Art.
3 — Se havia outro modo mais conveniente da libertação humana do que pela
paixão de Cristo.
O terceiro discute-se assim. — Parece que
havia outro modo mais conveniente da libertação humana do que pela paixão de
Cristo.
1. — Pois, a natureza nas suas obras
imita as obras divinas, como regulada e movida que é por Deus. Ora, a natureza
não faz por dois meios o que pode fazer por um só. Logo, como Deus podia libertar
o homem só pela sua vontade, parece que não era conveniente que se
acrescentasse a paixão de Cristo para a libertação do género humano.
2. Demais. — As obras da natureza realizam-se
de maneira mais conveniente que o que se faz por violência; porque a violência é uma como ruína ou
destruição do que faz a natureza, segundo o Filósofo. Ora, a paixão de
Cristo implicava a morte violenta. Logo, era mais conveniente que Cristo libertasse
o homem morrendo de morte natural, do que pela paixão.
3. Demais. — É convenientíssimo que
quem retém uma coisa, violenta e injustamente, seja despojado dela por um poder
superior. Donde o dito da Escritura: Vós
fostes vendidos por nada, e sem prata sereis resgatados. Ora, o diabo não
tinha nenhum poder sobre o homem, a quem enganava pela fraude e a quem retinha,
por uma como que violência, na escravidão. Logo, parece que teria sido, mais
conveniente que Cristo despojasse o diabo, em virtude do seu simples poder, do
que pela sua paixão.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Não havia outro meio mais conveniente de
curar a miséria do que pela paixão de Cristo.
SOLUÇÃO. — Tanto um meio é mais
conveniente para conseguir um fim, quanto mais ele faz concorrerem elementos
conducentes ao fim. Ora, o ser o homem libertado pela paixão de Cristo foi
causa de concorrerem muitos elementos conducentes à salvação do mesmo, além da libertação
do pecado. — Assim, primeiro, desse modo o homem conhece quanto Deus o ama; o
que o excita a amá-lo mais, e nisso consiste a perfeição da salvação humana.
Donde o dizer o Apóstolo: Deus faz
brilhar a sua caridade em nós porque ainda quando éramos pecadores, morreu
Cristo por nós. — Segundo, porque por esse meio nos deu o exemplo da
obediência, da humildade, da constância, da justiça e das demais virtudes
reveladas na paixão de Cristo e que são necessárias à salvação humana. Por isso
diz a Escritura: Cristo padeceu por nós,
deixando-vos exemplo para que sigais as suas pisadas. — Terceiro, porque
Cristo, com a sua paixão, não somente libertou o homem do pecado, mas ainda lhe
mereceu a graça justificante e a glória da bem-aventurança como a seguir se
dirá. — Quarto, porque, assim, uma necessidade maior impôs ao homem
conservar-se imune do pecado, segundo o Apóstolo: Porque vós fostes comprados por um grande preço; glorificai, pois, e
trazei a Deus no vosso corpo. — Quinto, porque contribuiu para maior
dignidade do homem, de modo que assim como fora vencido e enganado pelo diabo,
assim também fosse ele próprio quem vencesse o diabo; e assim como o homem
mereceu a morte, assim também, morrendo, a vencesse a ela, conforme o dizer do
Apóstolo: Graças a Deus, que nos deu a
vitória, por Jesus Cristo. — Por isso foi mais conveniente que, pela paixão
de Cristo fossemos libertados, do que só pela vontade de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Também a natureza, para produzir uma obra de modo mais conveniente, aplica
vários meios para um mesmo fim; assim, dois olhos, para ver. E o mesmo faz em
casos semelhantes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Crisóstomo,
Cristo veio destruir não a sua própria morte, pois, sendo a vida não estava
sujeito a morrer, mas a dos homens. Por isso não dispôs o seu corpo para uma
morte natural, mas quis sofrê-la infligida pelos outros homens. Pois, se no seu
corpo tivesse adoecido e na presença de todos, morrido, seria incompreensível
que quem veio curar as doenças alheias tivesse o seu próprio corpo sujeito a
elas. E se, sem nenhuma doença, se tivesse despojado do corpo, para se mostrar
em seguida, não o acreditariam quando falasse da sua ressurreição. Pois, como
teria Cristo manifestado a vitória sobre a morte, se não tivesse mostrado,
sofrendo-a na presença de todos, que a morte foi vencida pela incorrupção do
corpo?
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o diabo
tivesse atacado o homem injustamente, contudo o homem fora, por causa do
pecado, justamente entregue por Deus à escravidão do diabo. Por isso foi
conveniente que, pela justiça, o homem fosse libertado da escravidão do diabo.
Satisfazendo Cristo por ele, com a sua paixão. - E isso também foi conveniente para vencer a soberba do
diabo, inimigo da justiça e amante do poder: de modo que Cristo vencesse o
diabo e libertasse o homem, não pelo só poder da divindade, mas também pela
justificação e pela humilhação da paixão, como diz Agostinho.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.