Tempo Comum
Evangelho:
Mt 5, 13-16
13 «Vós sois o sal da terra. Porém, se o sal perder
a sua força, com que será ele salgado? Para nada mais serve senão para ser
lançado fora e ser calcado pelos homens. 14 Vós sois a luz do mundo.
Não pode esconder-se uma cidade situada sobre um monte; 15 nem se
acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas no candelabro, a fim
de que dê luz a todos os que estão em casa. 16 Assim brilhe a vossa
luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso
Pai que está nos céus.
Comentário:
Jesus Cristo
declara sem qualquer margem para dúvidas a importância do cristão na sociedade.
Uma importância que lhe vem directamente da sua Categoria de Filho de Deus em Cristo.
Como do sal ou da luz muitos dependerão dele como necessidade concreta para melhor "temperarem" as suas vidas e verem com nitidez o caminho a seguir.
(ama, comentário sobre Mt 5, 13-16
2015.06.09)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
"Creio
em Deus" – Hoje
SEGUNDA
PARTE
JESUS
CRISTO
CAPÍTULO
PRIMEIRO
"Creio
em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".
IV. Caminhos da Cristologia
3. Cristo, "o último Homem”.
Fé cristã não é apenas olhar retrospectivo para o
que aconteceu, ancoragem numa origem cronologicamente para trás de nós. Pensar
assim, resultaria afinal em romantismo e mera restauração. Nem é apenas um
olhar para o eterno; o que seria igual a platonismo e metafísica. É, sobretudo,
um olhar para a frente, um avanço da esperança. Sem dúvida, não apenas isto: a
esperança tornar-se-ia utopia, se a sua meta fosse puro auto-produto do homem.
Ela é lídima esperança precisamente porque se encontra no sistema de
coordenadas das três grandezas: do passado, ou seja, do avanço já realizado –
da presença do eterno que conserva como unidade o tempo parcelado – do futuro,
no qual Deus e mundo se tocarão mutuamente, tornando-se assim verdadeiramente
Deus em mundo, mundo em Deus, como o ómega da história.
Sob o ponto de vista da fé cristã, poder-se-á
dizer: para a história, Deus está no fim, e está no início para o ser.
Aqui se destaca o vasto horizonte do crístico em que ele sobressai tanto da
metafísica pura, como da ideologia marxista do futuro. Desde Abraão até ao
retorno do Senhor, a fé marcha ao encontro do que há de vir. Mas em Cristo
revela-se-lhe já agora o rosto do futuro: será o homem capaz de envolver a
humanidade porque perdeu a si e a ela em Deus. Por isso, o sinal do que há de
vir será a cruz, e o seu rosto, nesta época do mundo, será a face cheia de
sangue e coberta de feridas: o "último homem", isto é, o homem
futuro, propriamente dito, revela-se agora nos últimos homens. Portanto,
quem quiser estar ao seu lado, deverá permanecer ao lado deles (Cfr.
Mt 25,31-46).
Digressão: Estruturas do Crístico
Antes de continuar na análise dos diversos artigos
do Credo que se seguem à confissão de Jesus como o Cristo, será conveniente
deter-nos por um momento ainda. Na consideração das questões isoladas
facilmente se perde de vista o conjunto; e, exactamente hoje, sobretudo ao
tentar dialogar com os descrentes, sentimos quão necessário se nos torna uma
tal perspectiva. De permeio, diante da situação da Teologia hodierna, poderia
ter-se a impressão de ela estar muito satisfeita com os seus progressos ecuménicos
– certamente muito dignos de louvor – a ponto de conseguir afastar veneráveis
marcos fronteiriços (naturalmente para, via de regra, replantá-los noutro
local), não dando bastante atenção aos problemas imediatos dos homens de hoje,
que, muitas vezes, pouco representam de comum com as tradicionais questões
disputadas das várias confissões. Quem poderá, por exemplo, explicar a um
curioso, com a necessária brevidade e compreensão, o que significa "ser
cristão"? Quem está em condições de explicar ao outro, de maneira clara,
porque acredita e qual é o rumo de sua fé, qual o âmago da opção feita na fé?
