14/03/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Quaresma

Semana V

Evangelho: Jo 8, 1-11

1 Jesus foi para o monte das Oliveiras. 2 Ao romper da manhã, voltou para o templo e todo o povo foi ter com Ele, e Ele, sentado, os ensinava. 3 Então os escribas e os fariseus trouxeram-Lhe uma mulher apanhada em adultério; puseram-na no meio, 4 e disseram-Lhe: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de adultério. 5 Ora Moisés, na Lei, mandou-nos apedrejar tais mulheres. E Tu que dizes?». 6 Diziam isto para Lhe armarem uma cilada, a fim de O poderem acusar. Porém, Jesus, inclinando-Se, pôs-Se a escrever com o dedo na terra. 7 Continuando, porém, eles a interrogá-l'O, levantou-Se e disse-lhes: «Aquele de vós que estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra». 8 Depois, tornando a inclinar-Se, escrevia na terra. 9 Mas eles, ouvindo isto, foram-se retirando, um após outro, começando pelos mais velhos; e ficou só Jesus com a mulher diante d'Ele. 10 Então, levantando-Se, disse-lhe: «Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?». 11 Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Então Jesus disse: «Nem Eu te condeno; vai e doravante não peques mais».

Comentário:

A Liturgia repete dois dias seguidos o mesmo Trecho do Evangelho de São João e, parece-me, com uma intenção: marcar bem a postura de Jesus Cristo face à mulher e à sua dignidade como pessoa humana.
Há, de facto, tentativas ao longo dos tempos – também hoje em dia – para que a sociedade reconheça à mulher os direitos que lhe são exclusivos como pessoa humana – direitos e dignidade, bem-entendido -.
Tal não tem nada a ver com outras - não poucas - iniciativas que tentam considerar a mulher igual ao homem o que é profundamente errado.

O homem e a mulher são dois seres humanos com direitos, responsabilidades e deveres comuns, mas, em muitos variados aspectos, com dignidades e “lugares” diferentes na sociedade.
Desde logo só à mulher é reservado o papel da maternidade, a capacidade de gerar um novo ser e, considerando apenas esta particularidade, a mulher tem desde logo um papel de colaboradora activa com Deus.

Deus Nosso Senhor quis expressamente que a Sua humanidade santíssima fosse gerada num seio feminino, numa Mãe terrena, que embora revestida e enormíssimas prerrogativas e privilégios era e tudo igual a qualquer mulher.

Talvez que a palavra mais doce e que move mais corações seja a palavra MÂE, exactamente porque nos lembra – a todos – essa que nos deu a vida, velou por nós nos primeiros dias da nossa existência e, não poucas vezes, nos colocou em primeiríssimo lugar das suas preocupações diárias.

(ama, comentário sobre Jo 8 1-11, 2016.01.15)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO - CONFISSÕES

LIVRO QUINTO

CAPÍTULO I

Oração

Recebe, Senhor, o sacrifício das minhas Confissões por meio da minha língua, que tu formaste e impeliste a confessar o teu nome. Cura todos os meus ossos, e que eles proclamem: Senhor, quem haverá semelhante a ti? Na verdade, quem se dirige a ti, nada te informa do que ocorre em si, porque não há coração fechado que se possa subtrair ao teu olhar, nem dureza de homem que possa repelir a tua mão. Ao contrário, a abrandas quando queres, ou para compadecer-te, ou para castigar; não há quem se esconda do teu calor. Mas, que minha alma te louve para que te ame, a confesse as tuas misericórdias para que te louve. Toda a criação não cala os teus contínuos louvores, nem os espíritos todos, com a sua boca voltada para ti, nem os animais e coisas corporais, pela boca dos que os contemplam. Assim, apoiando-se na tua criação, a nossa alma levanta-se da sua franqueza, e chega a ti, seu admirável criador, onde encontrará rejuvenescimento e verdadeira fortaleza.

CAPÍTULO II

Os que fogem de Deus

Afastem-se e fujam de ti os irrequietos e os pecadores. Tu os vês e distingues as suas sombras. E eis que, apesar deles, todas continuam belas; somente eles são feios. E que damos te poderiam causar? Ou em que poderia desonrar o teu império, justo e íntegro desde os céus até as coisas mais ínfimas? E para onde fugiram, ao fugir da tua presença? E em que lugar não os encontrarás? Fugiram, sim, para não te ver a ti, que os estás vendo, mas deparam contigo, que não abandonas nada do que criaste; tropeçaram contigo, injustos, e justamente são castigados; subtraindo-se á tua brandura, ofenderam a tua santidade, e caíram sob os teus rigores.

Evidentemente eles ignoram que estás em toda parte, que nenhum lugar te limita, e que só tu estás presente mesmo nos que se afastam de ti.

Que se convertam, pois, e te busquem, porque não abandonas a tua criatura, como elas abandonaram o seu Criador. Que se convertam, e logo estarás nos seus corações, nos corações dos que te confessam, dos que se lançam em ti, dos que choram no teu regaço depois de percorrerem penosos caminhos. E tu, bondoso, enxugarás as suas lágrimas; e chorarão ainda mais, mas serão felizes por chorar, porque és tu, Senhor, e nenhum homem de carne e sangue, tu, Senhor, que os criaste, que os consolas e robusteces.

E onde estava eu quando te buscava? Certamente, estavas diante de mim, mas eu tinha-me afastado de mim mesmo, e não me encontrava, e muito menos de ti!

CAPÍTULO III

Fausto e o maniqueísmo

Falarei, na presença do meu Deus, do ano vigésimo-nono da minha vida. Já havia chegado a Cartago um dos bispos maniqueus, chamado Fausto, grande laço do demónio, no qual caíam muitos pelo encanto sedutor da sua eloquência. Apesar de ser exaltada por mim, eu a sabia contudo discernir das verdades que desejava conhecer. Não era o prato do estilo que eu considerava, mas o alimento doutrinal que nele me era servido por aquele famoso Fausto, tão reputado entre os seus.

