Novo Testamento
Evangelho
Lc XIII, 31-35; Lc XIV, 1-14
Jesus e Herodes
31 Naquela altura aproximaram-se dele
alguns fariseus, que lhe disseram: «Vai-te embora, sai daqui, porque Herodes
quer matar-te.» 32 Respondeu-lhes: «Ide dizer a essa raposa: Agora estou a
expulsar demónios e a realizar curas, hoje e amanhã; ao terceiro dia, atinjo o
meu termo. 33 Mas hoje, amanhã e depois devo seguir o meu caminho, porque não
se admite que um profeta morra fora de Jerusalém.»
Censuras a Jerusalém
34 «Jerusalém, Jerusalém, que matas os
profetas e apedrejas aqueles que te são enviados! Quantas vezes Eu quis juntar
os teus filhos, como a galinha junta a sua ninhada debaixo das asas, e não
quiseste! 35 Agora, ficará deserta a vossa casa. Eu vo-lo digo: Não me vereis
até chegar o dia em que digais: Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!»
Cura de um hidrópico
XIV 1 Tendo entrado, a um sábado, em casa de
um dos principais fariseus para comer uma refeição, todos o observavam. 2
Achava-se ali, diante dele, um hidrópico. 3 Jesus, dirigindo a palavra aos
doutores da Lei e fariseus, disse-lhes: «É permitido ou não curar ao sábado?» 4
Mas eles ficaram calados. Tomando-o, então, pela mão, curou-o e mandou-o
embora. 5 Depois, disse-lhes: «Qual de vós, se o seu filho ou o seu boi cair a
um poço, 6 não o irá logo retirar em dia de sábado?» E a isto não puderam
replicar.
O último lugar
7
Observando como os convidados escolhiam os primeiros lugares, disse-lhes esta
parábola: 8 «Quando fores convidado para um banquete, não ocupes o primeiro
lugar; não suceda que tenha sido convidado alguém mais digno do que tu, 9 venha
o que vos convidou, a ti e ao outro, e te diga: ‘Cede o teu lugar a este.’
Ficarias envergonhado e passarias a ocupar o último lugar. 10 Mas, quando fores
convidado, senta-te no último lugar; e assim, quando vier o que te convidou,
há-de dizer-te: ‘Amigo, vem mais para cima.’ Então, isto será uma honra para
ti, aos olhos de todos os que estiverem contigo à mesa. 11 Porque todo aquele
que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado.»
Caridade
12
Disse, depois, a quem o tinha convidado: «Quando deres um almoço ou um jantar,
não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os
teus vizinhos ricos; não vão eles também convidar-te, por sua vez, e assim
retribuir-te. 13 Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os
coxos e os cegos. 14 E serás feliz por eles não terem com que te retribuir;
ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.»
Texto
MENSAGEM DE SUA SANTIDADE
JOÃO PAULO II
PARA A QUARESMA DE 1994
Amados Irmãos e Irmãs em Cristo
1. A Quaresma é o tempo favorável, concedido pelo
Senhor, para renovar a nossa caminhada de conversão e fortificar em nós a fé, a
esperança e a caridade, para entrar na Aliança querida por Deus e para conhecer
um tempo de graça e reconciliação.
«A família está ao serviço da caridade, a caridade
está ao serviço da família». Com um tal tema, escolhido para este ano, quereria
convidar todos os cristãos a transformarem a sua existência e a modificarem os
seus comportamentos, para serem fermento que faz crescer no seio da família
humana a caridade e a solidariedade, valores essenciais da vida social e da
vida cristã.
2. Em primeiro lugar, que as famílias tomem
consciência da sua missão na Igreja e no mundo! E na oração pessoal e
comunitária que recebem o Espírito Santo que, nelas e por elas, vem fazer novas
todas as coisas e que abre o coração dos fiéis â dimensão universal.
Saciando-se na fonte do amor, cada um tornar-se-á capaz de transmitir este amor
na sua vida e nas suas obras. A oração une-nos em Cristo, fazendo assim todos
os homens irmãos.
A família é o lugar primeiro e privilegiado da
educação e do exercício da vida fraterna, da caridade e da solidariedade, em
suas múltiplas formas. No relacionamento familiar, aprende-se a atenção, o
acolhimento e o respeito do outro, que sempre deve poder encontrar o lugar que
lhe pertence. Depois, a vida em comum é um convite à partilha, que permite sair
do próprio egoísmo. Aprendendo a partilhar e a dar, descobre-se a alegria
imensa que nos traz a comunhão dos bens. Com delicadeza, os pais procurarão
despertar nos filhos, pelo seu exemplo e o seu ensino, o sentido da
solidariedade. Desde a infância, cada um é chamado também a fazer a experiência
da abstinência e do jejum, a fim de forjar o seu carácter e dominar os seus
instintos, em especial o da posse exclusiva para si mesmo. Aquilo que se
aprende na vida familiar permanece ao longo de toda a existência.
3. Nestes tempos particularmente difíceis que o
nosso mundo atravessa, oxalá as famílias, a exemplo de Maria que se apressou a
ir visitar sua prima Isabel, se tornem próximas dos seus irmãos em necessidade
e os tenham presentes na sua oração! Como o Senhor, que toma os homens ao seu
cuidado, devemos poder dizer: «Voltei os Meus olhos para o meu povo, e o seu
clamor chegou até Mim» (1 Sam 9,16); deste modo, não poderemos permanecer
surdos aos seus apelos. Porque a pobreza de um número sempre crescente de
irmãos nossos aniquila-lhes a sua dignidade de pessoas e desfigura a humanidade
inteira; constitui uma injúria clamorosa ao dever de solidariedade e de
justiça.
