16/05/2015

Tratado da vida de Cristo 1

Tratado da vida de Cristo

Questão 27: Da santificação da Virgem Maria
Questão 28: Da virgindade da Santa Virgem Maria
Questão 29: Dos desposórios da Mãe de Deus
Questão 30: Da Anunciação da Santa Virgem
Questão 31: Da concepção do Salvador quanto à matéria de que o Seu corpo foi concebido
Questão 32: Do princípio ativo na concepção de Cristo
Questão 33: Do modo e da ordem da concepção de Cristo
Questão 34: Da perfeição do filho concebido
Questão 35: Da natividade de Cristo
Questão 36: Da manifestação de Cristo nascido
Questão 37: Da circuncisão de Cristo
Questão 38: Do baptismo de João
Questão 39: Do baptizado de Cristo
Questão 40: Do género de vida que levou Cristo
Questão 41: Da tentação de Cristo
Questão 42: Da doutrina de Cristo
Questão 43: Dos milagres feitos por Cristo em geral
Questão 44: De cada uma das espécies de milagres.
Questão 45: Da transfiguração de Cristo
Questão 46: Da Paixão de Cristo
Questão 47: Da causa eficiente da paixão de Cristo
Questão 48: Do modo da paixão de Cristo
Questão 49: Dos efeitos da paixão de Cristo
Questão 50: A morte de Cristo
Questão 51: Da sepultura de Cristo
Questão 52: Da descida de Cristo aos infernos
Questão 53: Da ressurreição de Cristo
Questão 54: Da qualidade de Cristo ressurrecto
Questão 55: Da manifestação da ressurreição
Questão 56: Da causalidade da ressurreição de Cristo
Questão 57: Da Ascensão de Cristo
Questão 58: De Cristo sentado à direita do Pai
Questão 59: Do poder judiciário de Cristo
Questão 27: Da santificação da Virgem Maria

Depois de termos tratado da união de Deus e do homem e do que resulta dessa união, resta tratarmos do que fez ou sofreu o Filho de Deus encarnado na natureza humana a que se uniu. Cujo tratado é quadripartido. Assim, primeiro, consideraremos o pertinente ao seu ingresso no mundo. Segundo, o pertinente ao desenrolar-se da sua vida neste mundo. Terceiro, a sua partida deste mundo. Quarto, do relativo à sua exaltação, depois desta vida.

No primeiro tratado, quatro pontos devem ser considerados. Primeiro, a concepção de Cristo. Segundo, a sua natividade. Terceiro, a sua circuncisão. Quarto, o seu baptismo. Sobre a sua concepção, devemos, primeiro, tratar de certos pontos relativos à conceição de sua mãe. Segundo, do modo da conceição. Terceiro, da perfeição do filho concebido. Quanto à mãe, quatro questões se oferecem ao nosso exame. Primeiro, a sua santificação. Segundo, a sua virgindade. Terceiro, os seus desposórios. Quarto, a sua anunciação. Quinto, a sua preparação para conceber.

Na primeira questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se a Santa Virgem foi santificada antes de nascer, no ventre materno.
Art. 2 — Se a Santa Virgem foi santificada antes de ser animada.
Art. 3 — Se a Santa Virgem foi purificada do contágio do gérmen da concupiscência.
Art. 4 — Se pela santificação no ventre materno a Santa Virgem foi preservada de todo pecado actual.
Art. 5 — Se a Santa Virgem, pela santificação no ventre materno, obteve a plenitude ou a perfeição da graça.
Art. 6 — Se ser santificada no ventre materno foi, depois de Cristo, próprio à Santa Virgem.

Art. 1 — Se a Santa Virgem foi santificada antes de nascer, no ventre materno.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que a Santa Virgem não foi santificada antes de nascer, no ventre materno.

1 — Pois, diz o Apóstolo: Não primeiro o que é espiritual, senão o que é animal, depois o que é espiritual. Ora, pela graça da santificação o homem nasce espiritualmente filho de Deus, segundo o Evangelho: Nasceram de Deus. Mas, a natividade, do ventre, é uma natividade corpórea. Logo, a Santa Virgem não foi santificada, antes de nascer do ventre materno.

2 — Demais. Agostinho diz: A santificação, que nos torna templos de Deus, só é a dos renascidos. Ora, ninguém renasce senão depois de nascer. Logo, a Santa Virgem não foi santificada, antes de nascida do ventre materno.

3 — Demais. Todo santificado pela graça é purificado do pecado original e do actual. Se, pois, a Santa Virgem foi santificada antes da natividade no ventre materno, foi então, por consequência purificada do pecado original. Ora, só o pecado original podia impedir-lhe a entrada no reino celeste. Se, portanto, tivesse morrido, então, teria transposto as portas do reino celeste. O que contudo não podia dar-se, antes da paixão de Cristo; pois, como diz o Apóstolo, temos confiança de entrar no santuário, pelo sangue de Cristo. Donde se conclui, portanto, que a Santa Virgem não foi santificada antes de nascida do ventre materno.

4 — Demais. O pecado original é o que vem de origem, assim como o pecado actual, o que pressupõe um acto. Ora, enquanto praticamos o acto de pecar não podemos ser purificados do pecado. Logo, também a Beata Virgem não podia ser purificada do pecado original, enquanto existia original e actualmente no ventre materno.

Mas, em contrário, a Igreja celebra a natividade da Santa Virgem; ora, a Igreja não celebra nenhuma festa senão por algum santo. Logo, a Santa Virgem, na sua própria natividade, não foi santa. Logo, foi santificada no ventre materno.

Sobre se a Santa Virgem foi santificada no ventre materno, nada nos ensina a Escritura canónica, a qual também não faz menção da sua actividade. Mas, assim como Agostinho prova com razões que a Virgem foi assumpta ao céu em corpo, o que contudo não o diz a Escritura, assim também podemos pensar racionalmente que foi santificada no ventre materno. Pois, é racional crermos, que aquela que gerou o Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade, recebeu maiores privilégios de graça que as demais mulheres. E por isso diz o Evangelho, que o Anjo lhe anunciou: Ave, cheia de graça. Pois, sabemos que a alguns foi concedido esse privilégio da santificação no ventre materno; assim, a Jeremias, a quem foi dito – Antes que tu saísses da clausura do ventre materno, te santifiquei. E a João Batista, de quem foi dito. Já desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo. Donde e racionalmente, cremos que a Santa Virgem foi santificada, antes de nascer, no ventre materno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Também na Santa Virgem primeiro existiu o corpo e depois, o espírito; pois, foi primeiro concebida carnalmente e depois, santificada no seu espírito.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho exprime-se segundo a lei comum, pela qual ninguém se regenera pelos sacramentos senão depois de ter nascido. Mas Deus não sujeitou o seu poder a essa lei dos sacramentos, que não pudesse conferir a sua graça, por um especial privilégio, a alguns, mesmo antes de nascidos do ventre materno.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A Santa Virgem foi purificada, no ventre materno, do pecado original, quanto à mácula pessoal; mas não ficou isenta do reato, a que toda natureza estava sujeita, não podendo por isso entrar no paraíso, senão mediante o sacrifício de Cristo; como também se deu com os santos Patriarcas que existiram antes de Cristo.

RESPOSTA À QUARTA. — O pecado original foi contraído na origem, pois é pela origem que se comunica a natureza humana, a que propriamente respeita o pecado original. O que se dá quando a criatura concebida recebe a alma. E por isso nada impede que ela seja purificada, depois de recebida a alma; pois, depois disso, se ainda continua no ventre materno, é para receber, não a natureza humana, mas uma certa perfeição da natureza já recebida.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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