Tempo comum XI Semana
Evangelho: Mt 5, 43-48
43 «Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo”. 44 Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem
aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. 45
Deste modo sereis filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o
sol sobre maus e bons, e manda a chuva sobre justos e injustos. 46
Porque, se amais somente os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não
fazem os publicanos também o mesmo? 4 7 E se saudardes somente os
vossos irmãos, que fazeis de especial? Não fazem também assim os próprios
gentios? 48 Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai celestial é
perfeito.
Comentário:
Uma das
características principais da família é, deve ser, o amor que une todos os seus
membros, sobretudo os mais próximos: os irmãos.
Na família de Deus, a que pertencemos, este amor deve ser mais evidente, concreto, real.
Por todas as razões mas, principalmente, porque se trata de uma autêntica família cujo Pai é, Ele próprio, o Amor.
Depois, porque devemos ter presente que só o amor une, perdoa, pacífica, constrói.
A
PACIÊNCIA
…/6
O SEGREDO DE UMA IMENSA
PAZ
Dessa vida de oração,
dessa luta denodada por procurar uma união cada dia maior com Deus, vinham-lhe
as forças para abraçar a Vontade divina – a doença, a dor e a morte – e para, não
digo aceitar, mas amar de todo o coração a Cruz que Cristo lhe oferecia, para
estar junto d’Ele no sofrimento salvador. Daí a alegria. Que bem entendeu,
vivendo-as, as palavras mil vezes repetidas pelo Bem-aventurado Josemaría
Escrivá: A alegria do cristão tem as suas raízes em forma de Cruz!
Com palavras do Fundador,
que meditava sobretudo no livro Caminho, Montse repetia: “Jesus, o que tu
quiseres, eu o amo!” [1]
Daí vinham a serenidade, a
paz profunda e o constante sorriso que deixavam desnorteadas as pessoas. Uma
grande amiga de Montse, Rosa Pantaleoni, lembra que, entre 2 de Julho e 13 de Agosto
de 1958, acompanhou-a em várias das trinta sessões de radioterapia a que foi
submetida.
“Quando íamos a essas
sessões, todas as enfermeiras perguntavam-lhe o que tinha; mas ela mudava logo
de conversa e acabava perguntando pelas coisas delas. Fez-se muito amiga de uma
enfermeira: soube que aquela moça gostava de desenhar, e ficaram falando dos
desenhos e dos problemas da outra... Às vezes, quando terminávamos, a
enfermeira dizia-me: – «Como é simpática, alegre e carinhosa esta menina! Mas
nunca fico sabendo se a perna lhe dói ou não. Você sabe?» E eu lhe respondia: –
«Eu também não sei»“.
Doía, porém, e doía muito.
A própria Rosa contará que, “no momento de lhe fazerem os curativos, sofria uma
barbaridade. Pelos outros. Ela sempre sofria pelos outros”. Tudo oferecia pela felicidade
dos outros, a felicidade que – ela bem o sabia – só se encontra junto de Deus.
Nesse contexto, pode-se
avaliar o caráter significativo do seguinte detalhe. Em dezembro de 1958,
conseguiu ser levada de carro, a duras penas, ao Centro do Opus Dei que
frequentava em Barcelona, um Centro cultural chamado Llar. Eram os primeiros
dias desse mês, e as estudantes praticavam o delicado costume cristão da Novena
à Imaculada Conceição.
“Montse – lembra ainda
Rosa – queria ir à Novena para rezar a Nossa Senhora. Terminada a Novena,
ficava em Llar falando com as estudantes que tinham comparecido e fazendo
apostolado, ainda que teria estado muito mais confortável em sua casa, na cama
[...]. Mas achava que não tinha o direito de pensar em si mesma quando havia
tantas pessoas a quem podia aproximar de Deus”.
Num desses dias da Novena,
em que o oratório estava repleto, com umas sessenta moças, “lembro-me – é
sempre Rosa quem conta – de que Montse estava sentada, com a perna apoiada em
cima do assento de uma cadeira, porque já não a podia flexionar e nessa posição
se sentia melhor. Como sempre, procurava não chamar a atenção. Naquele momento,
entrou uma estudante que, na penumbra, não percebeu que Montse tinha a perna
apoiada na cadeira e lhe perguntou: – «Está livre?» Ela sorriu e respondeu: –
«Sim, sim, por favor, sente-se»..., e foi retirando a perna sem que a outra
percebesse, cedendo-lhe o lugar”.
A moça voluntariosa e um
tanto caprichosa, agora sorria à contrariedade e a amava, como consequência do
seu amor a Deus; e ainda, no meio de tantos gestos de singelo heroísmo, desculpava-se
às vezes: – “Que pouco sofrida eu sou, não é verdade? Olhe que vergonha”...
UMA LUTA ENAMORADA NO MEIO
DA DOR
Amadureceu amando muito, e
por isso aprendeu a arte de sofrer com alegria, que é uma arte essencialmente
cristã e que se designa – como sabemos – pela palavra paciência.
Montse agonizou numa dura
“forja de dor” – como diria Mons. Escrivá – e morreu consumida pela doença. Mas
agonizou alegre e morreu feliz. Na véspera da morte, abrindo os olhos, viu as
suas amigas perto dela: – “Eu lhes quero muito a todas – disse-lhes –, mas a Jesus
muito mais!”. Passou as últimas horas daquela Quinta-feira Santa apertando
estreitamente o seu crucifixo, dizendo com voz quase inaudível a Nossa Senhora:
“Mãezinha, quanto te amo! Quando virás buscar-me?”, e invocando uma e outra vez
o nome de Jesus.
