Tratado de Deo Uno
Questão 3: Da simplicidade de Deus
Art. 1 — Se Deus é corpo
(Cont. Gent. I, 20; II, 3; compend. Theol., c. 16.)
O primeiro discute-se assim — Parece que Deus é corpo.
1. Pois, corpo é o que tem três dimensões. Ora, a Sagrada Escritura atribui a Deus dimensão tríplice, dizendo (Job 11,8-9): Ele é mais elevado que o céu, e que farás tu? E mais profundo do que o inferno, e como o conhecerás? A sua medida é mais comprida do que a terra e mais longa que o mar. Logo, Deus é corpo.
2. Demais — Todo figurado é corpo, pois a figura é qualidade quantitativa. Ora, Deus é figurado, como escreve a Escritura (Gn I, 26): Façamos o homem à nossa imagem e semelhança; e a figura se chama imagem, segundo o Apóstolo (Heb I, 3): sendo o resplendor da glória e a figura da sua substância, i. e, a imagem. Logo, Deus é corpo.
3. Demais. — Tudo o que tem partes corpóreas é corpo. Ora, a Escritura as atribui a Deus: Se tu tens braços como Deus (Job 40, 4); e a destra do Senhor fez proezas (Sl 33, 16); e os olhos do Senhor estão sobre os justos (Sl 117, 16). Logo, Deus é corpo.
4. Demais. — O corpo tem situação. Ora, o que se diz desta, a Escritura diz de Deus: Vi ao Senhor assentado (Is 6,1); e o Senhor está para julgar (Is 3, 13). Logo, Deus é corpo.
5. Demais. — Nada pode significar lugar donde ou para onde, sem ser corpo ou algo de corpóreo. Ora, na Escritura, Deus é denominado termo local para onde (Sl 33, 6): Chegai-vos a ele e sereis iluminados; e donde (Jr 17, 13): Os que se apartam de ti serão escritos sobre a terra. Logo, Deus é corpo.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Jo 4, 24): Deus é espírito.
SOLUÇÃO. — Que, absolutamente, Deus não é corpo, pode-se demonstrar de três modos: Primeiro, porque nenhum corpo move sem ser movido, como claramente se induz dos casos singulares. Ora, já se demonstrou ser Deus o primeiro motor imóvel [i] . Logo, é manifesto que não é corpo; Segundo, porque é necessário que o ser primeiro exista em ato e de nenhum modo em potência. Pois, embora num mesmo ser, que passa da potência para o ato, aquela seja, temporalmente, anterior a este, em si, contudo, o ato é anterior à potência, porque o potencial não se actualiza senão pelo actual. Ora, como se demonstrou [ii], Deus é o ente primeiro; logo, é impossível existir nele algo de potencial. E, sendo todo corpo potencial, porque o contínuo, como tal é divisível ao infinito, é impossível Deus ser Corpo; Terceiro, porque Deus é o mais nobre dos seres, como do sobredito resulta [iii]. Ora, é impossível um corpo ser tal, porque todo o corpo é vivo ou não vivo. Se vivo, é manifestamente mais nobre que o não vivo; não vivendo, porém, enquanto corpo — porque então todo corpo viveria — necessariamente há-de viver por outro princípio; assim o nosso corpo vive pela alma. Ora, o princípio da vida do corpo é mais nobre que este. Logo, é impossível Deus ser corpo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como já se disse [iv], a Sagrada Escritura nos transmite as coisas espirituais e divinas comparando-as com as corpóreas. Assim, quando atribui a Deus dimensão tríplice, designa-lhe a quantidade virtual, por comparação com a quantidade corpórea; com a profundidade atribuí-lhe a virtude de conhecer as coisas ocultas; com a altitude, a excelência da sua virtude sobre todos os seres; com a longitude, a duração do seu ser; com a latitude, o afecto de dilecção para com todos. — Ou, como diz Dionísio, pela profundidade de Deus se lhe intelige a incompreensibilidade da essência [v]; pela longitude, o processo da virtude que tudo penetra; e pela latitude, a sua super extensão sobre os seres enquanto todos caem sob a sua protecção.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem é considerado imagem de Deus, não pelo corpo, mas pelo que o torna mais excelente que os outros animais; por isso a Escritura, depois de ter dito (Gn I, 26): Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, acrescenta: O qual presida aos peixes do mar, etc. Ora, o homem é mais excelente que todos os animais, pela razão e pelo intelecto. Donde, pelo intelecto e pela razão, que são incorpóreos, é a imagem de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Escritura atribui a Deus partes corpóreas, em razão de seus actos, por uma certa semelhança. Pois, assim como o ato dos olhos é ver, atribuem-se olhos a Deus, para lhe significar a virtude visual, inteligível e não, sensivelmente, E assim, simultaneamente, em relação às outras partes.
RESPOSTA À QUARTA. — Mesmo o que é próprio da situação não se atribui a Deus, senão por semelhança; assim, diz-se que se assenta, por causa da imobilidade e autoridade; e que está de pé por causa da força em debelar tudo o que se lhe opõe.
RESPOSTA À QUINTA. — Não nos aproximamos de Deus com passos corpóreos, pois, está em toda parte; mas, com afectos mentais: e do mesmo modo, dele nos afastamos. E assim, o aproximar-se e o afastar-se, à semelhança com o movimento local, designam o afecto espiritual.
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