Art.
7 — Se Cristo sofreu em toda a sua alma.
O sétimo discute-se assim. — Parece
que Cristo não sofreu em toda a sua alma.
1. — Pois a alma sofre quando sofre o
corpo, por acidente, por ser o acto do corpo. Ora, a alma não é acto do corpo
relativamente a qualquer das suas partes; assim, o intelecto não é acto de nenhum corpo, como diz Aristóteles. Logo,
parece que Cristo não sofreu em toda a sua alma.
2. Demais. — Toda potência da alma é
passiva em relação ao seu objecto. Ora, o
objecto da razão da parte superior são as razões eternas, que ela se esforça
por contemplar e consultar, como o diz Agostinho. Mas, pelas razões
eternas, Cristo não podia sofrer nenhum mal, pois em nada o contrariavam. Logo,
parece que não sofreu em toda a sua alma.
3. Demais. — Quando o sofrimento
sensível atinge até a razão, então é considerado como sofrimento completo. O
que não se deu com Cristo, que só sofreu
uma pré-paixão, como nota Jerónimo. Donde o dizer Dionísio que os sofrimentos que lhe foram infligidos ele sofreu-os
só por os julgar. Logo, não parece que Cristo sofresse em toda a sua alma.
4. Demais. — O sofrimento causa a dor.
Ora, o intelecto especulativo não é susceptível de dor: pois, o prazer nascido da contemplação não pode
ser atingido por nenhuma dor, como o diz o Filósofo. Logo, parece que
Cristo não sofreu em toda a sua alma.
Mas, em contrário, a Escritura diz, da
pessoa de Cristo: A minha alma está
repleta de males. O que aumenta a Glosa: Não de vícios, mas de dores, pelas quais a alma se compadece da carne
ou dos males do povo que perecia. Ora, a sua alma não estaria repleta
desses males se não tivesse sofrido em toda ela. Logo, Cristo sofreu em toda a
sua alma.
O todo é assim chamado
relativamente às partes. Ora, partes da alma chamam-se as suas potências.
Assim, pois, dizemos que toda a alma sofre quando sofre na sua essência ou em
todas as suas potências. Devemos, porém considerar que uma potência da alma
pode sofrer de dois modos. De um modo, por sofrimento próprio, isto é, quando o
sofrimento lhe é causado pelo seu objecto; tal o caso da visão que sofre por
causa de uma excessiva visibilidade do objecto. De outro modo sofre uma
potência pela paixão do sujeito no qual se ela funda; assim a vista sofre
quando sofre o sentido do tacto nos olhos, em que se funda a vista; por
exemplo, quando os olhos são pungidos ou perturbados pelo calor. Donde, pois,
devemos concluir que, se considerarmos toda a alma, em razão da sua essência,
então é manifesto que toda a alma de Cristo sofreu. Pois, a alma está unida ao
corpo na totalidade da sua essência, de modo que está toda em todo o corpo e
toda em qualquer parte dele. Donde, sofrendo o corpo e em disposição de ser
separado da alma, toda a alma sofria. Se, porém, considerarmos toda a alma
segundo todas as suas potências, então, tratando das paixões próprias das
potências, ela sofria certamente, em todas as suas potências inferiores. Pois,
em cada uma das potências inferiores da alma, que tem por objecto coisas
temporais, havia alguma causa da dor de Cristo, como do sobredito resulta. Mas,
então, a razão superior de Cristo não sofria por parte do seu objecto, isto é,
Deus, que não era causa de dor, mas de prazer e de gáudio, para a alma de
Cristo. — Mas, segundo aquele aspecto da paixão, em virtude do qual dizemos que
uma potência sofre por parte do seu objecto, todas as potências da alma de
Cristo sofriam. Pois, todas as potências da alma se lhe radicam na essência,
que é atingida pela paixão, quando sofre o corpo, de que a alma é o acto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Embora o intelecto, enquanto determinada potência, não seja o acto do corpo, a
essência da alma contudo é acto do corpo, na qual se radica a potência
intelectiva, como estabelecemos na Primeira Parte.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe
quanto à paixão resultante do objecto próprio; segundo a qual a razão superior
de Cristo não sofreu.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Dizemos que a
dor é um sofrimento perfeito, que perturba a alma quando a paixão da parte
sensitiva chega até a desviar a razão da rectidão do seu acto, de modo que
obedeça à paixão e não exerça o livre arbítrio sobre ela. Assim, porém, a
paixão da parte sensitiva não atingiu a razão de Cristo: mas sim, no
concernente ao sujeito, como se disse.
RESPOSTA À QUARTA. — O intelecto
especulativo não é susceptível de dor nem de tristeza por parte do seu objecto,
que é a verdade absolutamente considerada, cuja perfeição é. Pode, porém
atingi-lo a dor ou a causa da dor, pelo modo já dito.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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