Tempo ComumPáscoa
Evangelho:
Mc 10, 13-16
13 Apresentavam-Lhe umas criancinhas para que as tocasse mas os
discípulos repreendiam os que as apresentavam. 14 Vendo isto, Jesus
ficou muito desgostoso e disse-lhes: «Deixai vir a Mim as crianças, não as
estorveis, porque dos que são como elas é o reino de Deus. 15 Em
verdade vos digo: quem não receber o reino de Deus como uma criança, não
entrará nele». 16 Depois, abraçou-as e, impondo-lhes as mãos, as
abençoava.
Comentário:
Rodeado de pessoas que O
perseguem pelas Suas palavras e obras, por querer bem e apregoar o Reino de
Deus como a última felicidade do homem, Jesus Cristo sente-se muito bem entre
as crianças, espelho da inocência que falta aos outros.
É Natural!
Ele próprio é o “Grande
Inocente” que se entrega em holocausto sublime por toda a humanidade ferida
pelo pecado.
(ama, comentário sobre Mc 10, 13-16, 2014.03.01)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
CAPÍTULO SEGUNDO
PRIMEIRA PARTE
DEUS
«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra"
CAPÍTULO SEGUNDO
A Fé em Deus na Bíblia
3. Iahvé, Deus dos patriarcas e de Jesus Cristo
Mas, com todas essas considerações só encaramos
metade da questão, pois que, em todo caso, Moisés fora autorizado a dizer:
"EU SOU mandou-me a vós" [1]. Dispõe de uma resposta, mesmo que seja um enigma. E não se pode, não
se deve decifrá-la um pouco mais? A exegese moderna em geral vê nesta palavra a
expressão de uma proximidade auxiliadora. Deus não se identifica ali – como na
filosofia – pela sua natureza, como é em si, mas revela-se como um Deus para
Israel, um Deus para o homem. "Eu sou" é o mesmo que "eu estou
aí!", "estou aí para vós"; acentua-se a presença de Deus em
função do bem de Israel; seu ser (sua natureza) não é explicado como um ser em
si, mas como um ser-para. Aliás, Eissfeldt considera possível não só a versão
"ele ajuda", mas também "ele chama para a vida, ele é
criador", e até "ele é", e "o existente". O exegeta
francês Edmond Jacob acha que o nome "EI" exprime a vida como força,
"Iahvé" como duração e presença. Se Deus se chama aqui "eu sou",
explicar-se-ia como aquele que "é", como o ser em contraposição ao
devir, como o permanente e existente em oposição ao transitório. "Toda a
carne é como erva, e toda glória, como flor do campo... A erva seca, a flor
fenece, mas a palavra do nosso Deus permanece perene" [2].
Atendendo-se a este texto, torna-se visível um nexo
que, até agora, tinha sido pouco ponderado. Para o Deutero-Isaías era uma das
ideias básicas da sua mensagem: a caducidade das coisas deste mundo; os homens,
por poderosos que aparentem ser, no fim são como as flores que desabrocham um
dia e são colhidas e secam no dia seguinte, enquanto, no centro desse
gigantesco espetáculo de caducidade, o Deus de Israel "é", não
"devém". Ele "é" em todo o devir e perecer. Certamente,
este "é" de Deus, a pairar estável por cima da mutabilidade do devir
não se acentua sem nexo. Ele é muito mais que, simultaneamente se aprova, se
firma; ele está ali para nós e, através do seu "estar", dá-nos
firmeza no meio da nossa insegurança. O Deus que "é", simultaneamente
é um Deus que está connosco; não é um mero Deus em si, mas o nosso Deus,
o Deus dos nossos pais.
