14/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 11


Questão 72: Da distinção entre os pecados


Art. 5 ― Se a divisão dos pecados, fundada no reato em venial e mortal, lhes diversifica a espécie.




O quinto discute-se assim. ― Parece que a divisão dos pecados, fundada no reato, em venial e mortal, lhes diversifica a espécie.

1. ― Pois, coisas que diferem ao infinito não podem ser da mesma espécie, nem ainda do mesmo género. Ora, o pecado venial difere infinitamente do mortal, pois, àquele é devida uma pena temporal e, a este, eterna. Ora, a medida da pena corresponde à gravidade da culpa, conforme a Escritura (Dt 25, 2): O número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Logo, pecado venial e mortal não são do mesmo género e, muito menos, da mesma espécie.

2. Demais. ― Certos pecados são genericamente mortais, como o homicídio e o adultério, outros, como a palavra ociosa e o riso são, veniais. Logo, o pecado venial e mortal diferem especificamente.

3. Demais. ― O acto virtuoso está para o prémio, como o pecado, para a pena. Ora, o prémio é o fim do acto virtuoso. Logo, a pena é o do pecado. E como os pecados se especificam pelos seus fins, conforme já dissemos (a. 3), também se especificam pelo reato da pena.

Mas, em contrário. ― O constitutivo da espécie, como as diferenças específicas, tem prioridade de existência. Ora, a pena segue-se à culpa, como seu efeito. Logo, os pecados não diferem especificamente pelo reato da pena.


A diferença entre coisas especificamente diferentes é dupla. ― Uma é a diversidade específica, e esta só se encontra nas espécies diversas, tais as de racional e irracional, animado e inanimado. ― A outra é consequente à diversidade específica. E esta embora umas vezes seja consequente à diversidade específica, pode contudo, por vezes, existir na mesma espécie. Assim, embora o branco e o preto sejam consequentes à diversidade específica entre o corvo e o cisne, essa diferença encontra-se contudo na mesma espécie humana.

Donde, devemos concluir que a diferença entre pecado venial e mortal, ou qualquer outra fundada no reato, não pode ser constitutiva da diversidade específica. Pois, nunca o acidental constitui espécie. Ora, o que está fora da intenção do agente é acidental, como o demonstra Aristóteles 1. E como é manifesto que a pena está fora da intenção do pecador, ela tem, por parte deste, relação acidental com o pecado. Mas a este se ordena exteriormente, i. é, pela justiça do juiz, que, conforme as diversas condições dos pecados, inflige penas diversas. Donde, a diferença fundada no reato da pena pode ser consequente à espécie diversa dos pecados, sem lhes constituir a diversidade específica.

Por outro lado, a diferença entre pecado venial e mortal resulta da diversidade da desordem, que constitui plenamente a essência do pecado. Ora, há uma dupla desordem: uma, exclui o princípio da ordem, a outra, salvo esse princípio, diz respeito ao que lhe é posterior. Assim, no corpo do animal, às vezes a desordem na compleição vai até a destruição do princípio vital, e então causa a morte, outras vezes porém, salvo o princípio da vida, só há desordem nos humores, que provoca a doença. Ora, o princípio de toda a ordem moral é o fim último que exerce, nos actos, o mesmo papel que o princípio indemonstrável, na ordem especulativa, como diz Aristóteles 2. Donde, há pecado mortal quando a alma por ele se desordena, até a aversão do fim último, que é Deus, a quem está unida pela caridade, mas, só há pecado venial, quando a desordem não chega à aversão de Deus. Mas assim como a desordem da morte corpórea, que exclui o princípio da vida, é naturalmente irreparável, ao passo que é reparável a desordem da doença, que não destrói o princípio vital, o mesmo se dá no atinente à alma. Pois, na ordem especulativa, quem erra nos princípios é impersuadível, mas quem erra, sem os perder, pode ser corrigido por eles próprios. E o mesmo se dá, na ordem prática, com quem pelo pecado se desvia do fim último: pela natureza do pecado, o lapso é irreparável, donde a conclusão, que quem peca mortalmente deve ser punido eternamente. Quem, ao contrário, peca sem se afastar de Deus comete uma desordem reparável, pela própria natureza do pecado, que não destruiu o princípio, e por isso dizemos que peca venialmente, por não pecar de modo a merecer uma pena interminável.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O pecado mortal difere infinitamente do venial, quanto à aversão, mas, não, quanto à conversão, pela qual visam o objecto, que especifica o pecado. Donde, nada impede que seja um pecado mortal e um venial incluídos na mesma espécie, assim, a primeira tendência, no género do adultério, é um pecado venial, mas, a palavra ociosa, quase sempre venial, pode vir a ser mortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― De ser um pecado genericamente mortal, e outro venial, resulta que essa diferença é consequente à diversidade específica dos pecados, e não ao que a causa. E tal diferença pode existir ainda nos pecados da mesma espécie, como já se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O prémio está na intenção de quem merece ou age virtuosamente, ao passo que na intenção do pecado não está a pena, contrária, antes, à sua vontade. Logo, o símile não colhe.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. II Phys. (lect. VIII, IX).
2. VII Ethic. (lect. VIII).





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