JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR
Iniciação à Cristologia
PRIMEIRA PARTE
A PESSOA DE JESUS CRISTO
Capítulo II
A VINDA DO FILHO DE DEUS NA ECONOMIA DIVINA DA
SALVAÇÃO
6. O nome de «Cristo»
O nome de
«Messias» provem do hebreu mashia,
que significa «ungido». Este título foi traduzido do grego por christós, e latinizado em Christus.
Originalmente
aplicava-se ao rei de Israel, em alusão à cerimónia de investidura em que era
ungido com azeite [i]. O
título de «ungido» aplicou-se especialmente a David e à sua dinastia, e passou
a converter-se no nome do Messias, do Cristo, que será o rei descendente de
David, o ungido por excelência e instrumento de Deus para estender o seu reino
a todas as nações.
Depois este
nome aplicou-se também a outros «ungidos» de Deus: aos sacerdotes, filhos de
Aarão [ii],
e mais raramente aos profetas [iii].
O nome de
Cristo, Messias, passa a ser nome próprio de Jesus porque Ele cumpre de modo
eminente e perfeito a missão divina que essa palavra significa. Com efeito, o
Messias que Deus enviaria para instaurar definitivamente o seu Reino «devia ser
ungido pelo Espírito do Senhor [iv]
ao mesmo tempo como rei e sacerdote [v]
mas também como profeta [vi].
Jesus cumpriu a esperança messiânica de Israel na sua triple função de
sacerdote, profeta, e rei» [vii]
Jesus reúne em si os diferentes aspectos do Messias anunciado, que os judeus
muitas vezes não sabiam compaginar; e n’Ele se mostra o sentido autêntico de
todos eles.
Jesus é o
Messias anunciado, o ungido rei salvador, de uma ordem diferente e superior à
que os judeus esperavam. Ungido não com unguento terreno mas com óleo
espiritual [viii],
com a plenitude da graça e dons do espírito divino: Ele é desde o início da sua
existência humana o «Cristo», quer dizer, o ungido pelo Espírito Santo [ix].
7. Cristo é o centro da história humana
a) As genealogias de Cristo e a história humana
O Evangelho
segundo São Mateus começa, conforme o costume hebreu, com a genealogia de José
e faz uma lista partindo de Abraão [x].
A Mateus, interessa-lhe pôr em relevo, mediante a paternidade legal de José,
que Jesus descende de Abraão e de David; mais em concreto, que era o Messias
anunciado pelos profetas, a esperança de Israel e o que dá sentido a toda a
história do povo de Deus.
São Lucas,
ao contrário, escreveu para os cristãos procedentes dos gentios, e quer
destacar a universalidade da redenção de Cristo. Segundo o Evangelho de Lucas,
a genealogia de Jesus è ascendente [xi]:
desde Jesus através dos seus antepassados, passando por Abraão, remonta até
Adão, pai de todos os homens, tanto judeus como gentios. O Evangelho quis
mostrar o vínculo de Jesus com todo o género humano: Cristo é o Novo Adão, o
novo princípio da linhagem humana e o salvador de todos os homens.
b) A Encarnação dá sentido a toda a história
«Quando chegou a plenitude dos tempos enviou
Deus o seu Filho, nascido de mulher» [xii].
A Encarnação teve lugar na plenitude dos tempos, isto é no tempo oportuno
segundo os planos de Deus.
O monge
Dionísio o Exíguo (século VI) propôs-se colocar o nascimento de Cristo como
centro da história d humanidade e, com os dados históricos de que dispunha,
situou-o no ano 753 da fundação de Roma: esta data é o começo da era cristã.
Hoje admite-se que se equivocou no seu cômputo, e pensa-se que Jesus deve ter
nascido aproximadamente no ano 748 da fundação de Roma, equivalente ao 6 antes
da era cristã. Este foi o momento mais importante da história: Deus e a
eternidade entram na história humana para nos salvar.
A postura
de Dionísio o Exíguo, que de algum modo reflecte o que nos sugerem as
genealogias de Cristo, tem um grande sentido teológico. Com efeito, Cristo é o
fundamento de toda a história anterior, que tem valor salvífico só por meio
d’Ele e a Ele se ordena. Assim como também Cristo é o fundamento de toda a
história posterior, que vive da graça proveniente da sua obra redentora.
«A Igreja
crê que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra no seu
Senhor e Mestre» [xiii]
Cristo é certamente o centro da história humana, não no sentido cronológico,
mas qualitativo: Ele é «o alfa e o ómega,
o primeiro e o último, o princípio e o fim» [xiv].
