Anjos
A
acção dos anjos sobre os homens (II)
Os anjos podem agir sobre a vontade do
homem?
Parece que os anjos podem agir sobre a
vontade do homem:
1. Com efeito, a propósito da passagem da
Carta aos Hebreus: “Aquele que faz de seus anjos espíritos e de seus ministros
chama de fogo” (1, 7), diz a Glosa: “São fogo porque têm o espírito ardente e
queimam nossos vícios”. Ora, isso só é possível se podem agir sobre a vontade.
Logo, os anjos podem agir sobre a vontade.
2. Além disso, Beda diz que “o diabo não
inspira os maus pensamentos, mas os excita”. Já Damasceno vai mais longe,
dizendo que também eles os inspiram, e acrescenta: toda malícia e as paixões
imundas foram imaginadas pelos demónios e lhes foi concedido inspirá-las aos
homens. Pela mesma razão, os anjos bons também inspiram bons pensamentos e os
excitam. Ora, isso é possível se agirem sobre a vontade. Logo, agem sobre a
vontade.
3. Ademais, já foi dito que o anjo ilumina o
intelecto do homem por meio de representações imaginárias. Ora, assim como o
anjo pode agir sobre a imaginação, que está a serviço do intelecto,
semelhantemente sobre o apetite sensível que está a serviço da vontade, pois é
ele mesmo uma potência ligada a um órgão corporal. Logo, se o anjo ilumina o
intelecto, pode também agir sobre a vontade.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, é próprio de Deus agir
sobre a vontade, conforme diz o livro
dos Provérbios: “O coração do rei nas mãos do Senhor; ele o dirige para tudo o
que quer” (21, 1).
Pode-se agir sobre a vontade de duas maneiras. Primeiro, desde o interior. Como o movimento da vontade nada mais é que sua inclinação à coisa querida, pertence só a Deus agir sobre a vontade, ele que dá à natureza intelectual a potência de tal inclinação. Assim como a inclinação natural só pode provir de Deus como criador da natureza, assim também a inclinação da vontade só pode provir de Deus, que é causa da vontade.
Segundo, desde o exterior. No anjo isso
acontece apenas de um modo, a saber, pelo bem que o intelecto apreende. Ora, na
medida em que alguém é causa de que algo é apreendido como um bem desejável,
nessa medida move a vontade. Somente Deus pode mover assim eficazmente uma vontade;
o homem e o anjo, pela persuasão, como acima foi dito. Mas há ainda outro modo
de mover a vontade humana desde o exterior, ou seja, por uma paixão existente
no apetite sensível. Por exemplo, pela concupiscência ou ira, a vontade é
inclinada a querer alguma coisa. Os anjos, na medida em que são capazes de
excitar tais paixões, podem mover a vontade. Entretanto, não necessariamente,
pois a vontade sempre permanece livre para consentir ou resistir à paixão.
Nota: São Tomás pensa aqui na acção dos anjos
maus, que não é iluminação, mas incitação jamais absolutamente coercitiva.
Portanto, quanto às objeções iniciais,
deve-se dizer que:
1. Os ministros de Deus, homens ou anjos,
consomem os vícios e inflamam para a virtude por meio da persuasão.
2. Os demónios não podem insinuar
pensamentos causando-os no interior, uma vez que o uso da potência cogitativa
depende da vontade. Entretanto, diz-se que o diabo excita os pensamentos porque
incita a pensar ou a desejar o que foi pensado, mediante persuasão, ou
despertando uma paixão. E essa maneira de excitar, Damasceno chama inspirar,
dado que essa ação se dá no interior. Contudo, os bons pensamentos são
atribuídos a um princípio mais elevado, a Deus, embora se sirva do serviço dos
anjos.
3. O intelecto humano, no presente estado,
não pode conhecer a não ser voltando-se para as representações imaginárias, mas
a vontade humana pode querer alguma coisa segundo o juízo da razão e sem seguir
uma paixão do apetite sensível. Portanto, não há semelhança entre eles.
(São
Tomás de Aquino, Summa Theologica, I, 111, 2)
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