinha prescrito a seu povo ao selar a aliança no Monte Sinai.
A carta aos hebreus, descrevendo o sacerdócio novo, único e definitivo de Jesus Cristo, diz:

“Ao entrar no mundo, Ele (Jesus Cristo) afirmou: ‘Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram do teu agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui, – no rolo do livro está escrito a meu respeito – eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’. Assim, ele declara, primeiramente: ‘Sacrifícios, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado, tu não quiseste, e não te agradaram’.
Trata-se, notemo-lo bem, de oferendas prescritas pela Lei.
Depois Ele assegura:

‘Eis que eu vim para fazer a Tua vontade’.

Portanto, Ele suprime o primeiro para estabelecer o segundo.
E graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas” [ii].
É o culto da vida de Jesus que Ele completou pela sua morte na cruz e cuja aceitação o Pai manifestou ressuscitando O Seu Filho da morte.
Como Jesus entrou pela Sua morte no santuário verdadeiro, o céu, assim Ele está agora e eternamente diante do Pai, entregando-se em eterno amor obediente, e associa a Si aqueles que na terra estão em comunhão com Ele, sobretudo aqueles que pelo baptismo se tornaram com ele e nele sacerdotes, os membros do Seu corpo místico.
Na Sua vida e especialmente quando eles celebram a liturgia, Jesus está presente e agindo, como diz a constituição sobre a liturgia, ”no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, ‘pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz’ [iii], quanto sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo, mesmo que baptiza.
Presente está pela sua palavra, pois é ele mesmo que fala quando se lêem as sagradas escrituras na igreja.
Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu:

‘Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, aí estarei no meio deles [iv], [v].

Evidentemente, os membros do seu corpo que participam do seu sacerdócio, devem celebrar como ele, quer dizer, celebrar aquilo que vivem, sua obediência ao Pai e entrega pelos irmãos, exatamente como Jesus na última ceia celebrou ritualmente seu sacrifício vivido desde a sua encarnação até a morte na cruz.

2 – O sacerdócio dos cristãos

Ao selar a aliança no deserto do Sinai com o povo libertado da escravidão do Egito Deus tinha dito:

“Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade particular entre todos os povos… Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” [vi].
É este texto que ressoa nas palavras de São Pedro em sua primeira carta: “Dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo”, e: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” [vii].
No mesmo sentido diz o livro do apocalipse que Jesus “fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai” [viii].
Como no antigo, assim também no novo testamento, este sacerdócio é um sacerdócio espiritual que, no entanto, não exclui, e sim inclui o oferecimento de sacrifícios rituais, na Igreja o sacrifício eucarístico. É igualmente claro que o exercício deste sacerdócio se estende a toda a liturgia, a todas as celebrações.
E, finalmente, não há dúvidas de que este povo sacerdotal são todos os baptizados. Como no baptismo nascemos pelo dom do Espírito Santo como filhos e filhas de Deus em Jesus Cristo, assim somos no baptismo ungidos sacerdotes no sumo-sacerdote Jesus Cristo.

E o sacerdócio dos ordenados?
Como diz o termo que o especifica, “sacerdócio ministerial”, ele está a serviço do sacerdócio comum de todos os batizados. Os ordenados ajudam todo o povo dos baptizados a viver e exercer o seu sacerdócio espiritual e ritual.

Sobretudo na liturgia exerce-se o sacerdócio de Jesus Cristo, do qual participam todos os batizados e, de modo particular, os ordenados. É neste sentido que a constituição sobre a liturgia fala da “plena, cônscia e ativa participação das celebrações, que a própria natureza da liturgia exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão, geração escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo de conquista tem direito e obrigação” [ix].
No mesmo sentido a constituição diz ainda: “As ações litúrgicas (…) são (…) celebrações da Igreja, que é o sacramento da unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos. Por isso, estas celebrações pertencem a todo o corpo da Igreja, e o manifestam e afetam” [x].

3 – A liturgia como ação simbólico-sacramental

A constituição sobre a sagrada liturgia diz que pelo exercício do sacerdócio de Jesus Cristo “mediante sinais sensíveis é, de modo particular a cada sinal, realizada a santificação do homem” e a glorificação de Deus [xi].
Não se pode aqui apresentar toda uma antropologia e teologia de sinal e símbolo. Mas isso nem é necessário para uma compreensão daquilo que o Concílio queria dizer sobre a natureza da liturgia. A constituição não fala de simples sinais que apenas manifestam uma realidade ou a ela remetem. Fala de sinais que também realizam aquilo que manifestam ou significam. Tais sinais chamamos na liturgia e na ciência litúrgica geralmente de símbolos.
A realidade sensível do símbolo é também na liturgia normalmente uma coisa, um objeto ou uma ação sensível que manifesta e realiza o mistério celebrado ou a salvação. Assim, por exemplo, a comunidade reunida em assembleia litúrgica, não apenas remete ao corpo místico de Cristo, mas é este corpo. E quando alguns membros desta assembleia exercem determinados ministérios, são os membros do corpo de Cristo que o fazem. Naquele que preside, a cabeça deste corpo, Jesus Cristo mesmo, está presente e agindo, falando para nós em nome do Pai do céu, ou levando a nossa oração a Deus. Quando o presidente da celebração eucarística diz: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós”, é Jesus Cristo mesmo que diz isso; e então a espécie do pão não nos remete apenas ao corpo de Cristo, mas é o corpo de Cristo eucarístico. Convém lembrar ainda, neste momento, que graças a seu caráter simbólico a liturgia pode manifestar aquilo que nela se realiza muito melhor do que o poderiam as palavras. Por exemplo, um aperto de mão ou um abraço podem dizer muito mais do que apenas palavras.

