Tempo ComumPáscoa
Evangelho:
Mc 9, 30-37
30 Tendo partido dali, atravessaram a Galileia; e Jesus não queria que
se soubesse. 31 Ia instruindo os Seus discípulos e dizia-lhes: «O
Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos homens e Lhe darão a morte, mas
ressuscitará ao terceiro dia depois da Sua morte». 32 Mas eles não
compreendiam estas palavras e temiam interrogá-l'O. 33 Nisto chegaram
a Cafarnaum. Quando estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «De que discutíeis
pelo caminho?». 34 Eles, porém, calaram-se, porque no caminho tinham
discutido entre si qual deles era o maior. 35 Então, sentando-Se,
chamou os doze e disse-lhes: «Se alguém 36Em seguida, tomando uma
criança, pô-la no meio deles e, depois de a abraçar, disse-lhes: 37
«Todo aquele que receber uma destas crianças em Meu nome, a Mim recebe, e todo
aquele que Me receber a Mim, não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
Comentário:
Ser melhor que o nosso próximo é, diria, um desejo
natural.
Melhor... e não maior ou mais importante.
Ser melhor significa superar o outro naquilo que tem
de bom e tal é um desafio que se insere na recomendação de Jesus: 'sede
perfeitos como meu Pai é perfeito'.
Outra coisa é deixar que o orgulho pessoal e talvez a
inveja movam os nossos intentos.
(ama, comentário sobre Mc 9, 30-37,
Garrão, 2015.09.20)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
CAPÍTULO SEGUNDO
PRIMEIRA PARTE
DEUS
«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra"
O símbolo principia com o reconhecimento de Deus,
que é descrito mais detalhadamente mediante alguns predicados: Pai –
Todo-poderoso – Criador. Por conseguinte, a primeira questão a ser examinada é:
o que significa a atitude do crente que se declara por Deus? E, dentro desta
pergunta, está incluída a outra: Que quer dizer o símbolo, quando este Deus é
caracterizado com termos como: "Pai", "Todo-poderoso",
"Criador"?
CAPÍTULO PRIMEIRO
Prolegómenos ao Tema "Deus"
1. Âmbito da questão
Quem vem a ser "Deus", afinal? Noutras
épocas tal pergunta não constituía problema, de clara que era. Hoje torna-se-nos
uma interrogação séria. O que é que pode conotar, em geral, a palavra
"Deus"? Que realidade ela exprime e como chega aos homens a realidade
de que fala? Querendo seguir-se a pista da pergunta com a profundeza de que
hoje precisamos, seria necessário tentar primeiramente uma análise que
pesquisasse as fontes da experiência religiosa, considerando-se, a seguir, como
é que o tema "Deus" caracteriza a história inteira da humanidade e é
capaz de desencadear nela todas as paixões até aos nossos dias – sim, até aos
dias em que o clamor da morte de Deus se ergue por toda parte e, apesar disto,
e precisamente por isto, coloca poderosamente o problema de Deus no meio de
nós.
Afinal, de onde surgiu na humanidade a ideia de
Deus; de que raízes nasceu? Como compreender que o mais dispensável aparentemente
e o mais inútil dos temas para os homens se fixou e permaneceu, apesar de tudo,
como o mais angustioso dos temas da história? E qual é a razão por que ele
surge em formas basicamente tão diversificadas? Aliás, através da aparência
desordenada da multiplicidade exterior, constata-se a existência fundamental de
três formas, que certamente atravessam alterações desiguais na figura do
monoteísmo, do politeísmo e do ateísmo, como poderíamos denominar resumidamente
os três grandes caminhos da história humana na questão de Deus. Além disso, já
antes fomos alertados que mesmo o ateísmo representa apenas um ponto final
aparente do assunto "Deus", conotando, na realidade, uma forma de
preocupação humana com o problema, capaz, até, de revelar, e de facto, manifestando,
nesta questão, um ardor apaixonado. Se quiséssemos seguir as questões
preliminares fundamentais, deveriam ser apresentadas as duas fontes da
experiência religiosa, às quais se pode reduzir a multiplicidade de formas
dessa experiência. A sua tensão típica foi descrita pelo conhecido fenomenólogo
de religiões, o holandês van der Leeuw, na afirmação paradoxal: na história das
religiões Deus-Filho existe antes de Deus-Pai. Dever-se-ia dizer com mais exactidão
que o Deus, portador da salvação, o Salvador, existe antes do Deus Criador, e
mesmo depois desta elucidação, cumpre notar que a fórmula não pode ser
concebida em sentido de sequência cronológica ou temporal, para a qual não
existem provas. Por mais longe que se olhe na história da religião, o tema
"Deus" surge sempre sob as duas figuras, de Filho e Pai, de Criador e
de Salvador. A partícula "antes", portanto, conota apenas que, para a
religiosidade concreta, para o interesse existencial vivo, o "portador da
salvação" ocupa o primeiro plano, em relação ao Criador.
