16/08/2016

Tratado da vida de Cristo 120

Questão 49: Dos efeitos da paixão de Cristo

Em seguida devemos tratar dos efeitos da Paixão de Cristo. E nesta questão discutem-se seis artigos:


Art. 1 — Se pela Paixão de Cristo somos libertados do pecado.
Art. 2 — Se pela Paixão de Cristo fomos livrados do poder do diabo.
Art. 3 — Se pela Paixão de Cristo os homens foram libertados da pena do pecado.
Art. 4 — Se pela Paixão de Cristo fomos reconciliados com Deus.
Art. 5 — Se Cristo com a sua Paixão nos abriu as portas do céu.
Art. 6 — Se Cristo pela sua Paixão mereceu ser exaltado.

Art. 1 — Se pela Paixão de Cristo somos libertados do pecado.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que pela Paixão de Cristo não somos libertados do pecado.

1. — Pois, libertar do pecado é próprio de Deus, segundo a Escritura: Eu sou, eu mesmo o que apago as tuas iniquidades por amor de mim. Ora, Cristo não sofreu enquanto Deus, mas enquanto homem. Logo, a Paixão de Cristo não nos liberta do pecado.

2. Demais. — O corporal não age sobre o espiritual. Ora, a Paixão de Cristo foi corporal; ao passo que o pecado existe na alma, criatura espiritual. Logo, a Paixão de Cristo não podia purificar do pecado.

3. Demais. — Ninguém pode ser libertado de pecado que ainda não cometeu, mas do que no futuro cometerá. Ora, como muitos pecados foram cometidos e todos os dias o são, posteriores à Paixão de Cristo, parece que pela sua Paixão não fomos libertados do pecado.

4. Demais. — Posta a causa suficiente, nada mais é necessário para a produção do efeito. Ora, além da Paixão de Cristo requerem-se outras causas como o baptismo e a penitência, para a remissão dos pecados. Logo, parece que a Paixão de Cristo não foi causa suficiente da remissão dos pecados.

5. Demais. — A Escritura diz: A caridade cobre todos os delitos. E noutro lugar. Os pecados purificam-se pela misericórdia e pela fé. Ora, há muitos outros objectos de fé e motivos da caridade, além da Paixão de Cristo. Logo, a Paixão de Cristo não é a causa própria da remissão
dos pecados.

Mas, em contrário, a Escritura: Amou-nos e lavou-nos dos pecados no seu sangue.

A Paixão de Cristo é a causa própria da remissão dos pecados, por três razões. — Primeiro, como causa excitante à caridade. Pois, no dizer do Apóstolo, Deus faz brilhar a sua caridade em nós, porque ainda quando éramos pecadores, em seu tempo morreu Cristo por nós. Ora, pela caridade conseguimos o perdão dos pecados, conforme o Evangelho: Perdoados lhe são seus muitos pecados, porque amou muito. — Segundo, a Paixão de Cristo causa a remissão dos pecados a modo de redenção. Pois, sendo Cristo a nossa cabeça, pela Paixão que sofreu por obediência e caridade, libertou-nos, como os seus membros, do pecado, quase pelo preço da sua Paixão; como no caso de alguém que, por uma obra meritória manual, se resgatasse do pecado que com os pés tivesse cometido. Assim como, pois, o corpo natural é uno, na diversidade dos seus membros, assim a Igreja na sua totalidade, que é o corpo místico de Cristo, é considerada quase uma mesma pessoa com a sua cabeça que é Cristo. — Terceiro, o modo de eficiência, enquanto a carne, na qual Cristo sofreu a ua Paixão, é o instrumento da divindade; pelo qual os padecimentos e as acções de Cristo agem com virtude divina, com o fim de delir o pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora Cristo, como Deus, não sofresse, contudo a sua carne foi o instrumento da divindade. Donde houve a sua Paixão, uma certa virtude divina de perdoar os pecados, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo, embora corpórea, produz contudo uma certa virtude espiritual por causa da divindade à qual a sua carne estava unida, como instrumento. E por força dessa virtude a Paixão de Cristo é a causa da remissão dos pecados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo pela sua Paixão livrou-nos dos pecados, causalmente, isto é, por ter instituído a causa da nossa libertação, em virtude da qual pudesse perdoar num dado momento quaisquer pecados - passados, presentes ou futuros. Tal o médico que preparasse um remédio capaz de curar quaisquer doenças, mesmo futuras.

RESPOSTA À QUARTA. — A Paixão de Cristo é, como dissemos, a causa universal antecedente da remissão dos pecados. Mas é necessário aplicá-la a cada um a fim de delir os pecados próprios. O que se dá pelo baptismo, pela penitência e pelos outros sacramentos, que tiram a sua virtude da Paixão de Cristo, como a seguir se dirá.

RESPOSTA À QUINTA. — Também pela fé nos é aplicada a Paixão de Cristo, a fim de lhe colhermos os frutos, segundo o dito do Apostolo: Ao qual propôs Deus para ser; vitima de propiciação pela fé no seu sangue. Mas a fé, pela qual nos purificamos do pecado, não é uma fé informe, que pode coexistir com o pecado, mas a fé informada pela caridade. De modo que uma Paixão de Cristo nos é aplicada, não só quanto ao intelecto, mas também quanto ao afecto. E também deste modo os pecados são perdoados por virtude da Paixão de Cristo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.





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