Jesus
entre os doutores
A VOZ DO MAGISTÉRIO
«Através deste episódio,
Jesus prepara a Sua mãe para o mistério da Redenção. Maria, juntamente com
José, vive nesses três dramáticos dias em que o Filho Se separa deles, para
permanecer no Templo, a antecipação do tríduo da Sua paixão, morte e
ressurreição.
Deixando partir a Sua Mãe e
José para a Galileia, sem lhes indicar a intenção de permanecer em Jerusalém,
Jesus introdu-los no mistério daquele sofrimento que leva à alegria,
antecipando quanto haveria de realizar depois com os discípulos, mediante o
anúncio da Sua Páscoa.
A resposta de Jesus em forma
interrogativa é densa de significado: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que
devia estar em casa de Meu Pai?» [1].
Com essa expressão Ele, de modo inesperado e imprevisto, revela a Maria e José
o mistério da Sua Pessoa, convidando-os a ultrapassar as aparências e
abrindo-lhes perspectivas novas quanto ao Seu futuro.
Esta referência à total
dedicação ao projecto de Deus é evidenciada no texto evangélico, pela expressão
verbal «é necessário», que aparecerá, depois, no anúncio da Paixão [2].
Aos Seus pais, pois, é pedido que O deixem ir, a fim de cumprir a Sua missão lá
onde O conduz a vontade do Pai celeste.
O Evangelista comenta: «Mas eles não compreenderam as palavras que
lhes disse» [3].
Maria e José não percebem o conteúdo da Sua resposta, nem o modo, que parece
ser uma rejeição, com que Ele reage à preocupação deles como pais. Com esta
atitude Jesus quer revelar os aspectos misteriosos da Sua intimidade com o Pai,
aspectos que Maria intui sem, porém, os saber ligar com a prova que estava a
atravessar.
As palavras de Lucas
permitem-nos conhecer como Maria vive no mais profundo do seu ser este episódio
deveras singular. Ela «guardava todas estas coisas no seu coração» [4]. A
Mãe de Jesus liga os eventos ao mistério do Filho, que lhe foi revelado na
Anunciação e aprofunda-os no silêncio da contemplação, oferecendo a sua
colaboração no espírito de um renovado «fiat».
Inicia assim o primeiro elo
duma cadeia de eventos, que levará Maria a superar progressivamente o papel
natural, que deriva da sua maternidade, para se pôr ao serviço da missão do seu
divino Filho.
são joão paulo ii (século
XX). Discurso na audiência geral,
15-I-1997.
A
VOZ DOS PADRES DA IGREJA
«Feitos os doze anos,
detém-Se em Jerusalém. Os Seus pais, não sabendo onde estava, procuram-n’O com
inquietação e não o encontram. Procuram-n’O entre os parentes, entre os
companheiros de viagem, entre os conhecidos; mas não o encontram com nenhuma
destas pessoas. Jesus é procurado pelos seus pais, pelo pai adoptivo que o
tinha acompanhado e velado por Ele no Egipto; e, no entanto, apesar de tanta
procura, não o encontram logo.
Jesus, com efeito, não se
encontra entre os parentes e amigos segundo a carne, não está entre os que se
unem a Ele corporalmente. O meu Jesus não pode ser encontrado na multidão.
Aprende onde o encontram os
que O procuram, de maneira que também tu — procurando junto de José e Maria — o
possas encontrar. Ao procurá-l’O, diz o evangelista, acharam-n’O no templo [5]. Não
O encontraram num lugar qualquer, mas no templo; e nem sequer simplesmente no
templo, mas no meio dos doutores, que escutava e interrogava [6].
Procura também tu Jesus no templo de Deus, procura-O na Igreja, procura-O nos
mestres que estão dentro do templo e não saem de lá. Se O procurares assim,
encontrá-l’O-ás.
Por outro lado, se alguém
afirma que é mestre e não possui a Jesus, esse é mestre só de nome; e Jesus,
Verbo e Sabedoria de Deus, não se deixa encontrar junto dele. Encontram-n’O
enquanto está sentado no meio dos doutores; e não só está sentado, mas
interroga-os e escuta-os. Também agora Jesus se encontra aqui connosco,
questiona-nos e nos escuta-nos. E todos os que O ouviam estavam maravilhados [7].
Porquê? Não era certamente pelas Suas perguntas, embora fossem extraordinárias,
mas pelas Suas respostas. Interrogava os doutores e como eles não conseguiam
responder a algumas das Suas perguntas, Ele próprio respondia. Mas a Suas
respostas não se baseavam na habilidade da discussão, mas na sabedoria da
Sagrada Escritura. Também tu, portanto, deixa-te instruir pela Lei divina»
orígenes
(século III). Homilias sobre o Evangelho
de São Lucas 18, 2-4.