Atrás dessas duas figuras, em que a humanidade
representou o seu Deus, encontram-se os dois pontos de partida da experiência
religiosa, dos quais acabamos de falar. O primeiro ponto é a própria existência
a ultrapassar-se, sem cessar, apontando para a totalidade numa forma qualquer,
mesmo que seja a mais complicada. E também aí temos um processo de muitas
camadas – como multifacetada é a própria existência humana. Bonhoeffer, como é
notório, declarou estar na hora de acabar com um Deus que colocamos como
"tapa buracos" na fronteira das nossas possibilidades e ao qual
invocamos logo que nos sentimos levados ao fim da linha. Deveríamos procurar e
encontrar Deus, não no lugar da nossa miséria e do nosso fracasso, mas no meio da
fartura das coisas terrenas e no transbordamento da vida; somente assim se
comprova não ser Deus uma escapatória fabricada pelas nossas necessidades,
escapatória que se torna supérflua à medida que se alargam os limites do nosso
poder . Na história da luta humana em torno de Deus, encontramos ambos os
caminhos parecendo os dois igualmente legítimos. Tanto as agruras e misérias da
vida humana como a sua plenitude apontam para Deus. Onde os homens
experimentaram a vida na sua fartura, na sua riqueza, beleza e grandiosidade,
ali se lhes tornou presente e patente que uma tal existência é uma existência
agradecida, que, precisamente no seu aspecto grandioso e luminoso, ela não é
algo que alguém se doou a si mesmo, mas uma dádiva que o antecede, que o recebe
nos braços de sua bondade, antes de qualquer acção sua, exigindo que se insufle
um sentido a tamanha abundância, recebendo-se assim um sentido para
a sua própria situação. E vice-versa, também a necessidade e a pobreza sempre nos
serviram de lembrete de algo completamente diferente. A questão que se
apresenta, pela nossa condição de homens, e que, mais ainda, existe pela nossa
condição de homens é o inacabado contido dentro de nós, a fronteira que baliza
o ser-homem e que, apesar disto, representa um anseio pelo ilimitado (mais ou
menos) no sentido da palavra de Nietzsche: todo o prazer anseia pela
eternidade, e contudo revela-se como um instante, esta simultaneidade de
isolamento e desejo do ilimitado e do aberto impediu sempre qualquer descanso
do homem em si mesmo, fazendo-o sentir que jamais pode bastar-se, só
conseguindo encontrar-se passando por cima de si e movendo-se para o totalmente
outro e para o infinitamente grande.
O mesmo pode demonstrar-se da temática da solidão e
da segurança. A solidão indubiamente é uma das raízes básicas de que surgiu o
encontro do homem com Deus. Onde o homem experimenta a solidão, degusta ao
mesmo tempo quanto a sua vida representa um grito pelo "tu" e quão
pouco o homem é apto a ser um puro "eu", encerrado em si mesmo. A
solidão pode manifestar-se ao homem em profundezas diferentes. Primeiro, ela
satisfaz-se com o encontro de um "tu" humano. Mas então desdobra-se
um processo paradoxal descrito por Claudel: cada "tu" que o homem
encontra, revela-se, finalmente como uma promessa irrealizada e irrealizável;
porque todo o "tu", no fundo, representa de novo uma desilusão,
existindo um ponto em que nenhum encontro é capaz de vencer a derradeira solidão:
e exactamente o achar e o ter-achado voltam a ser um retorno ao ermo, um grito
pelo "tu" real e absoluto, mergulhado nas profundezas do próprio
"eu". Mesmo agora, nem a miséria da solidão apenas, nem a mera
experiência de que comunidade alguma satisfaz de todo o nosso desejo serão os
únicos caminhos a abrir-nos para a experiência de Deus – porquanto ele pode
surgir também da alegria de estar seguro. Justamente a plenitude do amor, do haver-se
encontrado pode ser o portador da dádiva daquilo que não estamos em condições
nem de evocar, nem de criar, fazendo-nos saber que assim recebemos mais do que
ambos (amor e encontro) nos poderiam proporcionar. Da luz e da alegria de
encontrar-se pode raiar a proximidade do júbilo absoluto e do encontro
simplesmente presente por trás de todo o encontrar-se humano.
