Quarta-Feira
de Cinzas
Evangelho: Mt 6 1-6 16-18
1 «Guardai-vos de fazer as
boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. De contrário
não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos céus.2
«Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem
os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em
verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.3 Mas, quando dás
esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita,4 para
que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te
pagará.5 «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam
de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos
pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.6
16 «Quando jejuais, não vos
mostreis tristes como os hipócritas que desfiguram o rosto para mostrar aos
homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.17
Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto,18 a
fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está
presente no oculto, e teu Pai, que vê no oculto, te dará a recompensa.
Comentário:
Em todo o Evangelho é bem patente a reprovação que Jesus Cristo faz da
hipocrisia.
Trata-se de um defeito infelizmente tão comum que quase não falamos
dele e, no entanto, é um dos piores que o homem pode ter; em primeiro lugar
porque se trata de uma condicionante da confiança e credibilidade e, depois,
porque reflecte falta de inteireza de carácter e de critério.
O hipócrita actua de forma calculada e com o objectivo de mascarar uma
situação ou o quer que faça, não é verdadeiro, leal, confiável.
(ama,
comentário sobre Mt 6, 1-6. 16-18, 2014.03.05)
Leitura espiritual
Santíssima Virgem
Vida
de Maria (VI)
A voz do Magistério
No
relato da Visitação, São Lucas mostra como a graça da Encarnação, depois de ter
inundado Maria, leva salvação e alegria à casa de Isabel. O Salvador dos
homens, oculto no seio de Sua Mãe, derrama o Espírito Santo, manifestando-se já
desde o início da Sua vinda ao mundo.
O
evangelista, descrevendo a saída de Maria para a Judeia, usa o verbo anistemi,
que significa levantar-se, pôr-se em movimento. Considerando que este verbo se
usa nos evangelhos para indicar a ressurreição de Jesus (cfr. Mc 8, 31; 9, 9.
31; Lc 24 7. 46) ou acções materiais que envolvem um impulso espiritual (cfr.
Lc 5, 27-28; 15, 18. 20), podemos supor que Lucas, com esta expressão, quer
sublinhar o impulso vigoroso que leva Maria leva, sob a inspiração do Espírito
Santo, a dar ao mundo o Salvador.
O
texto evangélico refere, além disso, que Maria realiza a viagem "com
pressa" (Lc 1, 39). Também a expressão "às montanhas" (Lc 1,
39), no contexto de Lucas, é muito mais do que uma simples indicação
topográfica, pois permite pensar no mensageiro da boa nova descrito no livro de
Isaías: "Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a
paz, que traz a boa notícia, que anuncia a salvação, que diz a Sião: o teu Deus
reina!" (Is 52, 7).
Assim
como manifesta São Paulo, que reconhece o cumprimento deste texto profético na
pregação do Evangelho (cfr. Rm 10, 15), assim também São Lucas parece convidar
a ver em Maria a primeira evangelista, que difunde a boa nova, começando as
viagens missionárias do seu divino Filho.
A
direcção da viagem da Virgem Santíssima é particularmente significativa: será
da Galileia à Judeia, como o caminho missionário de Jesus (cfr. Lc 9, 51). Com
efeito com a sua visita a Isabel, Maria realiza o prelúdio da missão de Jesus
e, colaborando já desde o início da sua maternidade na obra redentora do Filho,
transforma-se no modelo daqueles que na Igreja se põem a caminho para levar a
luz e a alegria de Cristo aos homens de todos os lugares e de todos os tempos.
São
João Paulo II (séc. XX), Discurso na audiência geral de 2-X-1996.
* * * * *
O
Magnificat é um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos anawim
bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem "pobres" não só no
desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também na humildade
profunda do coração, despojado da tentação do orgulho, aberto à irrupção da
graça divina que salva…
O
primeiro movimento do cântico mariano (cf. Lc 1, 46-50) é uma espécie de voz
solista que se eleva em direcção ao céu para alcançar o Senhor. Ouvimos
precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez
maravilhas na sua alma e no seu corpo. Com efeito, observe-se o ressoar
constante da primeira pessoa: "A minha alma... o meu espírito... meu
salvador... chamar-me-ão bem-aventurada... fez grandes coisas em mim...".
A alma da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no
coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor.