Anos depois da sua morte,
Enrique, o irmão mais velho, que é sacerdote da diocese de Barcelona,
comentava: “A sua Cruz foi muito dolorosa. Às vezes comentam-me, quando a recordam
tão alegre e tão feliz, que ela sentia até gosto no meio da dor... Não, isso
não é verdade.
Falar assim poderia soar a
masoquismo, porque aquilo não era uma dor convertida em gosto; era uma dor
convertida em amor, e em luta para poder continuar a ser fiel a si mesma, a nós
e a Deus, mas continuava a ser uma dor que a dilacerava, que a desfazia. Sofreu
– eu o vi – tremendamente: mas era uma luta enamorada, no meio da dor, para
encontrar Cristo Crucificado. Em meio a essa dor, junto de Cristo, nunca esteve
só. Se Deus está ao meu lado – pensou – e me pede isto, será porque é possível;
e se Ele o quer, Ele me ajudará... Montse, graças à dor, deu-nos o melhor de si
mesma” [2]
Depois destes comentários,
não perguntemos mais o que é a paciência, vista com olhos cristãos, nem o que é
o amor que sabe sofrer.
Nada há a acrescentar.
NUM CONSULTÓRIO
PSIQUIÁTRICO
Restam-nos duas histórias,
que podem relatar-se em muito poucas palavras. São ambas narradas pelo
professor de psiquiatria e escritor J. A. Vallejo-Nágera, no seu livro Concerto
para instrumentos desafinados. [3]
Trata-se de algumas das
muitas recordações que o médico registra como “momentos do coração” no seu
trabalho diário.
O primeiro caso é o de um
tradutor diplomado. Foi-lhe diagnosticado um câncer de pulmão, e
simultaneamente deram-lhe a notícia de que lhe restavam poucos meses de vida.
Homem de pouca fé, à diferença dos protagonistas dos dois exemplos anteriores,
procurava no psiquiatra as soluções que não conseguia encontrar em Deus.
Pensava na esposa e tremia ante a possibilidade de fazê-la sofrer:
– Temo que me falte
coragem e serenidade, e que assim amargure os nossos últimos meses de convívio.
Fisicamente, creio que posso aguentar; só temo falhar psicologicamente. Foi por
isso que vim, para ter uma orientação técnica, um ponto de apoio, e poder
dissimular até o final ou fingir que não sofro. Quando a minha mulher ficar
sabendo a verdade, se ela julgar que eu não estou sofrendo, conseguirei
aliviar-lhe este calvário que não lhe posso evitar.
Causa uma certa angústia
esse sofrimento pendurado no vazio de um bom coração que não conhece a Deus.
Mas, sem dúvida alguma, havia uma enorme grandeza no seu desejo de ser autenticamente
paciente. Esse homem bom tinha muito amor à esposa, e estava procurando forças para
conseguir que esse seu amor aprendesse a sofrer.
O segundo caso, paradoxalmente,
é o de um sacerdote cheio de fé, que também procurava no psiquiatra um conselho
para sofrer melhor. O médico narrador conta-nos que era um padre humilde, “tão
insignificante que nem sequer era ridículo”. Tinha dedicado a vida, até aos
sessenta e tantos anos, à sua tarefa de bom pastor das almas, especialmente
cuidando das doenças espirituais no confessionário. Desde fazia algum tempo,
tinha-se-lhe manifestado uma depressão endógena grave – assim a qualifica o
especialista –, com as suas sequelas mórbidas e características de tristeza,
desconsolo, remorso, pessimismo esmagador e perda do desejo de viver.
O sofrimento era grande.
Mas, nesse caso, o médico comoveu-se porque o paciente não parecia querer
consolo nem compaixão. “Também não parecia muito interessado no alívio do tormento...
Que queria, então? Queria continuar a amar”.
– Até agora – dizia o
padre ao doutor –, tenho levado uma vida sem pena nem glória. A Glória, eu a
espero para depois, no Céu, e sei que é preciso adquiri-la por meio da pena.
Recebi com gratidão o fato de Deus me ter enviado no final da vida a minha
cruz; estava até desejando ter uma para poder carregá-la. Bendigo a Deus todos
os dias por ter-se lembrado de mim no final, quando já me resta muito pouco
tempo de vida e parecia ter perdido qualquer oportunidade de ganhar alguns
méritos. Mas estou notando que agora, no confessionário, na direção espiritual,
não sinto as coisas como antes, como ao longo de toda a minha vida, com
entusiasmo por ajudar, com esse carinho espontâneo cheio de ansiedade, de
necessidade de aliviar os que recorrem a mim.
Consigo dar conselhos
porque o cérebro funciona, mas não os sinto com o coração, e isso soa-me a nota
falsa, artificial, e não posso consolar os meus fiéis como antes. Nunca me tinha
acontecido isto; tem que ser uma doença. É o que lhe peço que me cure. O resto
irá passando com o tempo, e, se não, louvado seja Deus!
Esta história que parecia
começar tão mal, termina tão bem! É mais um clarão sobre a virtude da
paciência. Aquele padre zeloso, desprendido e humilde, sentia-se muito doído e
confuso, não por estar doente, mas porque a doença lhe tornava difícil manter a
vibração do amor e transmitir conforto e alegria.
Não é preciso aduzir mais
exemplos para sentir, como um desafio, uma pergunta que se dirige a cada um de
nós: Quando nos decidiremos a amar? Quando resolveremos, enfim, esquecer-nos de
nós mesmos, ser generosos e viver para dar, para edificar? No dia em que formos
capazes de começar a viver assim, estaremos começando a levantar o véu que nos
encobre a pedra preciosa da paciência.
(cont.)
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