13/06/2014

Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A Paciência 3)


Tempo comum Semana X

Evangelho: Mt 5, 33-37

33 «Igualmente ouvistes que foi dito aos antigos: “Não perjurarás, mas guardarás para com o Senhor os teus juramentos”. 34 Eu, porém, digo-vos que não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35 nem pela terra, porque é o escabelo de Seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande rei. 36 Nem jurarás pela tua cabeça, pois não podes fazer branco ou preto um só dos teus cabelos. 37 Seja o vosso falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que passa disto, procede do Maligno.

Comentário:

Quem diz a verdade não tem necessidade nem de testemunhas nem de juramentos. A verdade é só uma, inteira e completa não tem cambiantes nem meias palavras.

O exemplo que Jesus Cristo que é a Verdade dá aos cristãos é mais que elucidativo.

O cristão não tem de justificar o que diz ou afirma porque todos o hão-de conhecer como pessoa veraz e de inteira confiança.

(ama, comentário sobre Mt 5, 33-37, 2014.04.16)

Leitura espiritual



Temas


A PACIÊNCIA

…/3

O egoísta é monótono. Dirige-se a Deus e aos outros, dizendo sempre: “Dá-me!” É um homem que vive para pegar, para tomar, para armazenar, para desfrutar, em suma, para obter...

O egoísta parece ter, dentro do coração, um cachorrinho obsessivo, que dia e noite late sem parar, com voz esganiçada e estridente: Eu! Eu! Eu! E, quando a voz afina: Mim! Mim! Mim!

Só que o mundo está repleto de outros cachorros iguais e lhe responde com o eco das suas próprias palavras, de modo que por toda a parte se lança contra ele o mesmo ganido: Eu! Eu! Eu!

Certamente o mundo não costuma fazer-nos a toda a hora reverências orientais nem nos estende aos pés tapetes vermelhos.

NA CONTRAMÃO DOS HOMENS E DE DEUS

Desse entrechoque de egoísmos, logicamente, hão de sair faíscas. Um encontrão! Uma cotovelada! Um “chega pra lá!” Um “eu primeiro!” Um “espere um pouco e você vai ver!” A colisão de egoísmos é inevitável, pois o meu egoísmo sempre vai na contramão do outro, e é fisicamente impossível colocar dois centros diferentes no mesmo círculo ou dois umbigos do mundo exatamente no mesmo ponto.

Estamos vendo, e parece coisa clara, que a maior parte das nossas impaciências são apenas egoísmos contrariados. Se as fôssemos examinando uma após outra, numa espécie de microscópio espiritual, acabaríamos verificando que, nelas, nas impaciências, estão todas as cores de que o egoísmo humano se tinge, quer seja a cor orgulhosa, quer a comodista, a hedonista, a sensual ou a invejosa... Todas aquelas cores do espectro em que a luz triste do egoísmo se dispersa.

Alguém já disse – sem dúvida com exagerada dureza – que o mundo é um chiqueiro de egoísmos, onde estes, em recinto fechado, se mordem e dilaceram. Algo parecido com isso é o que não tardará a descobrir, por experiência própria, quem adotar como filosofia de conduta “gozar a vida”, “passar o melhor possível”, “conseguir o máximo”, “levar vantagem em tudo”.

O pior, porém, não é que isso tudo não passe de uma ilusão trágica, decepcionante, num mundo que não nos abre alas como ao seu “príncipe”. O pior é que o egoísta, por princípio, anda sempre na contramão de Deus, e isso é muito mais sério e perigoso.

Deus só tem uma mão: o Amor. O egoísmo trafega em outro sentido. É significativo que uma condição prévia para andar na mão de Deus e para aprender o amor cristão seja esta: Quem quiser salvar a sua vida – diz Cristo – a perderá; mas quem perder a sua vida por amor de mim [quem souber sacrificá-la por amor], a salvará (cf. Mt 16, 25 e Mc 8, 35). A mão de Deus é o Amor. Sair dela é atravessar-se na estrada, e aí todas as colisões são inevitáveis.

O egoísmo colide com tudo e, além disso, tem a triste faculdade de tornar negativas todas as coisas, opondo-as a si. O egoísta, por exemplo, em vez de valer-se do temperamento da esposa para saber “como” deve amá-la, serve-se disso como motivo para humilhá-la e ofendê-la. Não pensa:
“Ela é lenta, vou estimulá-la, vou ajudá-la”. Pensa: “Ela é lenta; atrasa tudo! Não julgava que fosse tão lerda quando casei! Isto não pode continuar!” São duas maneiras opostas de reagir perante uma mesma situação. Duas maneiras que se podem dar em todas as situações. As mais belas coisas estiolam nas mãos do egoísta.

Vale a pena repisar bem a afirmação de que o nosso egoísmo é a causa fundamental dos nossos aborrecimentos. Assim como o lendário Rei Midas tinha o poder de transformar em ouro tudo o que tocava, o egoísta tem a virtude de transformar em pontas, em cacos de vidro, em navalhas e espinheiros, tudo o que não se curva aos seus desejos.

O QUE A VIDA ESPERA DE NÓS

No relato autobiográfico intitulado Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, [1] o psiquiatra
Viktor Frankl relata o ambiente de profundo abatimento que se ia apossando do espírito de seus
companheiros de barracão, no campo de concentração nazista em que se encontravam, à medida
que as expectativas de libertação se afunilavam e o futuro aparecia cada vez mais sombrio.
Era comum ouvir-se dizer: – “Eu já não espero mais nada da vida”.
“Que resposta podemos dar a essas palavras?” – perguntava-se Frankl. E a seguir, com vibrações de descoberta, explica a nova luz que se acendeu nele e que procurou transmitir aos outros:
“Do que realmente precisamos é de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida.