A
estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria
agradecida. Mas este testemunho pessoal não é solitário, intimista ou puramente
individualista, porque a Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir
pela humanidade e de que a sua vida se insere na história da salvação. E assim
pode dizer: "A sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre
aqueles que o temem" (v. 50). Com este louvor ao Senhor, Nossa Senhora dá
voz a todas as criaturas redimidas, que no seu Fiat, assim como na figura de
Jesus nascido da Virgem, encontram a misericórdia de Deus.
Neste
ponto desenvolve-se o segundo movimento poético e espiritual do Magnificat (cf.
vv. 51-55). Ele possui uma tonalidade mais coral, como que se à voz de Maria se
associasse a da inteira comunidade dos fiéis que celebram as escolhas
surpreendentes de Deus. No original grego do Evangelho de Lucas temos sete
verbos no aoristo (NT: um dos tempos pretéritos da conjugação grega), que
indicam igual número de acções que o Senhor realiza de modo permanente na história:
"Manifestou o poder do seu braço... dispersou os soberbos. Derrubou os
poderosos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu-os de bens... despediu os
ricos... acolheu Israel".
Nestas
sete acções divinas é evidente o "estilo" no qual o Senhor da
história inspira o seu comportamento: ele declara-se do lado dos últimos. O seu
projecto com frequência está escondido sob o terreno obscuro das vicissitudes
humanas, que veem triunfar "os soberbos, os poderosos e os ricos".
Contudo a sua força secreta está destinada a revelar-se no final, para mostrar
quem são os verdadeiros predilectos de Deus: "Os que o temem", fiéis
à sua palavra; "os humildes, os famintos, Israel seu servo", isto é,
a comunidade do povo de Deus que, como Maria, está constituída por aqueles que
são "pobres", puros e simples de coração. É aquele "pequeno
rebanho" que está convidado a não temer, porque ao Pai aprouve
conceder-lhe o seu reino (cf. Lc 12, 32). E assim este cântico convida a
associarmo-nos a este pequeno rebanho, a ser realmente membros do Povo de Deus
na pureza e na simplicidade do coração no amor de Deus.
Aceitemos
então o convite, que no seu comentário ao texto do Magnificat, nos dirige santo
Ambrósio. O grande Doutor da Igreja diz: "Esteja em cada um a alma de
Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta
em Deus; se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as
almas geram Cristo; de facto, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma
de Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque,
consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora com afecto
devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor, em virtude do qual
todas as coisas existem" (Exposição do Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27:
SAEMO, XI, Milão-Roma 1978, p. 169).
Neste
maravilhoso comentário do Magnificat de santo Ambrósio sensibiliza-me de modo
particular a palavra surpreendente: "Se, segundo a carne, uma só é a mãe
de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo: de facto cada uma acolhe
em si o Verbo de Deus". Assim o santo Doutor, interpretando as palavras de
Nossa Senhora, convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa
alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas devemos levá-lo
ao mundo, de forma que também nós possamos gerar Cristo para o nosso tempo.
Peçamos ao Senhor que nos ajude a magnificá-lo com o Espírito e com a alma de
Maria e a levar de novo Cristo ao nosso mundo.
Bento
XVI (séc. XXI), Discurso na audiência geral, 15-II-2006.
A voz dos Padres
Há
que considerar que o superior se dirigiu ao inferior para o ajudar: Maria a
Isabel, Cristo a João. E, no momento da chegada de Maria, manifestam-se os
benefícios da presença divina. Repara de que modo tão distinto em cada um
deles! Isabel ouve primeiro a voz, mas João a primeira coisa que sente é a
graça. Ela percebeu de acordo com a ordem natural, ele alegrou-se com o
mistério sobrenatural. Ela notou a chegada de Maria; ele, a do Senhor. E quando
o filho ficou cheio do Espírito Santo, então encheu-se também a mãe (...).
Donde
me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? (Lc 1, 43). Não fala como
uma ignorante, mas, reconhece, antes, o efeito da graça divina, não do mérito
humano. Quer dizer: porque me chega esta felicidade, que venha a Mãe do meu
Senhor ter comigo? Reconheço que não tenho nada que o exigisse. Por que
justiça, por que acções, por que méritos? Pressinto o milagre, reconheço o
mistério: a Mãe do Senhor está grávida do Verbo, cheia de Deus (...).
Maria
ficou com Isabel cerca de três meses; depois voltou para sua casa (Lc 1, 56).