Nos últimos tempos, contudo, com o surgimento de
tais perguntas em escala maciça, passa-se não raro a diluir o crístico em
altissonantes generalidades, capazes, sem dúvida, de afagar os ouvidos
contemporâneos (cfr. 2 Tim 4,3), privando-os, no entanto, do pábulo
forte da fé, a que têm direito. A Teologia não cumpre a sua missão, se ela
gira, satisfeita, dentro de si e da sua erudição; e equivoca-se mais ainda, ao
inventar "doutrinas de acordo com o próprio gosto" (2 Tim 4,3),
oferecendo pedras em vez de pão: sua própria loquacidade ao invés da palavra de
Deus. E torna-se imensamente grande a tarefa que assim se apresenta – entre
Cila e Caríbdis. Tentemos apesar de tudo – ou antes, por causa disto – reflectir
a respeito, sintetizando a forma básica do Cristianismo em umas poucas
proposições claras. Mesmo que o resultado seja de qualquer modo insuficiente,
talvez tenha a vantagem de desafiar outros a prosseguir no mesmo rumo,
tornando-se assim um bom subsídio.
1.
O individual e o todo.
O primeiro escândalo fundamental com que os homens
de hoje se deparam no Cristianismo está simplesmente na exterioridade em que o
elemento religioso parece ter-se concentrado. Escandaliza-nos o facto de Deus
dever ser transmitido por aparatos exteriores: Igreja, sacramentos, dogma ou
apenas pelo anúncio (kerygma) para o qual de bom grado recuamos com o facto
de diminuir o escândalo e que, no entanto, também constitui algo exterior. Face
a tudo isto ergue-se a pergunta: Deus mora acaso em instituições,
acontecimentos ou em palavras? Deus, sendo o eterno, não alcançaria a cada um
de nós a partir do nosso íntimo? Pois bem, a resposta muito singela a tudo isto
é: "sim", acrescentando-se: se apenas existisse Deus e uma soma de
indivíduos, o Cristianismo não seria necessário. Deus pode e poderia realizar,
e de facto realiza sempre de novo a salvação do indivíduo como indivíduo, directa
e sem intermediários. Deus dispensa qualquer passagem intermediária para
alcançar a alma de cada um, ali onde ele, Deus, se encontra mais no âmago do
que o próprio sujeito; nada pode penetrar mais fundo e mais intimamente no
homem do que Deus, que toca a criatura no ponto mais íntimo da sua intimidade.
Para salvar o mero indivíduo não seria mister nem a Igreja, nem a história da
salvação, nem a encarnação e paixão de Deus no mundo. Mas precisamente neste
ponto deve inserir-se a declaracção que nos conduz mais além: fé cristã não
principia do indivíduo atomizado, mas vem do saber que não existe o mero
indivíduo, que o homem, muito mais, é ele próprio apenas quando entrosado no
todo: na humanidade, na história, no cosmos, como lhe convém e é essencial à
sua qualidade de "espírito em corpo".
O princípio "corpo" e
"corporeidade", sob o qual se acha o homem, conota duas coisas: de um
lado, o corpo separa os homens entre si, torna-os mutuamente impenetráveis. O
corpo, como forma espacial e fechada, torna impossível um estar totalmente no
outro; traça uma linha divisória que denota distância e limite, coloca-nos na distância
um do outro, sendo portanto um princípio dissociador. Simultaneamente, porém, a
existência em corpo necessariamente inclui história e comunidade, porquanto, se
o puro espírito pode ser imaginado como existente apenas para si, corporeidade
conota descender, originar-se um do outro: os homens vivem uns dos outros num
sentido muito mais real e ao mesmo tempo pluri-estratificado. Porque, se a
descendência se considera primeiro fisicamente (e já sob este ponto de vista
abarca desde a origem até os múltiplos entrelaçamentos do cuidado mútuo pela
subsistência), para quem é espírito, somente em corpo e como corpo, ela significa
que também o espírito – ou seja simplesmente, o homem integral – está marcado
profundamente pela sua pertença ao conjunto da humanidade – do único
"Adão".
