Questão 67: Da duração das
virtudes depois desta vida.
(II Sent., dist. XXXI. q. 2, a.
1, qª3).
Parece
que algo da fé ou da esperança perdura na glória.
1.
— Pois, removido o próprio, fica o comum, assim, como se disse, removido o
racional, permanece o vivo, e removido este, permanece o ente. Ora, a fé tem
algo de comum com a bem-aventurança, o conhecimento, e algo de próprio — o
enigma, pois, a fé é um conhecimento enigmático. Logo, removido o seu enigma,
resta-lhe ainda o conhecimento.
2.
Demais. — A fé é um lume espiritual da alma, conforme a Escritura (Ef 1, 18):
Os olhos iluminados do vosso coração para o conhecimento de Deus, ora aqui se
trata do lume imperfeito, por comparação com a luz da glória, de que fala o
salmista (Sl 35, 19): No teu lume veremos o lume. Ora, o lume imperfeito
perdura, com a superveniência do perfeito, assim, a candeia não se extingue
quando o sol nasce. Logo, parece que também o lume da fé pode coexistir com o
da glória.
3.
Demais. — A substância de um hábito não desaparece com a eliminação da matéria,
assim, podemos conservar o hábito da liberalidade, mesmo depois que perdemos o
dinheiro, se bem não a possamos exercer em acto. Ora, o objecto da fé é a
Verdade primária não vista. Logo, removido aquilo pelo que vemos essa Verdade,
ainda pode permanecer o hábito da fé.
Mas,
em contrário, a fé é um hábito simples. Ora, o simples ou há-de desaparecer
totalmente ou totalmente subsistir. Logo, como a fé não subsiste totalmente,
mas desaparecerá, segundo se disse 1, conclui-se que desaparecerá
totalmente.
Alguns disseram que a esperança desaparece totalmente, mas, a fé desaparece
em parte — quanto ao enigma, e subsiste em parte — quanto à substância do
conhecimento. Ora, se esta opinião exprime que a fé subsiste una, não numérica,
mas genericamente, é muito verdadeira. Pois, a fé convém com a visão da pátria
num mesmo género, que é o conhecimento, mas, a esperança não convém
genericamente com a felicidade, pois ela está para o gozo da bem-aventurança
como o movimento para o repouso final.
Se
ela porém, significa que o conhecimento da fé subsistirá no céu numericamente o
mesmo, isto é absolutamente impossível. Pois, removida a diferença de uma
espécie, a substância genérica não permanece numericamente a mesma. Assim,
removida a diferença constitutiva da brancura, não permanece a substância da
cor numericamente a mesma, de modo que uma mesma cor, numericamente, fosse,
ora, a brancura e, ora, a negrura. Porquanto, o género não está para a
diferença como a matéria, para a forma, de modo que subsiste a substância
genérica, numericamente a mesma, depois de removida a diferença, assim como,
removida a forma, a substância da matéria permanece numericamente a mesma. Ora,
o género e a diferença não são partes da espécie, mas assim como a espécie significa
um todo material, i. é, o composto da matéria e da forma, assim também a
diferença significa um todo, e o mesmo se dá com o género, mas, ao passo que
este denomina o todo, enquanto sendo como que a matéria, a diferença o denomina
enquanto sendo como que a forma, e por fim a espécie, enquanto uma e outra.
Assim, no homem, a natureza sensitiva é como a matéria da intelectiva, pois se
chama animal ao que tem natureza sensitiva, racional ao que tem a intelectiva e
homem, ao que as tem a ambas. E, assim, o próprio todo é expresso por esses
três elementos, mas, não, do mesmo modo. Donde consta com clareza, que, a
diferença, não designando senão o género, depois de removida a diferença à
substância genérica não pode permanecer a mesma, assim, a animalidade não
permanece a mesma se for diferente a alma constitutiva do animal. Donde, não é
possível que o conhecimento, numericamente o mesmo, que antes fora enigmático,
venha a ser, depois, a visão plena. Donde se conclui com clareza que nada do
que há na fé, numérica ou especificamente o mesmo, subsiste na pátria celeste,
senão só o que for genericamente o mesmo.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Removido o racional, já um vivente não é
numericamente o mesmo, mas só genericamente, como do sobredito resulta.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A imperfeição da luz da candeia não se opõe à perfeição da luz do
sol, porque uma e outra não recai sobre o mesmo sujeito. Ao passo que a
imperfeição da fé e a perfeição da glória opõem-se entre si, e recaem sobre o
mesmo sujeito, e, portanto não podem coexistir, assim como não o pode a
claridade do ar e a sua obscuridade.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Quem perde o dinheiro não perde a possibilidade de tornar a
ganhá-lo, e portanto pode subsistir convenientemente o hábito da liberalidade.
Mas no estado da glória, não só desaparece actualmente o objecto da fé, que é o
invisível, mas também na sua possibilidade, por causa da perene bem-aventurança.
Seria pois inútil à subsistência de tal hábito.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
___________________
Notas:
1.
Q. 67, a. 3.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.