Páscoa
Evangelho:
Jo 3, 7-15
7
Não te maravilhes de Eu te dizer: É preciso que nasçais de novo. 8 O vento
sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde ele vem nem para
onde vai; assim é todo aquele que nasceu do Espírito». 9 Nicodemos disse-Lhe:
«Como pode ser isto?». 10 Jesus respondeu-lhe: «Tu és mestre em Israel e não
sabes estas coisas? 11 «Em verdade, em verdade te digo que Nós dizemos o que
sabemos e damos testemunho do que vimos, mas vós não recebeis o Nosso testemunho.
12 Se, quando vos falo das coisas terrenas, não Me acreditais, como Me
acreditareis, se vos falar das celestes? 13 Ninguém subiu ao céu, senão Aquele
que desceu do céu, o Filho do Homem, que está no céu. 14 E como Moisés levantou
no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do
Homem, 15 a fim de que todo o que crê n'Ele tenha a vida eterna.
Comentário:
Jesus faz uma crítica a
Nicodemos e, como sempre, cheio de razão.
Como é que Nicodemos não sabe
os fundamentos da religião de que é mestre?
Mas depois também lhe diz
porque é que não sabe: porque não acredita nos ensinamentos que Ele próprio tem
sobejamente propalado por todo o Israel.
No fim e ao cabo, a sabedoria,
só se adquire com o espírito aberto e o coração liberto de amarras a
preconceitos e bastará comparar o que se ouve com o que se vê para tirar a
ilacção correcta.
(ama,
comentário sobre Jo 3, 7b-15, 2015.04.15)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
NONO
CAPÍTULO
VIII
Mónica
Tu, que fazes morar na
mesma casa os que têm coração unânime, trouxeste para junto de nós Evódio,
jovem do nosso município que, militando como agente de negócios do imperador,
se convertera e recebera o baptismo antes de nós, abandonara a milícia do
século, alistando-se na tua.
Estávamos juntos, e juntos
pensávamos viver o nosso santo propósito. Buscávamos um lugar onde nos
pudéssemos instalar mais comodamente para te servir e juntos rumávamos para a
África quando, chegando a Óstia, na foz do Tibre, faleceu a minha mãe.
Passo em silêncio muitas
coisas, porque tenho pressa. Recebe as minhas confissões e acções de graças,
meu Deus, pelas inúmeras bondades que não menciono aqui. Mas não quero calar o
que brota da minha alma a respeito desta tua serva, que me gerou na carne para
a luz temporal, e no coração para a luz eterna. Não referirei as suas
qualidades, nem que a si mesma se havia educado.
Foste tu quem a educaste,
nem seu pai, nem sua mãe sabiam o que viriam a ser aquela a quem geraram. A
disciplina do teu Cristo, a doutrina do teu Filho único educaram-na no teu
temor numa família fiel, digno membro de tua Igreja.
Nem ela mesma enaltecia o
zelo da mãe em educá-la, quanto o de uma velha serva, que carregara o seu pai
quando menino, como hoje as meninas maiores costumam carregar as crianças, às
costas.
Estas recordações, a sua
idade avançada e hábitos exemplares asseguravam-lhe naquela casa cristã o
respeito dos seus amos. Ela própria cuidava solicitamente das meninas que lhe
haviam sido confiadas, ora repreendendo-as quando fosse o caso, com santa e
enérgica severidade, ora instruindo-as com discreta prudência. Afora do horário
em que tomavam uma sóbria refeição à mesa dos seus pais, ainda que tivessem
muita sede, nem água permitia que elas bebessem, precavendo com isso um mau
costume. E acrescentava este sábio aviso: “Agora bebeis água, porque não tendes
como beber vinho; mas quando estiverdes casadas, donas da despensa e da adega,
deixareis a água, mas continuará o hábito de beber”.
E unindo assim o conselho
à autoridade, refreava os apetites daquela tenra idade, e acostumava aquelas
jovens à temperança, para que não tivessem desejo do que não lhes convinha.
No entanto – como a tua
serva me contou a mim, seu filho – insinuou-se nela certo gosto pelo vinho.
Julgando-a menina sóbria, seus pais a escolheram, como era costume, para tirar
o vinho do tonel. Mergulhava a caneca pela parte superior do recipiente e,
antes de passar o vinho para a garrafa, sorvia com a ponta dos lábios um pouquinho;
era-lhe impossível beber mais, porque o vinho lhe repugnava. Não fazia isto
movida pela inclinação à embriaguez, mas pela exuberância juvenil, que se
manifestava em movimentos, em brincadeiras, e que na meninice costumam ser
reprimidos pela autoridade severa dos mais velhos. Mas, acrescentando todos os
dias uns goles àqueles goles – pois quem descuida das coisas pequenas pouco a
pouco cai nas maiores – acostumou-se a esvaziar avidamente copos quase cheios
de vinho puro.
Onde estava então a
prudente anciã, e a sua severa proibição? Mas que remédio curaria um mal oculto
se a tua medicina, Senhor, não velasse sobre nós? Na ausência do pai, da mãe e
das amas, estavas lá tu que nos criaste, que nos chamas, e que por meio dos que
nos educam fazes o bem para a salvação das almas. Que fizeste então, meu Deus?
Como a socorreste? Como a curaste? Fizeste sair de outra pessoa, segundo as
tuas secretas providências, um sarcasmo duro e pungente como ferro medicinal,
para curar de um só golpe aquela gangrena.
A criada que costumava
acompanhá-la à adega, discutindo com a sua jovem senhora, como às vezes
acontece, estando as duas a sós, lançou-lhe em rosto a sua intemperança,
chamando-a insultuosamente de bêbada. Ferida por esse sarcasmo, a jovem
reconheceu a fealdade daquele hábito, reprovou-o, e no mesmo instante o
abandonou.