E tornamos à pergunta feita no início das
considerações sobre a narrativa da sarça: que relação existe entre o Deus da fé
bíblica e a ideia platónica de Deus? O Deus que se identifica e que tem um
nome, o Deus que auxilia e está presente, seria algo radicalmente diverso do esse
subsistens, o ser simplesmente, encantoado no ermo silencioso do pensamento
filosófico, ou...? Creio ser necessário olhar ainda um pouco mais de perto para
a ideia bíblica de Deus e para a opinião dos filósofos, para tirar a limpo esta
questão e compreender o sentido do falar cristão sobre Deus. Primeiramente
quanto à Bíblia, é importante não isolar a cena da sarça-ardente. Acabamos de
ver que ela deve ser compreendida a partir do ambiente de um mundo saturado de
deuses, no qual, relacionando e diferenciando, ela torna visível a fé de Israel
e, simultaneamente, impulsiona o seu desenvolvimento, aceitando como elemento
racional a ideia do ser, tão rica de cambiantes. O processo interpretativo com
o qual deparamos na nossa narrativa não terminou ali, mas foi retomado sempre
de novo e desenvolvido no correr da luta bíblica em torno de Deus. Ezequiel e,
sobretudo, o Deutero-Isaías bem mereceriam o cognome de teólogos do nome de
Iahvé, pois a partir dele desdobraram a sua pregação profética de modo
acentuado. O Deutero-Isaías, como se sabe, fala no fim do exílio babilónico, no
momento em que Israel começa a encarar o futuro com esperança renovada. O poder
babilónico, aparentemente invencível, que tinha escravizado os israelitas, está
despedaçado; Israel, tido como morto, ressurge da ruína. Assim para o profeta
torna-se ideia central opor o Deus que "é" aos deuses que passam.
"Eu, Iahvé, sou o primeiro e estou também entre os últimos" [3]. O último livro do Novo Testamento, o Apocalipse, repetirá o mesmo
pensamento visando dificuldades parecidas: diante de todas as potências ele já
está, e continua estando atrás e depois delas [4]. Mas, tomemos a Isaías: "Eu sou o primeiro, e depois deste e fora
de mim não há Deus" [5]. "Sou eu, eu sou o primeiro, e também serei o último" [6]. O profeta cunhou aí uma fórmula nova na qual se retoma o fio condutor
da história da sarça e só a enriquece de acentos novos. A fórmula foi
objectivamente reproduzida de modo certo no texto grego: "eu o sou" [7]. Neste simples "eu o sou" coloca-se o Deus de Israel frente
aos deuses, e identifica-se como aquele que é, em oposição àqueles que
foram destruídos e passaram. O enigmático e tão conciso "eu o sou"
torna-se o eixo da pregação do profeta, em que se manifesta a sua luta contra
as divindades, contra o desespero de Israel, a sua mensagem de esperança e de
certeza. Em oposição ao mesquinho panteão babilónico e aos seus destronados
ídolos, ergue-se o poder de Iahvé, simples e sem retoques, na expressão
"eu o sou" a acentuar a sua total superioridade acima de todos os poderes
divinos e não divinos deste mundo. O nome de Iahvé, cujo sentido assim se torna
presente, avança um passo a mais no rumo da ideia daquele que "é" no
meio de toda a caducidade das coisas e aparências, às quais não cabe nenhuma
duração.
Demos um último passo que nos leve ao Novo
Testamento. A linha que coloca, sempre em crescendo, a ideia de Deus sob a luz
do conceito do ser, interpretando a Deus com o simples "eu sou",
torna a surgir no Evangelho de S. João, ou seja, no derradeiro intérprete
bíblico; João traça a síntese da fé em Jesus, fé que, para os cristãos,
representa ao mesmo tempo o último passo da auto-interpretação do movimento
bíblico. O pensamento de João entrosa-se exactamente com a literatura dos
livros sapienciais e o Deutero-Isaías; e somente com este fundo literário é que
pode ser compreendido. João eleva o "eu o sou" de Isaías à ideia
central da sua fé em Deus, mas fá-lo colocando-o como núcleo da sua
cristologia: processo decisivo tanto para a ideia de Deus, como para a imagem
de Cristo. A fórmula que, pela primeira vez, se destaca no episódio da sarça;
que, no fim do exílio, se transforma em expressão da esperança e da certeza
face às divindades em derrocada; e que representa a presença permanente de
Iahvé acima de todas estas potências, essa fórmula encontra-se agora no centro
da fé em Deus, através do testemunho prestado em Jesus de Nazaré.
A importância desse processo torna-se de uma
clareza cristalina, se atendermos ao facto de João ter retomado o núcleo da
narração da sarça, como nenhum autor antes dele, a saber, a ideia do nome de
Deus. O pensamento de um Deus que se nomeia, que se torna invocável mediante um
nome avança até o cerne do seu testemunho prestado pelo "eu o sou".