N’Ele os homens encontram a fonte da vida sobrenatural, e também o seu sentido
e meta última, que é a salvação.
Capítulo III
A REALIDADE DA ENCARNAÇÂO DO FILHO DE DEUS
1. A vinda do Filho de Deus ao mundo, concebido de
santa Maria Virgem
a) A anunciação a Maria e a concepção de Jesus
No
admirável plano da doação que Deus faz de si mesmo à criatura, a Encarnação é o
acontecimento central e culminante, e Maria foi a colaboradora com a sua fé e
com o seu amor para união de Jesus com a humanidade.
São Lucas
descreve esse momento transcendental: O anjo Gabriel enviado por parte de Deus
comunica o plano divino a Maria: «Conceberás
no teu seio e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será
grande e será chamado Filho do Altíssimo (…) O Espírito Santo virá sobre ti, e
a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, e por isso o filho
engendrado será santo, será chamado Filho de Deus» [xv].
A Virgem, cheia de fé e de confiança em Deus, dá o seu rendido consentimento à
disposição divina: «Eis aqui a escrava do
Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» [xvi].
«E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós»
[xvii].
O mistério da união – dos esponsais – entre o Filho de Deus e a humanidade,
realiza-se no instante em que Maria pronunciou o seu sim «em nome de toda a natureza humana» [xviii].
E ela concebeu como homem o Filho eterno do Pai, que se fez realmente seu
filho.
b) A Encarnação é obra do Espírito Santo
A Sagrada
Escritura deixa muito claro que Jesus Cristo não foi concebido por obra de
varão, como os ouros homens, mas sim unicamente pelo poder e obra do Espírito
Santo, permanecendo a sua Mãe sempre virgem (cf. Mt 1,18-25; Lc 1 ,34-38). E assim o
confessou a Igreja desde os primeiros testemunhos e a Tradição e as primeiras
formulações da fé.
A «virtude
do Altíssimo» (Lc 1 ,35),
pela qual se levou a cabo a Encarnação, é o poder infinito do único Deus. Assim,
pois, a Encarnação do Filho de Deus é obra da Trindade. Todavia, a concepção
milagrosa de Cristo só costuma atribuir-se ao Espírito Santo, que ali interveio
juntamente com o Pai e o Filho: «O
concebido nela vem do Espírito Santo» (Mt 1,20). É que a
revelação atribui ao Espírito Santo as obras que manifestam especialmente o
amor e o poder divinos, e em particular atribui-se-Lhe o mistério da Encarnação
do Filho de Deus em Maria Santíssima.
Todavia,
como a filiação é a relação de uma pessoa com respeito ao que a engendrou,
Cristo – que é Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade – não é, nem se pode
chamar, filho do Espírito Santo, nem da Trindade, mas somente de Deus Pai.
c) Maria é a Mãe de Deus
Maria,
escolhida por Deus Pai desde toda a eternidade para será Mãe do seu Filho, pelo
seu consentimento e aceitação da vontade divina, foi realmente feita a Mãe de
Deus. «Com efeito, aquele que ela
concebeu como homem, por obra o Espírito Santo, e que se fez verdadeiramente
seu filho segundo a carne, não é outro que o Filho eterno do Pai, a segunda
pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é verdadeiramente
Mãe de Deus (‘Theotokos’) (cf.
DS, 215)»[1].
Por isso,
sob o impulso do Espírito Santo, é chamada «a mãe do meu Senhor» desde a
concepção de Jesus, ainda antes do nascimento do seu Filho (cf. Lc 1 ,43).
d) «O Verbo se fez carne»: a Encarnação
«O Verbo
se fez carne» (J 1,14), diz São João no prólogo do seu
Evangelho, significando por «carne» o
homem inteiro, conotando o mais visível e o mais humilde do ser humano, em
contraste coma excelência do Verbo[2]
Tomando
essa frase do evangelista, a Igreja chama «Encarnação»
ao facto de que o Filho de Deus tenha assumido uma natureza humana para levar a
cabo, mediante ela, a nossa salvação. O acontecimento único e totalmente
singular da Encarnação consiste em que o Filho de Deus se fez verdadeiramente
homem sem deixar de ser Deus.
Este
mistério é tão essencial que «a fé na verdadeira encarnação do Filho de Deus é
o sinal distintivo da fé cristã»[3];
mistério que a Igreja defendeu e aclarou especialmente durante os primeiros
séculos face às heresias que a falseavam.
2. Jesus Cristo é perfeito homem
a) A realidade do corpo de Cristo.