Assim como muitas vezes as
lisonjas dos amigos nos pervertem, assim os insultos dos inimigos nos corrigem.
Mas não é o bem que nos fazem por seu intermédio que retribuis, mas a intenção
com que o fazem. Aquela criada zangada pretendia ofender a sua jovem senhora, e
não corrigi-la; e se o fez às escondidas foi só por força da circunstância do
lugar e tempo, ou para que não viesse a sofrer por denunciar tão tarde o
costume da sua senhora.
Mas, tu, Senhor,
governador do céu e da terra, que desvias para os teus desígnios as águas da
torrente e regulas o curso turbulento dos séculos, curaste a loucura de uma
alma com a insânia de outra. Por isso ninguém, ao considerar o caso, atribua a
seu poder pessoal o mérito de ter corrigido com as suas palavras a alguém cuja
emenda deseja conseguir.
CAPÍTULO
IX
Esposa
e mãe exemplar
Educada assim na modéstia
e na temperança, mais sujeita a seus pais pela tua mão que por seus pais a ti,
logo que chegou à idade núbil, foi dada em matrimónio a um homem, a quem serviu
como senhor. Procurou conquistá-lo para ti, falando-lhe de ti com as suas
virtudes, com as quais tu a tornavas bela e reverentemente amável e admirável
ante os seus olhos. Suportou as suas infidelidades conjugais com tanta
paciência, que jamais teve com ele a menor briga por isso, pois esperava que a
tua misericórdia viria sobre ele, e que lhe trouxesse, com a fé, a castidade.
O seu marido, se por um
lado era sumamente afectuoso, por outro era extremamente colérico, mas ela
tinha o cuidado de não contrariá-lo nem com acções, nem com palavras, se o
visse irado.
Logo que o via calmo e
sossegado, oportunamente, mostrava-lhe o que havia feito, se por acaso se
tivesse irritado desmedidamente.
Muitas senhoras, embora
tendo maridos mais calmos, traziam no rosto as marcas das pancadas que as
desfiguravam. Conversando entre amigas, lamentavam a conduta dos maridos.
A minha mãe reprovava-lhes
a língua e, como por gracejo, lembrava-lhes que, desde a leitura do contrato
matrimonial, deviam considerá-lo como documento que as tornava servas, e
portanto proibia-lhes serem altivas com os seus senhores. Essas senhoras, que conheciam
o mau génio do seu marido, admiravam-se de que jamais ninguém tivesse ouvido ou
percebido qualquer indício que Patrício maltratasse a mulher, nem sequer que
algum dia tivessem brigado por questões domésticas. E como lhe pedissem
confidencialmente a razão disso, minha mãe expunha-lhes o seu agir habitual,
como acima mencionei. Algumas, após experimentar, punham-no em prática e
davam-lhe graças; as que não a imitavam continuavam a sofrer humilhações e
violências.
Sua
sogra, a princípio irritara-se contra ela por causa dos mexericos de criadas
malévolas.
Mas
conseguiu conquistá-la com respeito, contínua tolerância e mansidão, que ela
mesma, espontaneamente, denunciou ao filho as línguas intrigantes das criadas,
que perturbavam a paz doméstica entre ela e a nora, e pediu que as castigasse.
Ele, em obediência à mãe, para manter a disciplina familiar e a harmonia entre
os seus, mandou açoitar as acusadas, segundo a vontade da acusante; e esta prometeu-lhes
ainda que esse era o prémio que devia esperar quem, querendo agradá-la, lhe
dissesse mal da nora. E ninguém mais se atreveu a fazê-lo, e viveram as duas em
doce e memorável harmonia.
A esta tua boa serva, em
cujo seio me criaste, ó meu deus, minha misericórdia, dotaste de outra grande
virtude: a de intervir como pacificadora, sempre que podia, nas discórdias e
querelas. Daquilo que ouvia de queixas amargas, vomitadas com animosidade
ressentida, quando na presença de uma amiga os ódios mal digeridos se desafogam
em amargas confidencias a respeito de uma amiga ausente, ela nada referia uma à
outra, senão o que poderia servir para a reconciliação.
Este dom parecer-me-ia de
pouca monta se uma triste experiência não me houvesse mostrado grande número de
pessoas – por não sei que horrível contagio de pecados, espalhados por toda
parte – que não só revelam as palavras pesadas de inimigos irados, mas que ainda
acrescentam coisas que não foram ditas. Quem fosse realmente humano, deveria
ter em pouca conta ou não excitar nem fomentar as inimizades dos homens, e melhor
ainda procurar extingui-las com boas palavras.
Assim era minha mãe,
ensinada por ti, mestre interior, na escola do seu coração.
Por fim, conquistou para
ti o seu marido, já no fim da vida, não tendo que lamentar no cristão o que
havia tolerado no infiel.
Ela era verdadeiramente a
serva de teus servos, e todos os que a conheciam te louvavam, honravam, te
amavam em sua pessoa, porque percebiam tua presença em seu coração, confirmada
pelos frutos de uma vida santa.
Havia sido mulher de um só
homem, cumprira sua dívida de gratidão com os pais, governara sua casa
piedosamente e dava testemunho com suas boas obras. Educara os filhos, dando-os
à luz tantas vezes quantas os via apartarem-se de ti.
E de nós, que nos chamamos
teus servos por liberalidade tua, nós que vivemos em comum na graça de teu
baptismo, antes de adormecer em tua paz, ela cuidou de nós como se todos
fôssemos seus filhos, e de tal modo nos serviu como se fosse filha de cada um
de nós.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)
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