Antecedera-o a fama de homem erudito em toda espécie de ciência, e particularmente instruído nas artes liberais. E como eu tinha lido muitas teorias dos filósofos, e as guardava na memória, quis comparar algumas destas com as grandes fábulas do maniqueísmo. Pareciam-me mais prováveis as doutrinas daqueles que chegaram a conhecer a ordem do mundo, embora não tivessem encontrado o seu Criador. Porque tu és grande, Senhor, e pondes os olhos nas coisas humildes, e as elevadas conhece-las de longe, e não te aproximas senão dos contritos de coração. Nem és encontrado pelos soberbos, ainda que a sua curiosa perícia seja capaz de contar as estrelas do céu e as areias do mar; seja capaz de medir as regiões do céu e de investigar o curso dos astros.

Com a inteligência e o engenho que lhes deste investigam os segredos do mundo, e descobriram muitos deles; predisseram com muitos anos de antecedência os eclipses do sol e da lua, no dia e hora em que hão-de suceder, sem que nunca lhes falhasse o cálculo, acontecendo sempre tal e como haviam anunciado. Deixaram ainda por escrito as leis por eles descobertas, as quais ainda hoje se leem, e de acordo com elas se prediz em que ano, e em que mês do ano, e em que dia do mês, e em que hora do dia, e em que parte da sua luz se hão-de eclipsar o sol e a lua; e tudo acontece como está predito.

Admiram-se disto os ignorantes, e pasmam. Os sábios gloriam-se disso, e desvanecem-se, e com ímpia soberba afastam-se e eclipsam-se da tua luz. E, prevendo com exactidão o eclipse vindouro do sol, não veem o seu, que já está presente. Não procuram religiosamente saber de onde lhes vem o talento com que investigam essas coisas e, achando que tu as criaste, não se entregam a ti, para que conserves o que lhes deste, nem se te oferecem em sacrifício, como se se tivessem feito a si mesmos; nem dão morte às suas soberbas, que alçam voo como aves do céu; nem às suas insaciáveis curiosidades que, como peixes do mar, passeiam pelas secretas sendas do abismo; nem às suas luxúrias, que os igualam aos animais do campo, a fim de que tu, ó Deus, fogo devorador, destruas estas suas preocupações de morte, e os tornes a criar para uma vida imortal.

Mas não conheceram o caminho, o teu Verbo, por quem fizeste as coisas que numeram, e a eles próprios que as numeram, e os sentidos com que percebem as coisas que numeram, e a mente graças à qual as numeram. Tua sabedoria escapa aos números. Teu Filho Unigénito se fez para nós sabedoria, justiça e santificação, e foi contado entre nós, e pagou tributo a César. Não conheceram este caminho, por onde desceriam do seu orgulho até ele, e por ele subiriam até ele; não conheceram, digo, este caminho, e julgaram-se mais elevados e resplandecentes que as estrelas, e assim vieram a rolar por terra, e seu coração insensato se obscureceu.

Dizem muitas coisas verdadeiras acerca das criaturas; mas, como não procuram piedosamente a Verdade, isto é, o autor da Criação, não o encontram; e, se o encontram reconhecendo-o por Deus, não o honram como a Deus, nem lhe dão graças. Antes, se desvanecem nos seus pensamentos, e se dizem sábios, atribuindo a si próprios o que é teu.

Atribuem a ti, com perversa cegueira, as suas mentiras, a ti, que és a própria Verdade; alteram a glória de um Deus incorruptível, concebendo-a à semelhança e imagem do homem corruptível, das aves, dos quadrúpedes, das serpentes. E convertem a tua verdade em mentira, e adoram e servem antes à criatura do que ao Criador.

Eu porém guardava muitas das suas opiniões verdadeiras acerca das criaturas, cuja explicação encontrava nos números, na ordem dos tempos e no testemunho visível dos astros; comparava-as com os ensinamentos de Manés, que escreveu sobre essas matérias numerosas e delirantes loucuras, sem achar nenhuma explicação para os solstícios e equinócios, os eclipses do sol e da lua, e para outras coisas, enfim, das quais tomara conhecimento pelos livros da sabedoria profana.

Contudo, exigia-me que acreditasse nessas doutrinas, embora não concordassem absolutamente com os meus cálculos e com o que os meus olhos testemunhavam.

CAPÍTULO IV

Ciência e ignorância

Senhor, Deus da verdade, acaso te agradará quem conhecer essas coisas? Infeliz do homem que, conhecendo-a todas, te ignora ti; mas feliz de quem te conhece, embora as ignore!

Quanto ao que conhece a ti e a elas, este não é mais bem-aventurado por causa do seu saber, mas só é feliz por ti, se, conhecendo-te, glorifica-te como Deus, e dá-te graças, e não se desvanece em seus pensamentos.

É melhor aquele que reconhece estar na posse de uma árvore e te dá graças pela sua utilidade, embora ignore quantos côvados tem de altura e de largura, que o que a mede, e conta todos os seus ramos, mas não a possui, nem conhece, nem ama o seu Criador. Assim o homem fiel, a quem pertencem todas as riquezas do mundo, e que, nada possuindo, possui tudo, por estar unido a ti, a quem servem todas as coisas – embora desconheça até o curso das estrelas da Ursa – e seria insensatez duvidar – é certamente melhor do que o que mede os céus, conta as estrelas e pesa os elementos, mas despreza-te a ti, que dispuseste todas as coisas em número, peso e medida.

(cont)


(Revisão de versão portuguesa por ama)

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