Temos que aprender nós mesmos, e depois ensinar aos desesperados, que na verdade não é importante o que nós esperamos da vida; importante é o que a vida espera de nós”.

Numa noite em que um corte de luz mergulhou os prisioneiros numa depressão ainda maior, Frankl, embora gelado e sonolento, irritado e cansado, sentiu que era preciso fazer alguma coisa para infundir ânimo àqueles pobres farrapos humanos que já desistiam da vida. Levantou-se, então, e falou. Expôs com veemente ardor a sua descoberta. E essa ideia de que a vida tem um sentido infinitamente superior ao de simplesmente satisfazer desejos, obter coisas, passar bem, gozar de boa saúde, invadiu, como um clarão de esperança, aqueles corações agoniados.

Entenderam que Deus, a esposa, os filhos, os amigos, o mundo esperavam deles (deles que pareciam animais acuados, prestes a serem levados para o matadouro) um testemunho – na vida ou na morte – de que o ser humano foi feito para algo muito maior do que comer, beber, gozar, rir na fortuna e chorar na adversidade. Deus e os outros esperavam algo que só cada um deles, com grandeza de alma, podia dar. Deus e o mundo “precisavam” de cada um deles!

Esta concepção da vida, como é óbvio, opõe-se frontalmente à atitude egoísta acima descrita. É a outra possível vertente da nossa existência. A única verdadeira. A vida só pode ser encarada como uma missão a cumprir, que nos é confiada por Deus, como uma edificação de que somos responsáveis e de que outros dependem. Não vivemos para obter; vivemos para edificar.

QUERENDO EDIFICAR UMA TORRE

O próprio Cristo utiliza a imagem da edificação para falar de nós. Diante do seu futuro, o homem é um construtor. Deus facilita-lhe o material, desvenda-lhe aos poucos as linhas mestras da “obra” a ser realizada e estende-lhe a mão para ajudá-lo na tarefa. Mas cada qual é responsável por fazer a obra bem feita. Quem de vós, se quiser edificar uma torre, não se senta primeiro e calcula...? (Lc 14, 28).

Aprofundando na imagem da edificação, Cristo diz-nos ainda como se deve fazer o cálculo, qual é a garantia de que a construção será sólida e indestrutível: Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente que edificou a sua casa sobre rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa: ela, porém, não caiu, porque estava edificada sobre rocha (Mt 7, 24-27).

Construir sobre rocha, fazer uma edificação que nenhuma contrariedade – vento ou chuva, tremores ou enchentes – possa abalar, só se consegue quando o alicerce sobre o qual se levanta é a palavra de Cristo: Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática...

É a palavra, é a mensagem de Cristo que indica a “mão de direcção” que Deus quer deixar sinalizada no coração dos homens: a mão do Amor. Amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todas as forças; amar o próximo como a nós mesmos, mais ainda, como Cristo nos amou – ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13) –, este é o alicerce, este é o pilar firmíssimo, esta é a “mão de Deus”! Quando se vai por ela, descobre-se que a única coisa que a vida e as pessoas nos estão pedindo a toda a hora é amor: amor consistente na aceitação confiante da Vontade de Deus e da sua Cruz santa; ou amor que aprenda, num crescendo que nunca termina, a compreender os outros, a desculpá-los, a perdoá-los, a servi-los, a dar-se sem cálculos nem mesquinharias.

Quando nos decidimos a enveredar por essa senda, ficamos pasmados ao perceber que cada vez há menos coisas que nos pegam na contramão e nos fazem perder a paciência. E isto é assim porque cada vez se torna menor o egoísmo que trafega em sentido contrário ao do amor.

Façamos uma pequena experiência. Escrevamos em forma de lista todas as coisas que, na última semana, nos aborreceram e mexeram com a nossa paciência. A seguir, diante de cada item, anotemos uma pergunta: que tipo de amor Deus me pedia aí? E prossigamos a experiência, imaginando: se eu tivesse vivido naquele momento o tipo certo de amor, teria havido impaciência?

A resposta seria, naturalmente, “não”. Não haveria impaciência se eu tivesse amado. Talvez possamos retrucar: “Mas é que eu não sou santo” – o que é verdade –, mas o que não poderemos dizer nunca honestamente é que ali havia uma contrariedade que o amor não podia superar.

Na realidade, todos os exercícios de paciência consistem em exercícios de amor. Conheço várias pessoas – graças a Deus conheço muita gente boa – que, ao voltarem a casa com toda a carga do cansaço do dia, vão rezando o terço no trânsito ou carregam consigo um livro de pensamentos espirituais, para lerem e meditarem uma ou outra frase ao pararem no semáforo demorado ou no engarrafamento incontornável. Ao mesmo tempo, vão espremendo os seus cansados miolos, tentando concretizar: “Que iniciativa, que detalhe, que palavra posso preparar para que a minha chegada a casa seja um motivo de alegria para a minha mulher, ou para o meu marido, e para os meus filhos?” E, assim, homens e mulheres cujo retorno ao lar era antes soturno e irritado, tornam-se – em virtude do amor a Deus e aos outros, que se esforçam por cultivar – corações pacientes, que espalham a paz e a alegria à sua volta.
(cont.)






[1] 3ª ed., Sinodal-Vozes, 1993, págs. 76 e segs.

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