19/12/2020

Filosofia e Religião

 


Anjos

A acção dos anjos sobre os homens (II)

   Os anjos podem agir sobre a vontade do homem?

   Parece que os anjos podem agir sobre a vontade do homem:

   1. Com efeito, a propósito da passagem da Carta aos Hebreus: “Aquele que faz de seus anjos espíritos e de seus ministros chama de fogo” (1, 7), diz a Glosa: “São fogo porque têm o espírito ardente e queimam nossos vícios”. Ora, isso só é possível se podem agir sobre a vontade. Logo, os anjos podem agir sobre a vontade.

   2. Além disso, Beda diz que “o diabo não inspira os maus pensamentos, mas os excita”. Já Damasceno vai mais longe, dizendo que também eles os inspiram, e acrescenta: toda malícia e as paixões imundas foram imaginadas pelos demónios e lhes foi concedido inspirá-las aos homens. Pela mesma razão, os anjos bons também inspiram bons pensamentos e os excitam. Ora, isso é possível se agirem sobre a vontade. Logo, agem sobre a vontade.

   3. Ademais, já foi dito que o anjo ilumina o intelecto do homem por meio de representações imaginárias. Ora, assim como o anjo pode agir sobre a imaginação, que está a serviço do intelecto, semelhantemente sobre o apetite sensível que está a serviço da vontade, pois é ele mesmo uma potência ligada a um órgão corporal. Logo, se o anjo ilumina o intelecto, pode também agir sobre a vontade.

   EM SENTIDO CONTRÁRIO, é próprio de Deus agir sobre a vontade, conforme diz o  livro dos Provérbios: “O coração do rei nas mãos do Senhor; ele o dirige para tudo o que quer” (21, 1).

  


Pode-se agir sobre a vontade de duas maneiras. Primeiro, desde o interior. Como o movimento da vontade nada mais é que sua inclinação à coisa querida, pertence só a Deus agir sobre a vontade, ele que dá à natureza intelectual a potência de tal inclinação. Assim como a inclinação natural só pode provir de Deus como criador da natureza, assim também a inclinação da vontade só pode provir de Deus, que é causa da vontade.

   Segundo, desde o exterior. No anjo isso acontece apenas de um modo, a saber, pelo bem que o intelecto apreende. Ora, na medida em que alguém é causa de que algo é apreendido como um bem desejável, nessa medida move a vontade. Somente Deus pode mover assim eficazmente uma vontade; o homem e o anjo, pela persuasão, como acima foi dito. Mas há ainda outro modo de mover a vontade humana desde o exterior, ou seja, por uma paixão existente no apetite sensível. Por exemplo, pela concupiscência ou ira, a vontade é inclinada a querer alguma coisa. Os anjos, na medida em que são capazes de excitar tais paixões, podem mover a vontade. Entretanto, não necessariamente, pois a vontade sempre permanece livre para consentir ou resistir à paixão.

   Nota: São Tomás pensa aqui na acção dos anjos maus, que não é iluminação, mas incitação jamais absolutamente coercitiva.

   Portanto, quanto às objeções iniciais, deve-se dizer que:

   1. Os ministros de Deus, homens ou anjos, consomem os vícios e inflamam para a virtude por meio da persuasão.

   2. Os demónios não podem insinuar pensamentos causando-os no interior, uma vez que o uso da potência cogitativa depende da vontade. Entretanto, diz-se que o diabo excita os pensamentos porque incita a pensar ou a desejar o que foi pensado, mediante persuasão, ou despertando uma paixão. E essa maneira de excitar, Damasceno chama inspirar, dado que essa ação se dá no interior. Contudo, os bons pensamentos são atribuídos a um princípio mais elevado, a Deus, embora se sirva do serviço dos anjos.

  3. O intelecto humano, no presente estado, não pode conhecer a não ser voltando-se para as representações imaginárias, mas a vontade humana pode querer alguma coisa segundo o juízo da razão e sem seguir uma paixão do apetite sensível. Portanto, não há semelhança entre eles.

(São Tomás de Aquino, Summa Theologica, I, 111, 2)

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