Falando assim do caráter simbólico da liturgia, falamos de sua sacramentalidade. Os sete sacramentos são ações simbólicas que realizam o que significam. Desta sacramentalidade participam todas as ações litúrgicas, também os agentes da celebração, os objetos que se usam, e até o espaço e o tempo em que a liturgia se realiza.

4 – Na liturgia Deus nos santifica e nós glorificamos a Deus

Na história de Deus com a humanidade realiza-se o eterno plano do amor divino: desde a criação e sobretudo através da obra da salvação do mundo, até a última vinda do Senhor na glória – num dinamismo que costumamos considerar como descendente. A este dinamismo corresponde o ascendente, em que a humanidade, enquanto conhece Deus e o reconhece como seu criador e salvador lhe responde em louvor e ação de graças, não apenas em palavras, mas sobretudo pela vida e ação conforme a vontade de Deus, caminhando assim para a plenitude do Reino. A mesma dupla vertente observamos na liturgia.
De um lado, celebramos a acção santificadora de Deus, principalmente na proclamação da Palavra, ou, por exemplo, no perdão e no novo nascimento com que Deus nos agracia, talvez o mais evidentemente na eucaristia, no Corpo do Senhor entregue e no Seu Sangue que bebemos. A este dinamismo descendente da nossa santificação corresponde, também na liturgia, outro, o ascendente, o da glorificação de Deus, na nossa oração litúrgica, quando levantamos as nossas mãos em sinal de elevar os corações a Deus, de modo particular quando oferecemos o sacrifício eucarístico e pedimos que o Pai nos aceite com seu Filho.

Evidentemente, em tudo isso, em todas as nossas acções simbólico-sacramentais, sempre quando exercemos o nosso sacerdócio na liturgia, devemos expressar com autenticidade o mistério que celebramos e, da nossa parte, aquilo que somos e vivemos, nossa atitude interior. Só assim nossa liturgia será um culto agradável a Deus, adoração em espírito e verdade. Tal liturgia nunca pode ser uma ação meramente humana, mas sempre se realizará por força do Espírito Santo e em sintonia com a ação de Jesus, nosso sumo-sacerdote.

5 – Na liturgia terrena participamos da liturgia celeste

Geralmente, quem preside a missa introduz o Santo, convidando a cantá-lo em comunhão com os anjos e os santos do céu. Esta não é uma linguajem figurativa, mas sacramental-real. Para toda a liturgia vale o que a constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia diz da liturgia das horas:

“O sumo-sacerdote do novo e eterno testamento, Cristo Jesus, assumindo a natureza humana, trouxe para esse exílio terrestre aquele hino que é cantado por todo o sempre nas habitações celestes” [xii]. De facto, Ele que está à direita do Pai, fala-nos na proclamação e explicação da Palavra e com Ele e por Ele nós dirigimo-nos ao Pai, unidos no Espírito Santo; estando, portanto, em íntima comunhão com as três pessoas da Santíssima Trindade, participando da sua acção, como partilhamos também a vida divina, por força do nosso baptismo.
Por isso, a constituição sobre a liturgia pode com todo direito dizer:

“Na liturgia terrena, antegozando, participamos da liturgia celeste, que se celebra na Cidade Santa de Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos encaminhamos” [xiii].

Certamente poder-se-ia dizer muito mais sobre a liturgia. Mas também não há dúvida de que o Concílio Vaticano II no início da constituição sobre a liturgia, nos artigos aos quais nos referimos neste estudo, nos diga aquilo que é o mais pertinente, o essencial que se possa e deva dizer sobre a natureza da liturgia:

Que ela é um momento da história da salvação, porque nela se leva a efeito a obra redentora de Jesus Cristo, pelo exercício do seu sacerdócio, da cabeça e dos membros do seu corpo místico.

p. gregório lutz cssp

(Revisão da versão portuguesa por ama)



[i] SC 7
[ii] Hb: 10, 5-10
[iii] Concílio de Trento
[iv] (Mt 18,20
[v] SC 7
[vi] Ex 19,5-6
[vii] 1 Pd 2,5.9
[viii] Ap 1,6
[ix] SC 14
[x] SC 26
[xi] SC 7
[xii] SC 83
[xiii] SC 8

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