Questão 67: Da duração das
virtudes depois desta vida.
(IIª. lIae, q. 18, a. 2 , II
Sent., dist. XXVI, q. 2, a. 5, qª 2 , dist. XXXI, q. 2, a. 1, qª 2, De
Virtut., q.4. a. 4).
O
quarto discute-se assim. — Parece que a esperança perdura depois da morte, no
estado da glória.
1.
— Pois, a esperança aperfeiçoa, de modo mais nobre, o apetite humano, do que as
virtudes morais. Ora, estas permanecem depois desta vida, como está claro em
Agostinho 1. Logo, com maior razão a esperança.
2.
Demais. — O temor opõe-se à esperança. Ora, ele perdura depois desta vida: nos
bem-aventurados, o temor filial, que permanece sempre, nos condenados, o das
penas. Logo, pela mesma razão, pode permanecer a esperança.
3.
Demais. — Como a esperança, também o desejo tem por objecto o bem futuro. Ora,
os bem-aventurados têm tal desejo, tanto em relação à glória do corpo, que as
almas deles desejam, conforme diz Agostinho 2, como em relação à da
alma, segundo a Escritura (Ecle 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome,
e os que, me bebem terão ainda sede, e ainda (1 Pd 1, 12): ao qual os mesmos
anjos desejam ver. Logo, a esperança pode existir, nos bem-aventurados, depois
desta vida.
Mas,
em contrário, o Apóstolo diz (Rm 8, 24): o que qualquer vê, como o espera? Ora,
os bem-aventurados vêm o objecto da esperança, que é Deus. Logo, não esperam.
Como já dissemos 3, o que por essência implica à imperfeição do
sujeito não pode coexistir num sujeito perfeito pela perfeição oposta. Isso vê-se
claramente no movimento que, implicando por essência a imperfeição do sujeito,
pois, é o acto do existente em potência, como tal 4, cessa quando a
potência se actualiza, assim, o que já se tornou branco não pode ainda
embranquecer. Ora, a esperança implica um certo movimento para o que ainda não
possuímos, como ficou claro pelo que acima dissemos da paixão da esperança 5.
Portanto, quando possuirmos o que esperamos, i. é, a fruição devida, já não
poderá existir a esperança.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A esperança é mais nobre do que as virtudes
morais, por ser Deus o seu objecto. Ora, o acto dessas virtudes não repugna,
como o acto da esperança, à perfeição da felicidade, senão talvez quanto à
matéria, quanto à qual não perduram. Pois as virtudes morais não aperfeiçoam o
apetite só no atinente ao objecto ainda não possuído, mas também no actualmente
já possuído.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Há um duplo temor: o servil e o filial, como a seguir se dirá 6.
Aquele é o da pena, e não poderá existir na glória, onde não existe nenhuma
possibilidade de pena. Este comporta dois actos: temer a Deus, e neste ponto
permanece, e temer a separação dele, e neste não permanece, pois separar-se de
Deus implica o mal, e, no caso presente, não se pode temer nenhum mal, conforme
a Escritura (Pr 1, 33): Gozaremos da abundância, sem receio de mal algum. Ora,
o temor opõe-se à esperança, por oposição do bem e do mal, como já dissemos 7.
E portanto, o temor que perdura na glória, não se opõe à esperança. Nos
condenados porém pode haver o temor da pena mais do que, nos bem-aventurados, a
esperança da glória, porque neles haverá sucessão de penas, o que implica a ideia
de futuro, objecto do temor. Ao passo que na glória dos santos não há sucessão,
pois é uma como participação da eternidade, sem pretérito nem futuro, mas só
presente. E contudo também nos condenados não haverá temor, propriamente
falando. Pois, como já dissemos8, o temor nunca existe sem alguma esperança de
libertação, a qual nos danados, absolutamente não existirá, portanto, também
neles não haverá temor, senão comumente falando, no sentido em que se chama
temor a qualquer expectativa de mal futuro.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Quanto à glória da alma, os bem-aventurados não podem ter desejo,
no concernente ao futuro, pela razão já exposta. Dizemos que eles têm fome e
sede, para afastar a ideia de tédio. E pela mesma razão dizemos que os anjos
têm desejo. No concernente porém à glória do corpo, pode por certo haver desejo
nas almas dos santos, não porém, esperança, propriamente falando. Mas não,
enquanto a esperança é uma virtude teologal, pois então o seu objecto é Deus e
não, qualquer bem criado. Nem tomada em sentido comum, porque, nesse caso o seu
objecto é o que é árduo, como já dissemos 9. Ora, o bem, cuja causa
certa já possuímos, não tem para nós nada de árduo, por isso, propriamente
falando, não dizemos que quem tem dinheiro espera poder possuir uma certa coisa,
pois pode possuí-la imediatamente, comprando-a. E semelhantemente, os que já
têm a glória da alma não podem, propriamente falando, esperar a glória do
corpo, mas só desejá-la.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
___________________
Notas:
1. XIV De Trinit. (cap. IX).
2. XII Super Genes. ad litt.
(cap. XXXV).
3. Q. 67, a. 3.
4. III Physic. (lect. II).
5. Q. 40, a. 1, 2.
6. IIa IIae, q. 19, a. 2.
7.
Q. 23, a. 2, q. 40, a. 1.
8.
Q. 42, a. 2.
9.
Q. 40, a. 1.
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