4. Hoje, a nossa atenção deve concentrar-se
especialmente sobre os sofrimentos e as pobrezas familiares. Com efeito, um
grande número de famílias atingiram o limiar da pobreza, não possuindo sequer o
mínimo necessário para se alimentar e nutrir os seus filhos, para permitir a
estes últimos terem um crescimento físico e psíquico normal e seguirem uma
escolaridade regular e válida. Algumas não têm os meios para se alojarem
decentemente. O desemprego alastra cada vez mais, aumentando em proporções
consideráveis o empobrecimento de faixas inteiras da população. Mulheres há que
se vêem obrigadas a prover sozinhas às necessidades dos seus filhos e a
educá-los, o que leva muitas vezes os jovens a divagarem pelas ruas, refugiando-se
na droga, no abuso do álcool ou na violência. Constata-se actualmente um
crescimento dos casais e das famílias a braços com provações psicológicas e de
relacionamento. As dificuldades sociais contribuem às vezes para a
desintegração do núcleo familiar. Com muita frequência, o filho nascituro não é
aceite. Em alguns países, os menores são submetidos a condições desumanas ou
vergonhosamente explorados. As pessoas de idade e as diminuídas, porque
economicamente não rentáveis, são deixadas numa extrema solidão e sentem-se
inúteis. Por pertencerem a outras raças, culturas, religiões, famílias vêem-se
rejeitadas na terra onde se tinham estabelecido.
5. Face a tais flagelos, que atingem o conjunto do
planeta, não podemos calar nem permanecer inactivos, pois ferem a família,
célula básica da sociedade e da Igreja. Somos chamados a domina-los. Os
cristãos e os homens de boa vontade têm o dever de apoiar as famílias em
dificuldade, dando-lhes os meios espirituais e materiais para sair das
situações frequentemente trágicas que acabamos de evocar.
Neste tempo da Quaresma, portanto, convido antes de
mais à partilha com as famílias mais pobres, para que possam desempenhar,
particularmente com os filhos, as responsabilidades que lhes competem. Ninguém
pode ser rejeitado em nome da sua diferença, da sua debilidade ou da sua
pobreza. Pelo contrário, as diversidades são riquezas para a construção comum.
É a Cristo, que nos damos sempre que nos dedicamos aos pobres, porque eles
«revestiram o rosto do nosso Salvador» e «são os preferidos de Deus» (S.
Gregório de Nissa, O amor dos pobres). A fé exige a partilha com os
semelhantes. A solidariedade material é uma expressão essencial e primária da
caridade fraterna: é ela que dá a cada um os meios para subsistir e organizar a
sua vida.
A terra e as suas riquezas pertencem a todos. «A
fecundidade de toda a terra deve tornar-se fertilidade para todos» (S. Ambrósio
de Milão, De Nabuthe VII, 33). Nas horas dolorosas que vivemos, não basta, sem
dúvida, tomar do supérfluo, mas sim transformar os comportamentos e os modos de
consumo, a fim de cortar do próprio necessário e de olhar apenas ao essencial,
para que todos possam viver com dignidade. Façamos jejuar os nossos desejos por
vezes imoderados no possuir, a fim de oferecer ao nosso próximo o que
radicalmente lhe falta. O jejum dos ricos deve tornar-se o alimento dos pobres
(cf. S. Leão Magno, Homilia 20 sobre o jejum).
6. De modo particular, chamo a atenção das
comunidades diocesanas e paroquiais para a necessidade de encontrar meios
práticos para ir em socorro das famílias carenciadas. Sei que numerosos sínodos
diocesanos tomaram já providências nesse sentido. Também a pastoral familiar
deve poder jogar um papel de primeiro plano. Além disso, os cristãos, nos
organismos civis em que participam, apelarão insistentemente a este cuidado e a
este dever imperioso de ajudar as famílias mais débeis. Dirijo-me ainda aos
governantes das nações para que encontrem, à escala do seu país e do conjunto
planetário, os meios para fazer cessar a espiral de pobreza e endividamento das
famílias. A Igreja deseja que, nas políticas económicas, os dirigentes e os
chefes de empresa tomem consciência das mudanças a operar e das suas
obrigações, para que as famílias não dependam unicamente das ajudas que lhes
são concedidas, mas que o trabalho dos seus membros lhes possa fornecer os
meios de subsistência.
7. A comunidade cristã acolhe com alegria a
iniciativa das Nações Unidas de fazer de 1994 um Ano Internacional da Família,
e por todo o lado onde lhe é possível, de bom grado ela dá o seu contributo
especifico.
Hoje não fechemos o nosso coração, mas escutemos a
voz do Senhor e a dos nossos irmãos, os homens!
Possam as acções de caridade realizadas no decurso
desta Quaresma, pelas famílias e para as famílias, proporcionarem a cada um a
alegria profunda e abrirem os corações a Cristo ressuscitado, «o Primogénito de
muitos irmãos» (Rm 8,29)! A todos aqueles que responderão a este apelo do
Senhor, concedo de bom grado a minha Bênção Apostólica.
Vaticano, 3 de Setembro de 1993.
IOANNES PAULUS PP. II
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