João traça um paralelo entre Cristo e Moisés também neste sentido, descrevendo
Cristo como o personagem no qual a história da sarça alcança o seu sentido
pleno. Todo o capítulo 17 – a chamada "oração sacerdotal" e,
provavelmente, o próprio núcleo do Evangelho em geral – gira em torno da ideia "Jesus,
o revelador do nome de Deus", apresentando-se assim como o correlativo da
narração da sarça. O tema do nome divino volta, qual ritornello, nos
versículos 6, 11, 12, 26. Destaquemos apenas os dois principais:
"Manifestei o teu nome aos homens que me deste, separando-os do
mundo" [8]. "Eu dei-lhes a conhecer o teu nome e dar-lho-ei a conhecer
ainda, para que o amor com que me amaste esteja neles e eu esteja neles" [9]. Cristo surge aqui como sendo a mesma sarça-ardente, da qual brota o
nome de Deus para os homens. Mas, na perspectiva do quarto Evangelho, Jesus
aplica a si o "eu o sou" de Ex 3 e de Is 43; torna-se
claro ser ele próprio o nome, isto é, a invocabilidade de Deus. A ideia
do nome entra agora numa fase nova e decisiva. Aqui "nome" não é mais
somente uma palavra, mas uma pessoa: o próprio Cristo. A cristologia, e
correspondentemente a fé em Cristo, em conjunto, é elevada a uma única
interpretação do nome de Deus e do que ele significa. Com isto alcançamos um
ponto onde, qual cúpula, se impõe uma questão que interessa o complexo inteiro
tratado sobre o nome de Cristo.
4. A ideia do nome
Após estas considerações todas, urge, finalmente,
fazer uma pergunta muito geral: que quer dizer, afinal, um nome? E que sentido
há em falar no nome de Deus? Não penso em fazer uma análise detalhada desta
questão, deslocada neste lugar, mas apenas indicar em poucos traços o que me
parece essencial. Primeiramente podemos dizer que existe uma diferença
fundamental entre a intenção visada por uma ideia e a intenção incluída em um
nome. A ideia quer reconhecer a natureza da coisa como tal, tal como existe. O
nome, pelo contrário, não procura a natureza da coisa, tal como existe,
independente de mim, mas a ele lhe interessa tornar a coisa nominável,
invocável, criar um nexo para com ela. Certamente também o nome deve atingir a
própria coisa, mas com a finalidade de colocá-la em relação comigo e, torná-la,
assim, acessível. Exemplifiquemos: saber que alguém se enquadra no conceito
"homem" ainda não é suficiente para criar uma relação para com ele.
Somente o nome o torna nominável; através do nome o outro penetra na estrutura
da minha humanidade e pode ser chamado. Portanto o nome cria o entrosamento, a
correlação com a estrutura social das relações. Quem é considerado como mero
número é rejeitado da estrutura da comunidade. Ora, o nome cria a relação para
com os outros. Confere a um ser a invocabilidade que completa a coexistência
com o ser nomeado.
Mas é aqui também que se encontra o ponto de
encaixe a partir do qual deveria tornar-se claro o que acontece quando João
apresenta o Senhor Jesus Cristo como o verdadeiro e vivo nome de Deus. Nele se
realiza o que nenhuma palavra estaria em condições de realizar. Nele alcançou a
sua meta o sentido do diálogo sobre o nome de Deus e chegou à sua concretização
o que sempre havia sido pretendido e intencionado com a ideia do nome. Em
Cristo – é o que o Evangelho deseja exprimir com esta ideia – Deus de facto
tornou-se o invocável. Com Cristo Deus entrou para sempre na coexistência
connosco: o nome não é mais uma simples palavra a que nos apegamos; é carne da
nossa carne e osso dos nossos ossos. Deus é um dos nossos. E assim se
concretiza realmente o que vinha sendo intencionado com a ideia do nome desde o
episódio da sarça, a saber, na pessoa daquele que, como Deus, é homem e, como
homem, é Deus. Deus tornou-se um de nós, portanto um portador de nome e uma
presença ao nosso lado em coexistência.
(cont)
joseph
ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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