Art.
4 — Se Cristo fez convenientemente milagres atinentes às criaturas irracionais.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo
não fez convenientemente milagres atinentes às criaturas irracionais.
1. — Pois, os brutos são superiores às
plantas. Ora, Cristo fez milagres relativos às plantas; assim, a sua palavra
fez secar uma figueira, como lemos no Evangelho. Logo, parece que também devia
ter feito milagres relativos aos brutos.
2. Demais. — A pena só por uma culpa é
que é justamente aplicada. Ora, a figueira não tinha culpa de Cristo não a ter
encontrado com frutos, pois, não era tempo deles. Logo, parece que não devia
tê-la feito secar.
3. Demais. — A água e o ar estão entre
o céu e a terra. Ora, Cristo fez alguns milagres no céu, como se disse. E
também na terra, quando esta tremeu, por ocasião da paixão. Logo, parece que
também devia ter feito como objecto de seus milagres o ar e a água; e assim,
dividir o mar, como o fez Moisés; ou ainda um rio, como o fizeram Josué e
Elias; e também causar trovões no ar, como se deu no monte Sinai, quando foi
dada a lei, e como o fez Elias.
4. Demais. — A divina Providência serve-se
das obras milagrosas para governar o mundo. Ora, essas obras pressupõem a
criação. Logo, Cristo não devia, nos seus milagres, recorrer à criação, como
quando, por exemplo, multiplicou os pães. Logo, parece que não houve
conveniência nos seus milagres, relativos às criaturas irracionais.
Mas, em contrário, Cristo é a
sabedoria de Deus, da qual diz a Escritura: Dispõe
todas as causas com suavidade.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, os milagres
de Cristo ordenavam-se a manifestar-lhe o poder divino, para a salvação dos
homens. Ora, por natureza ao poder divino hão-de lhe estar sujeitas todas as
criaturas. Logo, devia ter feito milagres em relação a todo género de
criaturas; e assim, não só em relação aos homens, mas também em relação às
criaturas irracionais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Os brutos são genericamente próximos ao homem, sendo por isso feitos no mesmo
dia que ele. E como Cristo fez muitos milagres atinentes ao corpo humano, não
estava obrigado a fazer nenhuns relativos ao corpo dos brutos. Sobretudo
porque, quanto à natureza sensível e corpórea, o homem tem a mesma natureza que
os outros animais, sobretudo terrestres. Os peixes, porém, vivendo na água,
diferem mais da natureza dos homens, e por isso foram feitos em outro dia. E em
relação a eles Cristo fez o milagre da copiosa pesca, que refere o Evangelho; e
também o do peixe que Pedro pescou e no qual achou um estáter. — Quanto ao facto
dos porcos precipitados no mar, essa não foi uma obra milagrosa de Deus, mas acto
dos demônios, por permissão divina.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz
Crisóstomo, quando o Senhor opera obras
tais sobre os plantas ou os brutos, não indagues se houve justiça no fazer
secar-se a figueira, por não ter frutos, apesar de não ser tempo deles; pois,
essa indagação seria grande demência, porque tais seres não são susceptíveis de
culpa nem de pena; mas antes, atende ao milagre e admira-lhe o autor. Nem o Criador faz nenhuma injustiça a quem
possui, quando usa da criatura, a seu talante, para a salvação dos homens. Ao contrário, como nota Hilário, nisso descobrimos um argumento da bondade
divina. Pois, quando quis dar um exemplo da salvação, que veio trazer, exerceu
a força do seu poder sobre corpos humanos; quando porém aplicou a sua
severidade contra os contumazes, indicou o que havia de acontecer, amaldiçoando
a figueira. E sobretudo como diz Crisóstomo, a figura, que é humilíssima, manifesta um maior milagre.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo também
fez milagres, que convinha fazer, em relação à água e ao ar; assim, quando,
segundo lemos no Evangelho, pôs preceito
ao mar e aos ventos e logo se seguiu uma grande bonança. Não era
conveniente, porém, a quem vinha repor tudo no estado de paz e de tranquilidade
causar qualquer perturbação no ar ou divisão nas águas. Donde o dizer o
Apóstolo: Não vos haveis ainda chegado ao
monte palpável e ao fogo incendido e ao turbilhão e à obscuridade e à
tempestade. Na sua paixão, porém, rasgou-se o véu do templo, em duas partes,
para mostrar a revelação dos mistérios da lei; abriram-se as sepulturas, para
mostrar que pela sua morte seria dada aos mortos a vida; tremeu a terra e
partiram-se as pedras, a fim de mostrar que os corações empedernidos dos homens
se abrandariam com a sua paixão e que todo o mundo, por virtude dessa paixão,
se mudaria para melhor.
RESPOSTA À QUARTA. — A multiplicação
dos pães não se fez a modo de criação, mas pelo acrescento de uma certa matéria
estranha, convertida em pães. Donde o dizer Agostinho: Do mesmo modo que com poucos grãos multiplica as sementeiras, assim nas
suas mãos multiplicou os cinco pães. Ora, é manifesto que, por conversão de
matéria, os grãos produzem colheitas abundantes.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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