«Não se deve passar por alto
a modéstia santa da Virgem Maria. Tinha dado à luz a Cristo; um anjo tinha-se
aproximado d’Ela e tinha-lhe comunicado: eis que conceberás no teu seio e darás
à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Será grande e será chamado Filho
do Altíssimo [8].
Embora tivesse merecido dar à luz o Filho do Altíssimo, era muito humilde; nem
sequer se antepôs ao marido no modo de falar. Não diz: "eu e teu pai",
mas: o teu pai e eu. Não teve em conta a dignidade do seu seio, mas a
hierarquia conjugal.
A resposta do Senhor Jesus
Cristo: convinha que Eu me ocupasse das coisas do Meu Pai [9],
não indica que a paternidade de Deus exclua a de José. Como o provamos? Pelo
testemunho da Escritura, que afirma textualmente: Ele disse-lhes: "Porque
me procuráveis? Não sabíeis que é necessário que Eu esteja nas coisas do Meu
Pai?" Mas eles não compreenderam o que lhes disse. E foi com eles, e veio
para Nazaré, e era-lhes submisso [10].
Não disse: "Era submisso à Sua Mãe", ou: "Era-lhe
submisso", mas: era-lhes submisso. A quem? Não era aos pais? Um e outro
eram pais, a quem Ele era submisso, do mesmo modo que se tinha dignado ser
Filho do homem. Mas eles eram pais no tempo e Deus era-o desde a eternidade.
Eles eram pais do Filho do homem, o Pai o era do Seu Verbo e Sabedoria, era Pai
do Seu Poder, por quem fez todas as coisas».
santo
agostinho (séculos IV-V). Sermão
51, 18-20.
A VOZ DOS SANTOS
«Fixemo-nos nas angústias e
pesares que deve ter experimentado esta aflita Mãe durante os três dias que
passou a procurar por todos os lados o seu adorado Filho. Por ventura vistes —
exclamaria com a Esposa dos Cantares — O amado da minha alma? [11]. Mas
ninguém lhe sabia responder. Cansada e fatigada, Maria, sem poder achar o íman
do seu coração, podia dizer com mais ternura do que Ruben ao não encontrar o
irmão José: o menino já lá não está e eu para onde irei? [12]. O
meu Jesus não aparece em nenhum lado; não sei que mais devo fazer para o
encontrar; mas, para onde irei privada do meu tesouro? Durante aqueles três
dias viveu banhada em pranto e podia muito bem repetir aquelas palavras de
David: as lágrimas são o meu pão noite e dia, e durante todo o tempo me perguntam:
onde está o teu Deus? [13].
Era tão grande a aflição de
Maria, que passou aquelas três noites sem dormir, rogando com abrasadas
lágrimas ao Eterno Pai que lhe devolvesse o seu Filho. E com frequência, como
observa São Bernardo, dirigia-se ao seu querido Jesus repetindo aquelas palavras
da Esposa do Cantares: mostra-me onde apascentas, onde fazes a sesta ao
meio-dia [14].
Meu Filho diz-me onde estás, a fim de que não Te vá procurar em vão e à
aventura».
santo
afonso maria de ligório (século XVIII). As glórias de Maria.
«Cristo é uma criança. Que
dor a de sua Mãe e a de S. José, porque - no regresso de Jerusalém - não vinha
entre os parentes e amigos! E que alegria a sua, quando o vêem, já de longe,
doutrinando os mestres de Israel! Mas reparai nas palavras, aparentemente duras,
que saem da boca do Filho, ao responder a sua Mãe: por que me buscáveis?
Não era razoável que o
procurassem? As almas que sabem o que é perder Cristo e encontrá-lo podem
compreender isto... Por que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas
de meu Pai? Não sabíeis, porventura, que eu devo dedicar totalmente o meu tempo
ao meu Pai celestial?
Este é o fruto da oração de
hoje: que nos persuadamos de que o nosso caminhar na terra - em todas as
circunstâncias e em todos os momentos - é para Deus; que é um tesouro de
glória, uma imagem do Céu; que é, nas nossas mãos, uma maravilha que temos de
administrar, com sentido de responsabilidade perante os homens e perante Deus,
sem necessidade de mudar de estado, no meio da rua, santificando a nossa
profissão ou o nosso ofício, a vida de família, as relações sociais e todas as
actividades que parecem à primeira vista só terrenas (...).
Recorre comigo à Mãe de
Cristo. Mãe Nossa, que viste crescer Jesus, que o viste aproveitar a sua
passagem entre os homens: ensina-me a utilizar os meus dias em serviço à Igreja
e às almas. Mãe bondosa, ensina-me a ouvir, no mais íntimo do meu coração, como
uma censura carinhosa, sempre que for necessário, que o meu tempo não me
pertence, porque é do Nosso Pai que está nos Céus».
são
josemaría escrivá de balaguer (século XX). Amigos de Deus, nn. 53-54.
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