Com isso queria apenas insinuar de que maneira a
existência humana pode ser o ponto de partida da experiência do absoluto que,
sob este ponto de vista, é compreendido como "Deus-Filho", como
Salvador, ou mais simplesmente, como Deus relacionado com a existência. A outra
fonte de conhecimento religioso é o conflito do homem com o mundo, com as
potências e os pavores com que ali se depara. O cosmos com a sua beleza e a sua
voragem abissal tornou-se para o homem um campo de experiência da força que o
ameaça e, simultaneamente, o sustenta; resulta daí uma imagem um tanto
imprecisa e distante que se concretiza no semblante do Deus-Criador, Pai.
Prosseguindo na análise desta questão, encontramos
o problema, já aduzido, das três formas do tema "Deus" – monoteísmo,
politeísmo e ateísmo. Transparece aí a unidade liminar dos três caminhos,
unidade que não pode significar nem afirmar identidade, como se, ao cavar mais
fundo, tudo se reduzisse a uma e a mesma coisa, perdendo a sua importância as
formas anteriores. Argumentações em favor da identidade, para as quais talvez
se sinta tentada a especulação filosófica, em que, contudo, se desprezaria a
seriedade das decisões humanas, certamente não corresponderiam à realidade. Sem
que se possa falar de identidade, um olhar mais fundo faria reconhecer que a
diferenciação dos três caminhos é diferente do que fazem supor as três formas
em que eles se manifestam: "há um Deus", "há muitos deuses,
"não há Deus". Entre as três fórmulas e a fé que elas conotam existe
uma oposição intransponível, mas também
uma relação que o seu simples teor não permite suspeitar. Pois, em última
análise, as três estão convencidas da unidade e da singularidade do absoluto, o
que, aliás, poderia ser provado. O monoteísmo acredita nesta unidade e
singularidade. Mas, não apenas ele; também para o politeísmo os inúmeros deuses
aos quais dirige sua piedade e esperança, jamais representaram o próprio
absoluto; também o politeísmo estava convencido de que, por trás das numerosas
potências, se encontra afinal, em algum lugar, o Ser único, que o ser, em
última análise, é um só ou, ao menos, é o eterno conflito dentro de um paradoxo
primitivo. Por outro lado, o ateísmo não suprimiu de modo algum a unidade do
ser pelo facto de impugnar a identificação da unidade de todo ser pela ideia de
Deus. A mais forte e activa forma de ateísmo, o marxismo, afirma, de modo o
mais rígido, essa unidade do ser em todos os seres, ao equiparar o ser com a
matéria. Sem dúvida, o elemento que é o próprio ser, como matéria, separa-se
completamente da antiga concepção do absoluto, ligada com a ideia de Deus, mas
ao mesmo tempo recebe traços que fazem ressaltar claramente o carácter absoluto
da matéria, tornando assim a evocar a ideia de Deus.
Portanto, os três caminhos estão convencidos da
unidade e da singularidade do absoluto; diferem apenas na maneira como querem
que o homem deva tratar com o absoluto, respectivamente no modo como o absoluto
se coloca frente ao homem. Falemos de modo muito esquemático: o monoteísmo
parte da ideia de que o absoluto é consciente, conhece o homem e pode tratar
com ele. Para o materialismo, o absoluto (=matéria) apresenta-se despojado de qualquer
predicado pessoal, não sendo capaz de ser posto em contacto com os conceitos de
"chamamento" e "resposta". No máximo poder-se-ia dizer que
o mesmo homem deve libertar da matéria o elemento divino, passando a ter Deus,
não atrás de si, mas à sua frente, como o elemento activado criativamente pelo
homem e como seu próprio futuro melhor. Finalmente, o politeísmo tem relação
estreita tanto com o monoteísmo, como com o ateísmo, porque os deuses de que
ele fala supõem a singularidade de um poder sustentador perfeitamente
concebível num e noutro sistema. Nem seria difícil mostrar como o antigo
politeísmo andava emparelhado com o ateísmo metafísico e unido ao monoteísmo
filosófico.
Todas estas questões são importantes para quem
deseja seguir a pista do tema "Deus" na situação hodierna. Seria
preciso muito tempo e paciência para um estudo profundo. Baste-nos, ao menos,
tê-los aduzido. São assuntos que encontraremos mais explicitados, ao estudar o
destino da fé bíblica para cuja pesquisa o nosso estudo nos orienta.
Prosseguindo na senda do problema de Deus, continuamos encarando a luta da
humanidade em torno do seu Deus e exposta ao âmbito inteiro da questão.
(cont)
joseph
ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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