A heresia
do docetismo gnóstico.
O gnosticismo é uma amálgama de doutrinas
místicas orientais, de tipo filosófico (sobretudo platónicas) e cosmogónico,
que teve uma rápida propagação nos primeiros séculos da nossa era. Uma das suas
variantes cristãs, o docetismo, é uma
doutrina aparecida já no século I que considera que a matéria é má e, por
consequência, nega que Cristo tivesse um verdadeiro corpo material, de carne
humana: o corpo de Cristo seria só aparente. Portanto, o seu nascimento ou a
sua paixão e morte não foram reais mas só fictícias e irreais.
Todavia, a
Sagrada Escritura testemunha claramente que Cristo foi homem verdadeiro, com um
corpo real: é descendente de David, foi concebido pela Virgem Maria, nasceu,
cresceu, cansou-se, teve fome e sede, dormiu, sofreu, derramou o seu sangue,
morreu, foi sepultado, etc. O seu corpo não era fantasmagórico, mas material de
carne e osso, era real e tangível, inclusive depois da Ressurreição (cf. Lc 24 ,39; 1Jo 1,1-3).
Já desde a
própria época apostólica a fé cristã insistiu na verdadeira Encarnação do Filho
de Deus face a estas heresias (cf. 1 Jo 4,2-3; 2Jo 7), que foram
refutadas pelos Padres e escritores clássicos dos primeiros séculos, como Santo
Inácio de Antioquia, Santo Ireneu e outros. Estes escritores não só mostraram a
verdade do corpo de Cristo com a Sagrada escritura na mão, como argumentaram
também que negar a realidade do corpo de Cristo é negar a realidade da redenção
obrada pelo Senhor.
b) A realidade da alma de Cristo. A heresia do
apolinarismo
Apolinar de
Laodiceia (século IV) sustentou que o Verbo não teria assumido uma humanidade
completa, pois dois seres íntegros não poderiam fazer-se realmente um. A
humanidade de Cristo estaria somente composta de carne e alma sensitiva. Nesta
natureza o Verbo assumiria a função de alma intelectiva e racional.
Todavia, a
Sagrada Escritura testemunha claramente que Cristo foi perfeito homem com uma
alma humana racional verdadeira: alegrou-se, entristeceu-se, comoveu-se, teve
afectos, era totalmente livre, obedeceu, era humilde, veraz, generoso e misericordioso,
etc. Enfim, Jesus tinha todas as virtudes e qualidades da alma humana.
O erro de
Apolinar foi refutado por São Gregório de Nisa e outros Padres da Igreja que
insistiram na perfeita humanidade de Cristo: Jesus não seria perfeito homem se
carecesse de alma humana, se não tivesse uma inteligência e vontade humanas.
Doutra forma não teria redimido a linhagem humana, pois «não foi curado o que
não foi assumido), e Cristo curou todo o homem: corpo e alma.
O
apolinarismo foi condenado pelo Papa São Dâmaso e posteriormente pelo concílio
I de Constantinopla (ano de 3181)[4].
Desde então o Magistério da Igreja tem ensinado sempre que Nosso Senhor é
«perfeito Deus e perfeito homem: que subsiste com alma racional e carne humana»[5].
c) Cristo teve uma verdadeira natureza humana,
composta de alma e corpo
Muitas vezes Jesus designa-se a si mesmo
como «homem» (cf. Jo 8,40), e igualmente no Novo Testamento se o
nomeia desta forma (cf. 1 Cor 15,21; i Tim 2,5), quer dizer, como
alguém que tem propriamente a natureza humana. E a Tradição e o magistério da
Igreja insistiram em que Ele era verdadeiro homem, consubstancial connosco;
«semelhante a nós em tudo, excepto no pecado». (Heb 4,15).
Temos de
ter presente que a natureza humana está composta pela união substancial de
corpo e alma; de modo que, se não se desse esta composição, Cristo não seria
verdadeiramente homem; nem o corpo de Cristo seria vivo, nem seria humano, pois
a alma é o princípio que dá a vida e a espécie à matéria. Assim pois, Jesus
teve uma verdadeira natureza humana, composta pela união da alma e do corpo[6]
Vicente
Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)
[1] CCE, 495.
[2] Este modo de expressar o todo pela
parte (o homem pela carne) é habitual na Escritura: cf. Is 40,5; Jb 19,26; 1
Cor 1,29; 2 Cor 7,5; 1 Pd 1,24; etc.
[4] CF. CONC. DE CONSTANTINOPLA, DS, 149.
[5] Símbolo Quicumque, DS, 76.
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