Deste modo, o homem revela-se como sendo aquele
ente que só pode ser enquanto for do outro. Ou digamo-lo com uma palavra do
grande teólogo tubinguense Möhler: "O homem, como ente transitoriamente
colocado em relação, não vem a si mesmo, por si mesmo, embora também não sem si
mesmo". De maneira mais forte a mesma ideia foi repetida pelo contemporâneo
de Möhler, o filósofo de Munique. Franz von Baader, ao constatar ser tão
irracional "derivar do auto-conhecimento (da consciência) o conhecimento
de Deus e o conhecimento de todas as demais inteligências, como derivar todo
amor do auto-amor". Aqui repudia-se energicamente o princípio de Descartes
que, baseando a filosofia na consciência (Cogito, ergo sum: penso, logo
existo), determinou de maneira decisiva o destino do espírito moderno até às
formas da filosofia transcendental. Como o auto-amor não representa a forma
primitiva do amor, mas, no máximo, uma forma derivada do mesmo; como só se
chega ao que é peculiar no amor, considerando-o como relação, isto é, como
vindo de outro, assim o conhecimento humano só é realidade como ser-conhecido,
como ser-levado-a-conhecer, portanto, como vindo de outro. O homem real não se
revela, se lançarmos a sonda apenas na solidão do "eu" do auto-conhecimento,
porque em tal caso se exclui de antemão o ponto de partida da sua possibilidade
de vir a si, portanto o que lhe é próprio. Por isso, consciente e com razão,
Baader alterou o característico cogito, ergo sum em cogitor, ergo
sum: não: "penso, logo existo", mas: "sou pensado, logo
existo"; o homem e o seu conhecimento somente podem ser concebidos a
partir do seu "ser pensado".
Demos um passo adiante: ser-homem é ser-com, é
participar de todas as dimensões, não só de cada presente actual, mas de modo
tal que, em cada homem, estão presentes, passado e futuro da humanidade, dessa
humanidade que se revela como um único "Adão" – tanto mais, quanto
mais ela é considerada. Não podemos desenvolver detalhes desta realidade.
Bastem algumas indicações. É suficiente tomar consciência de que nossa vida
espiritual depende totalmente do instrumento da língua, acrescentando-se, a seguir,
que a língua não é de hoje: vem de longe, a história inteira teceu em torno
dela e alcança-nos por seu intermédio, como a inevitável condição do nosso
presente, como sua parte integrante. E vice-versa: o homem é a criatura que
vive voltada para o futuro, que, na preocupação, incessantemente se projeta
para além do seu momento, não sendo capaz de continuar a existir, se
repentinamente se encontrar órfão de porvir. Portanto é inevitável negar a
existência do simples indivíduo, da mónada humana renascentista, do mero ente
cogito-ergo-sum. Ser-homem sucede ao homem somente naquele entrelaçamento de
história que, mediante a língua e a comunicação social, alcança a cada um que,
por sua vez, realiza a sua existência naquele modelo colectivo onde,
preteritamente, já se acha sempre incluído e que forma o espaço da sua
auto-realização. Absolutamente não é verdade que cada homem se projecte
totalmente de novo, a partir do ponto zero da sua liberdade, como o preconizava
o idealismo alemão. O homem não é uma criatura que recomeça sempre no ponto
zero; ele só é capaz de desdobrar as suas potencialidades no entrosamento com o
conjunto do ser humano que lhe é pré-apresentado, que o caracteriza e forma.
(cont)
joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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