Compreende-se bem que Santa Maria, por um lado, prestasse os seus serviços e,
por outro, o fizesse durante um número simbólico de meses. Não ficou tanto
tempo só por ser parente, mas também para proveito do profeta: pois, se só a
sua entrada produziu um efeito tão grande que, com a saudação de Maria, o
menino saltou de gozo no seio materno e a mãe [Isabel] ficou cheia do Espírito
Santo, em quanto quantificaremos os efeitos da presença de Maria durante tanto
tempo?
Santo
Ambrósio de Milão (séc. IV), Exposição do Evangelho segundo São Lucas 2,
22-23.25.29.
* * * *
A
saudação de Maria foi eficaz pois encheu Isabel do Espírito Santo. Com a sua
língua, mediante a profecia, fez brotar para a sua prima, como de uma fonte, um
rio de dons divinos. Com efeito, aonde chega a cheia de graça, tudo fica cheio
de alegria.
Isabel
ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as
mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter
comigo a Mãe do meu Senhor?" (Lc 1, 42-43). Bendita entre as mulheres! Tu,
com efeito, converteste-te para elas em princípio de regeneração. Destes-nos a
licença para entrar no Paraíso e afastaste a antiga dor. A partir de ti, o
género humano deixa de ser insultado. Os herdeiros de Eva já não têm medo da
antiga maldição, porque Cristo, Redentor dos homens, Salvador da natureza, Adão
espiritual, procede do teu ventre para curar as feridas do homem terreno.
Pseudo
Gregório Taumaturgo (séc. V), Homilia II sobre a Anunciação
* * * *
De
que forma pode a alma engrandecer o Senhor? Com efeito, se Deus não pode
crescer nem diminuir, dado que é aquele que é, por que motivo diz agora Maria:
a minha alma glorifica o Senhor? (Lc 1, 46).
Do
mesmo modo que os pintores de retratos, uma vez que escolheram como modelo, por
exemplo, o rosto do rei, põem toda a sua habilidade de artistas na reprodução
desse único modelo, assim também cada um de nós, transformando a sua alma à
imagem de Cristo, compõe um retrato d’Ele que será mais ou menos perfeito; umas
vezes, descuidado e sujo; outras vezes, claro e luminoso, parecido com o
original.
«Assim
também, quando tiver feito grande a imagem da imagem, que é a minha alma;
quando a tiver engrandecido com as obras, com o pensamento e com as palavras,
então a imagem de Deus torna-se cada vez mais clara e o próprio Senhor, de quem
a alma é imagem, é engrandecido na nossa própria alma. E como o Senhor cresce
na nossa imagem, assim também, se somos pecadores, Ele diminui e decresce».
Orígenes
(séc. III), Comentário ao Evangelho de São Lucas 8, 2.
* * * *
A voz dos santos
Sucede,
por vezes, que o pecador procura numa coisa o que não poderá encontrar e pelo
contrário encontra-a o justo: a riqueza do pecador está reservada para o justo
(Prv 13, 22). Assim, Eva deitou a mão ao fruto e não achou nele tudo o que
desejava; a Santíssima Virgem, pelo contrário, encontrou no seu fruto tudo o
que Eva tinha desejado.
Eva
procurou três coisas no seu fruto:
Primeiro,
o que enganosamente lhe tinha prometido o demónio, ser como deus, conhecedores
do bem e do mal. E mentiu; porque é mentiroso e pai da mentira. Eva, por ter
comido do fruto, não veio a ser semelhante a Deus, mas muito diferente; com o
pecado afastou-se de Deus seu Salvador e foi expulsa do Paraíso. Maria, pelo
contrário, encontrou-o no fruto do seu ventre e com Ela todos os cristãos, pois
por Cristo unimo-nos e tornamo-nos semelhantes a Deus.
Segundo,
Eva no seu fruto procurou prazer, pois tinha parecido bom para comer; mas não o
obteve, antes se deu conta, imediatamente, de que estava despida e sentiu dor.
No fruto da Virgem, pelo contrário, encontramos doçura e sabor.
Terceiro,
o fruto de Eva era formoso à vista; mas mais formoso é o de Maria, a Quem os
Anjos desejam contemplar. Por conseguinte, Eva não pôde encontrar no seu fruto
o que também não encontra nenhum pecador no seu pecado. Busquemos, pois, o que
ansiamos, no fruto da Virgem».
São
Tomás de Aquino (séc. XIII), Exposição da Ave-maria.
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